terça-feira, 31 de janeiro de 2012

Interesses dúbios e Judiciário letárgico abandonam cidade ao chumbo

Marcelo Pellegrini, Carta Capital


      O município de Santo Amaro da Purificação tem um grande valor simbólico para se entender o Brasil. Situada a apenas 72 km de Salvador, o município natal de Caetano Veloso e Maria Bethânia apresenta um dos maiores índices de intoxicação de chumbo por habitante do Brasil. Soma-se a isso fraudes em diagnósticos médicos de intoxicação e uma teia burocrática perversa, que se aproveita das brechas no sistema judiciário para negar indenizações e benefícios sociais para as famílias atingidas.
      A intoxicação, conhecida por saturnismo, que assola ao menos 1600 pessoas dos 58 mil habitantes do município. Este alto índice de contaminação é estimado apenas pelos 1600 de processos que tramitam na Justiça, sem contabilizar o número de habitantes sub-diagnosticados.
      A contaminção é fruto de 33 anos de atuação e destinação indevida de material tóxico pela companhia Cobrac, atual Plumbum Mineração e Metalurgia Ltda. Com escória de chumbo por todo o terreno da empresa, na pavimentação de ruas e na fundação de casas, o saturnismo se transformou em um problema de saúde pública na região.

Fraudes Médicas


      “Desde que a empresa começou a atuar existia casos de saturnismo. Só que eles foram sub-diagnosticados por muito tempo”, afirma Itanor Carneiro Júnior, advogado que atua junto à Procuradoria da cidade baiana e fez parte do Grupo de Trabalho do Congresso Nacional que analisou a situação do município.
      Segundo ele, na época das primeiras manifestações de intoxicação nas pessoas, na década de 70 e 80, o perito do INPS – órgão que antecedeu o Instituto Nacional de Seguridade Social – Ademario Espinola Galvão também era o médico de trabalho da fábrica.
      Devido ao conflito de interesses explícito, o médico apenas afastava as pessoas intoxicadas do trabalho por um período de tempo para o nível de chumbo no sangue baixar. Mas, logo que os sintomas se atenuavam, os trabalhadores regressavam à fábrica e permaneciam expostos. “Os trabalhadores não sabiam que estavam acidentados em decorrência do trabalho que exerciam. Essa omissão de diagnóstico é fraude”, diz.
      Somente após o encerramento das atividades da mineradora em 1993, que os trabalhadores procuraram médicos que não possuíam vínculos com a companhia. Ou seja, depois de trinta anos de exposição que foram diagnosticados os primeiros sintomas de intoxicação nos trabalhadores.

Judiciário letárgico

      Desde 1993, ano em que a mineradora encerrou suas atividades na cidade baiana, foram abertos 1600 processos indenizatórios por danos morais e materiais, na Justiça Civil. Essas ações foram impetradas pelo advogado Antônio José, contratado pela Associação de Vítimas do município.
      Grande parte dos 1600 processos ficou treze anos à espera de julgamento. Emperrados pelo Judiciário local, na época, a cargo da juíza Maria do Carmo Tomasi – atual desembargadora do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia.
      Foi apenas após a resolução do Supremo Tribunal Federal (STF) (súmula 45), que determina que as ações de caráter trabalhista sejam julgadas pela Justiça do Trabalho, que os processos começaram a avançar.
      Agora, sob a competência do Tribunal Regional do Trabalho Baiano, os trabalhadores acreditavam numa maior velocidade no julgamento de suas ações. No entanto, logo os processos voltaram a emperrar.
Artimanhas jurídicas

      Por meio de uma manobra jurídica, a atual Plumbum Mineração e Metalurgia Ltda passou a registrar as comunicações de acidentes de trabalho pelo seu atual CNPJ, registrado no Estado de São Paulo. Contudo, essas comunicações são de competência da Justiça Trabalhista do Estado em que ocorreram os acidentes, no caso o Estado da Bahia.
      Como os processos estão sendo registrados por São Paulo e os sistemas dos Tribunais Regionais não são integrados, as informações dos trabalhadores não se cruzavam, criando um imbróglio burocrático que atrapalha e atrasa o julgamento. “Por meio deste artifício, boa parte das ações indenizatórias está prescrevendo”, argumenta Itanor. Dessa forma, após cinco anos sem julgamento as ações se tornam inválidas e, mesmo que a empresa seja considerada culpada pelo acidente de trabalho, as famílias não têm mais direito à indenização.

Seguridade Social e Família

      Está agendada para o final de fevereiro, uma audiência no Congresso Nacional para discutir e elaborar saídas imediatas para a população de Santo Amaro da Purificação.
      Segundo o deputado Roberto Lucena, a Comissão e Seguridade Social e Família irá elaborar um relatório de contaminação por metais pesados no Brasil, com o objetivo de gerar protocolos de tratamentos específicos para este tipo de intoxicação e atualizar a legislação trabalhista. “São três décadas de questões não resolvidas na Justiça Trabalhista, no Ministério da Previdência Social e nas questões ambientais. A importância desta comissão está justamente em tentar resolver estas dependências de trinta anos”, diz Lucena.
      Através de um trabalho em conjunto com a UGT (União Geral dos Trabalhadores), a comissão facilitará a troca de informações entre os Tribunais do Trabalho paulista e baiano, acelerando, com isso, o julgamento dos processos trabalhistas e indenizatórios. “Tenho a esperança que com um esforço conjunto do Legislativo, Judiciário e do Executivo, nos três níveis – federal, estadual e municipal- conseguiremos por um fim neste caso de uma vez por todas”, conclui o deputado.


A coluna da pilastra

Milton Cunha, O Dia

      Rio -  ‘Sempre que a porta do elevador se abria eu me assustava porque via um andar inteiro, um grande vão, sem nenhuma pilastra”, disse alguém do prédio que desabou. Fundamental elemento de sustentação tão martirizado por ser duro e feio, estar sempre no meio do caminho, atrapalhando a vista. Sem ela, só com poderosíssimo concreto na arquitetura contemporânea, para sustentar o vazio. Mas eu sou do tempo em que tinha que ter pilastras e aprendi a enfeitá-las para disfarçar. Não podíamos tirá-las de lá. Tínhamos que minimizar sua interferência, aprender a conviver com elas: eu via o vão sem elas, eu imaginava o todo subtraindo aquele trambolho. E sempre percebi que eu tinha que ter pilastras na alma, para continuar de pé. E me fiz prédio, conhecedor de minhas pilastras-morais, meu código de ética, minhas crenças, meu respeito pelo que me edifica. E cinquentão agradeço a cada pilastra que não arranquei, que brecou o meu caminho em linha reta, me fazendo ponderar questões que me desestruturariam ou me colocariam em risco. Sobrevivi ao desbunde do sexo promíscuo nos anos oitenta, quando cheguei de pau de arara jovem, gostosinho e paupérrimo, porque aquilo dilacerava minha alma. Recusei as bandejas de cocaína nas festas dos anos noventa pelo simples fato de já conhecer de perto a minha pilastra da loucura. Mas conheço o torpor do álcool, pois minha pilastra pinguça é fortíssima. Jogo de estica e puxa, de conceder e negar, tudo diante da extraordinária existência da moralidade, no meu caso muito individual, pois recusei as artificiais pilastras que o senso-comum ou a religião queriam fincar em mim, mas sabia que só sobreviveria se tivesse minhas pilastras pessoais. Elas atrapalham porque freiam, mas nos tornam civilizados. Desejo boa sorte aos que sobrevivem e são felizes sem pilastras, mas preciso escutar minha voz da consciência para sair vivendo. Carrego minha história e minhas crenças na engenharia do coração, convivo com minha “empena-cega” que é aquele lado de mim onde estão fantasmas que de vez em quando vêm comigo dançar. Estão lá, e não posso arrombar janelas e paredes para destruí-los, isto comprometeria a estrutura. E graças a Deus tem a negociação possível de arrancar uma coluna desnecessária construindo uma poderosa cinta de concreto entre duas outras: é quando concluímos que temos que abandonar um preconceito. Ser humano é ser robusto e sustentável e, sempre que começamos a ouvir marretas e quebra-quebra, devemos chamar síndico, órgãos fiscalizadores e, se possível, nós mesmos irmos lá dar uma olhadela e ver quem, como e pra que está mudando o que foi projetado.

segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

Para Refletir...

Fonte: http://www.conversaafiada.com.br/

Olhos nos olhos do desenhista Rugendas: música e afeto na família escrava

LUIZ A. GIANI*
Fonte: http://espacoacademico.wordpress.com/

      Alguém lhe diz que a falta de afeto na família “tem um nome: falta de dinheiro”, o que comumente é interpretado como resultado do fracasso da distribuição da riqueza. Por outro lado, você ouve um psicanalista afirmar que “não se pode ignorar o indivíduo, que não se pode jogar a culpa só na sociedade”. Então, você encontra nessas duas posições motivação suficiente para voltar à velha questão, ainda muito problemática, das relações entre indivíduo e sociedade.

      Depois do projeto “fome zero”, a nação está se mobilizando para um novo projeto, em 2005, desta vez destinado a zerar a falta de afeto na família.
      Falar sobre a presença do afeto na família leva-nos a associações com a atenção, cuidados, carinhos, agrados e variadas formas de apoio e relacionamento prazeroso presentes nas rodas de música, dança e demais artes, além de todo tipo de brincadeiras, jogos, rezas, festas, refeições, etc., etc.


      Hoje, já é farta a literatura que enfatiza a alegria dos escravos e seus descendentes, no Brasil. A esta cultura africana dionisíaca contrapõe-se a civilização européia e cristã que, há vários séculos, vem recebendo críticas históricas sobre suas características castradoras, de sofrimento, dor e culpa. Para dar eficácia a seus objetivos, os “civilizados” cristãos inventaram mecanismos disciplinares e repressivos fundados na alegada existência do diabo, do pecado mortal e da pena capital, o inferno eterno. Sabe-se que as idéias e ideologias adquirem força material, dominando, subjugando, amordaçando a própria sociedade que as inventou. Livrar-se delas é tarefa extremamente difícil para o indivíduo. Quando os indivíduos o conseguem é porque já se constituíram condições sociais favoráveis, independentemente, em grande parte, da própria vontade dos indivíduos.
      Entre os críticos da formação social brasileira, o editorialista Ênio Silveira (Editora Civilização Brasileira) relata que no programa da peça “Orfeu da Conceição” (“Orfeu negro”), encenada em 1956, o poeta Vinicius de Moraes “tornou bem claro que sua peça constituía, antes de mais nada, homenagem ao negro brasileiro. Homenagem à sensibilidade artística de uma raça eminentemente plástica, no sentido de que, através de ritmos, cores e formas, sempre conseguiu – na liberdade e no cativeiro – demonstrar genuína alegra de viver, adaptando-se às mais estranhas e por vezes odiosas condições…”



      A filosofia, por ser invenção da sociedade grega, parece ter ficado muito restrita à Europa e suas colônias. A história da África é exclusiva ou predominantemente oral, até recentemente, o que impossibilita o amplo acesso ao pensamento dos antigos sábios africanos. Neste caso, os olhos da cidadania, hoje, voltam-se freqüentemente para os olhos dos brancos europeus, especialmente os viajantes, como Rugendas. Na observação de Sérgio Milliet (tradutor de obra de Rugendas), os conceitos de Jean Jacques Rousseau estavam ligados às concepções filantrópicas, em oposição aos interesses escravagistas. O humanismo de Rugendas tem ligações com Rousseau (no entanto, que condições teriam levado Rousseau, apesar de seu imenso humanismo teórico, a não assumir seus filhos, entregando-os na roda?). Os romances de Rousseau são obras primas da preocupação em torno da educação com música e afeto, entre outros recursos do coração.
      Integrando a expedição científica enviada pela Rússia ao Brasil, para a qual fora contratado como desenhista, Rugendas (João Maurício Rugendas, Augsburgo: 1802; Weilheim: 1858) não se restringiu à arte do desenho em torno da música e dos afetos, entre outros aspectos e costumes, dos africanos escravizados (Rugendas abandonou a expedição, viajando por conta própria). Ele também filosofou sobre o que via e ouvia, enquanto desenhava “Batuque”, “Lundu”, “Jogo da capoeira”, “Festa de Nossa Senhora do Rosário, Padroeira dos Negros” e “Habitação de negros”, entre dezenas de outros quadros. O admirador dos quadros de Rugendas pode, assim, usufruir da rara oportunidade estética de juntar à sua subjetividade – a do olhar do espectador – a subjetividade do criador, qual seja, a do olhar do próprio Rugendas.


      Para citar pelo menos uma fala dos afro-descendentes sobre a sua própria história, recorremos a Alaor Gregório de Oliveira (presidente da Associação União e Consciência Negra, de Maringá) e Valdeir Gomes de Souza (Assessor Municipal de Promoção da Igualdade Racial, de Maringá). Em um trabalho acadêmico, para o Curso de Especialização em Ciências Sociais, “Reflexões sobre as relações interétnicas e a questão racial no Brasil”, do Departamento de Ciências Sociais, da Universidade Estadual de Maringá, eles reafirmam que “a principal marca do modo de ser brasileiro deixada pelos negros é, sem dúvida, a alegria. Uma alegria que persiste mesmo diante das grandes e reconhecidas desigualdades sociais que excluem grande parte de nossa população, justamente onde encontram-se inseridos os negros e descendentes. Os negros escravizados, mesmo diante das formas cruéis de vida, dos castigos físicos e morais impostos, apesar de tudo isso, encontravam momentos para extravasar na música, na dança e nos folguedos uma alegria incompreendida pela lógica do colonizador”. Trata-se de um tempo de prazer subordinado e, ao mesmo tempo, contraposto ao tempo de trabalho escravo.
      Pode-se afirmar que a aguçada sensibilidade de Rugendas o fez perceber a contradição entre o prazer e o trabalho explorado. Música, afeto e dança estão em contradição com o trabalho escravo, tal como ele captou, em um nível de percepção bem acima dos homens letrados de seu tempo. Diz ele, no capítulo “Usos e costumes dos negros”, da Viagem pitoresca através do Brasil, obra editada em Paris, 1835:
      Dir-se-ia que após os trabalhos do dia, os mais bulhentos prazeres produzem sobre o negro o mesmo efeito que o repouso. À noite, é raro encontrarem-se escravos reunidos que não estejam animados por cantos e danças; dificilmente se acredita que tenham executado, durante o dia, os mais duros trabalhos, e não conseguimos nos persuadir de que são escravos que temos diante dos olhos (Rugendas. Viagem pitoresca através do Brasil)
      E hoje, “abolida” a escravidão, o que acontece? Uma corrente sociológica insiste em afirmar que o lazer é uma função do tempo livre. E mais: que a sociedade moderna atual é a sociedade do lazer. Contra a tônica positivista desta concepção, uma das correntes marxistas prefere entender que, enquanto houver trabalho explorado, o tempo da música, afeto e dança é tempo liberado (e não livre) do trabalho, tempo destinado a recuperar as forças de trabalho exploradas. Não existe, assim, tempo livre nas sociedades em que o trabalho é trabalho explorado, sob uma nova forma, a capitalista. Esta levou o poeta Cazuza a cantar que “enquanto houver burguesia não haverá poesia”.


      O prazer da música, do afeto, da dança, não se contrapõe ao trabalho, quando a formação social é a da comuna, proprietária do seu próprio trabalho e seus produtos. Assim, pode-se arar, plantar, colher, caçar, etc., no mesmo espírito com que se canta e dança, sem a opressão inerente ao trabalho explorado. Trabalho e prazer estão em harmonia, confundem-se, não se separam.
      O olhar de Rugendas sobre a contradição entre o prazer e o trabalho vale para os dias de hoje? Fica para você, leitor, a conclusão. Em tempos de escravidão, o prazer contrapõe-se a trabalho escravo. Hoje, a música, o afeto, a dança e o carinho da família contrapõem-se a quê, quando a maioria da população já está excluída do trabalho? Como se resolve a química entre, de um lado, Orfeu, Dioniso, os afetos, e, de outro lado, a exclusão do trabalho – modo de ser da chamada “razão instrumental” (meios destinados a atingir com racionalidade os fins impostos pela lógica do capital) – que atinge um número imenso e cada vez maior de famílias? Um bilhão de famintos, no planeta: bem maior que esta é a cifra de todos os excluídos. Como parte desse quadro, a família atual é conseqüência e não fator, à semelhança da família escrava.





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* LUIZ A. GIANI é Professor da Universidade Estadual de Maringá e Doutor em História pela História pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (Campus de Assis). Ministra a disciplina Teoria Crítica da Sociedade, no Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais – Mestrado, da Universidade Estadual de Maringá. Publicado na REA nº 44, janeiro de 2005, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/044/44cgiani.htm






domingo, 29 de janeiro de 2012

Para Relaxarmos Neste Domingo

Mas Há Seres Humanos Que Fazem A Diferença

      Esta postagem, felizmente, faz uma contraposição à postagem do dia 28/01.

As leituras que alimentam
POR CLAUDIO VIEIRA, O Dia

      Rio - O rodoviário Joucenir Domingos da Silva, 47 anos, não tem um grande salário. Mas isso não é obstáculo para que ele ajude mensalmente 16 famílias carentes de Itaipava, distrito de Petrópolis, na Região Serrana. Pela iniciativa do projeto ‘Leitura que Alimenta’, mantido pela sua biblioteca Portal do Livro, ele recebeu a medalha Orgulho do Rio, oferecida por O DIA às pessoas que se empenham em dar melhor qualidade de vida à comunidade em que vive.

Joucenir da Silva exibe a Medalha Orgulho do Rio, oferecida por O DIA aos que se destacam em oferecer melhor qualidade de vida às pessoas da comunidade em que vive Foto: Fernando Souza / Agência O Dia

      O projeto estabelece a entrega de uma cesta básica à família cuja criança faça uma interpretação sobre o livro que pegar emprestado. Analfabeta, Luzia Gomes Pereira festejou ao receber os alimentos na sede da biblioteca, que funciona na Rua José Gama Machado, no bairro Madame Machado, em Itaipava. Sua filha, Geovana, 13 anos, foi quem escreveu um texto sobre o livro ‘Buraco da formiga e buraco do tatu’, que pegou emprestado.
      O prédio da biblioteca tem dois pavimentos. No andar de baixo, roupas e utensílios que serão destinados às vítimas das chuvas da Região Serrana. O pavimento superior abriga uma estante com cinco mil livros. O material é emprestado de graça a leitores de qualquer lugar do País. A única exigência é que o leitor pague as despesas com o envio dos livros pelos Correios.
      Joucenir conta que já recebeu pedidos do Acre e do Mato Grosso do Sul. Neste último, após enviar a uma leitora o romance ‘O inspetor e o caso do desfile’, de Santos de Oliveira, recebeu, na devolução, outro livro: ‘O livreiro de Cabul’, com um bilhetinho: “Este é para contribuir com o seu acervo”.
      Emocionado ao receber a medalha, Joucenir disse que o Portal do Livro tem cerca de mil leitores. Para o rodoviário, o maior prêmio é incentivar crianças ao hábito da leitura. “Tento convencê-las a trocar computador, videogame e TV pelos livros, para que possam usar a imaginação e crescer de forma sadia. Os resultados estão vindo”, explica.

Projeto foi para retribuir favor de amigos

      Joucenir explica que a ideia do projeto surgiu quando se matriculou em curso de técnica de Administração e recebeu emprestado de amigos diversos livros. “Achei que deveria retribuir o favor em maior escala”, destacou.
      A partir daí, o rodoviário criou o Portal dos Livros e o site www.portaldolivro.org, para divulgar o catálogo de obras disponíveis. Quando o projeto foi iniciado, em 2008, eram 2.500 títulos. Hoje, Joucenir conta mais de cinco mil livros catalogados.
      O trabalho foi se espalhando. Outros rodoviários aderiram e passaram a lhe entregar livros e alimentos, para compor as cestas básicas.
      Empresas da região também se aderiram ao projeto. O esforço também foi reconhecido pela Fetranspor, que elegeu em 2011 Joucenir como Rodoviário do Ano. “Ganhei troféu e R$ 6 mil, que empreguei na compra de um Parati. Com o veículo, transporto mais livros”, diz.

Salvar vidas ou o capital?

Frei Betto, O Dia

      Rio - Quatro dias antes do Natal, 523 instituições financeiras europeias mereceram o melhor papai-noel do mundo: 489 bilhões de euros, o equivalente a R$ 1,23 trilhão, emprestados pelo BCE (Banco Central Europeu) a juros de 1% ao ano!
      Curiosa, a lógica do sistema capitalista: nunca há recursos para salvar vidas, erradicar a fome, reduzir a degradação ambiental, produzir medicamentos. Mas, em se tratando da saúde dos bancos, o dinheiro aparece num passe de mágica!
      Quais os fundamentos dessa lógica que considera mais importante salvar o Mercado que vidas humanas? Assim, a morte provocada, fruto do desinteresse do Mercado por vidas humanas, passa a integrar a lógica do poder.
      Essa é a lógica do patrão que sonega o salário de seus empregados, sob pretexto de capitalizar e multiplicar a prosperidade geral, criando mais empregos. E leva os governos a responsabilizar as greves pelo caos econômico, mesmo sabendo que resultam dos baixos salários pagos aos que tanto trabalham sem ao menos a recompensa de uma vida digna.
      O espantoso dessa lógica é admitir a morte anunciada. Mata-se cruelmente através do corte de subsídios a programas sociais; da desregulamentação das relações trabalhistas; do incentivo ao desemprego; dos ajustes fiscais draconianos; da recusa de conceder aos aposentados a qualidade de uma velhice decente.
      A lógica cotidiana do assassinato é sutil. Aqueles que têm admitem como natural a despossessão dos que não têm. Qualquer ameaça à lógica cumulativa do sistema é uma ofensa ao deus da liberdade ocidental ou da livre iniciativa. Se não mudarmos de território — sobretudo no modo de encarar a realidade —, continuaremos empenhados em salvar o capital, não vidas, e muito menos a saúde do planeta.

Frei Betto é escritor, autor de ‘Sinfonia Universal: a cosmovisão de Teilhard de Chardin’

sábado, 28 de janeiro de 2012

Novo Blog

      Pessoal, estamos com um novo blog, específico para textos literários. Confira e colabore em http://costruzionedime.blogspot.com/. Boa leitura.

Como Sempre O Ser Humano Não Falha...

Objetos de vítimas são garimpados em escombros 
Jornal do Brasil


      Zona Portuária do Rio de Janeiro, para onde estão sendo levados os escombros retirados do local do desabamento dos prédios no Centro da cidade, tornou-se um local de garimpo de pertences de vítimas e frequentadores dos edifícios, devido ao pouco controle sobre o material depositado.
      Funcionários de empresas particulares responsáveis pela construção de um museu na região foram vistos vasculhando bolsas, álbuns de fotografias e peças de metal, entre outros materiais, de acordo com reportagem da Folha de S.Paulo deste sábado.
      A prefeitura carioca admitiu o problema e afirmou que irá identificar os responsáveis para que sejam punidos e prometeu reforçar a segurança em todos os locais para onde são levados os entulhos. De acordo com a prefeitura, o material ficará disponível para perícia. Até a madrugada deste sábado, 17 corpos já foram encontrados entre os escombros.

sexta-feira, 27 de janeiro de 2012

Campanha de Jamie Oliver faz McDonald’s mudar receita de hambúrguer

Carta Capital

      O chef e apresentador Jamie Oliver acaba de ganhar uma batalha contra uma das maiores redes de fast food do mundo. Depois que Oliver mostrou o modo como os hambúrgueres do McDonald’s são produzidos, a rede anunciou que irá mudar sua receita. Segundo Oliver, as partes mais gordurosas da carne de boi são “lavadas” em hidróxido de amônia e usadas no recheio do hambúrguer. Antes desse processo, segundo o apresentador, o alimento é considerado impróprio para consumo humano.
O cozinheiro e apresentador Jamie Oliver, que empreende guerra contra indústria de fast food



      “Basicamente, estamos pegando um produto que seria vendido da maneira mais barata para os cachorros e, depois desse processo, dando para seres humanos”, disse ao portal britânico Daily Mail Online. Além da baixa qualidade da carne, o hidróxido de amônia é prejudicial à saúde. Oliver denominou o processo de lodo rosa.
      “Por que qualquer ser humano sensato colocaria carne com amônio na boca de suas crianças?”, questionou o chef, que empreende uma guerra contra a indústria de alimentos fast food. Em uma de sua iniciativas, Oliver demonstra para crianças como são feitos os nuggets. Depois de selecionar as partes mais nobres do frango, os restos (gordura, pele e interiores) são processados e fritos.
      A empresa Arcos Dourados, gerente da rede na América Latina, afirmou que esse tipo de processo não é praticado na região. O mesmo ocorre com o produto da Irlanda e Reino Unido, que utiliza carne de fornecedores locais. Nos Estados Unidos, Burguer King e Taco Bell já haviam suspendido o uso de amônia em seus produtos.
      No site oficial no Mc Donald’s, a empresa afirma que sua carne é barata porque, ao servir muitas pessoas todo dia, são capazes de comprar de seus fornecedores por um preço menor, e oferecer os produtos de melhor qualidade. Além disso, a rede negou que decisão de mudar a receita esteja relacionada com a campanha de Jamie Oliver. No site, o McDonald’s esclarece que sua carne, apesar de todos os mitos que dizem o contrário, é verdadeira.

Encontrado 12º corpo de vítima dos desabamentos dos prédios no Rio

Jornal do Brasil


      Na tarde desta sexta-feira (27), foi localizado o 12º corpo vítima do desabamento de três prédios, na última quarta-feira (25), no Centro do Rio. Ainda não foi revelada a identidade da pessoa. Os Bombeiros que trabalham no local acreditam que devem ser encontradas mais vítimas nessa mesma área, onde supostamente estariam os alunos de um curso de informática que funcionava no momento do desmoronamento.
      Um dos responsáveis pelas buscas dos desaparecidos, o Tenente-Coronel Luciano Sarmento acredita que ainda hoje sejam encontrados os corpos restantes. Segundo ele, 90% dos escombros dos três edifícios já foram removidos e a procura pode adentrar a madrugada do sábado (28). A expectativa, agora, concentra-se no grupo que estaria em um curso de informática no Edifício Liberdade no momento do colapso da construção.
      “Já retiramos bastante material e equipamentos que estariam na sala deste curso de informática, mas ainda não conseguimos encontrar os corpos dos alunos”, disse. “Os corpos devem estar mais abaixo do material que está sendo retirado”, afirmou o oficial que está há 16 anos na corporação.

Homenagem

      Na tarde desta sexta-feira (27), um senhor não identificado foi prestar sua homenagem às vitimas dos desabamentos. Ele carregava um buquê de flores e pediu ao operador de uma das retroescavadeiras que o deixasse em uma árvore próxima ao local da tragédia.

Asteróide Passa De Raspão Pela Terra Nesta Sexta

Objeto de 11 metros de diâmetro foi descoberto na quarta e não apresenta perigo
Fonte: O Globo.

      RIO – Um asteroide, batizado 2012 BX34, vai passar de raspão pela Terra na noite desta sexta-feira. Segundo os últimos cálculos dos astrônomos, o objeto de 11 metros de diâmetro, descoberto na última quarta-feira, chegará a 60 mil quilômetros do planeta, um quinto da distância para a Lua e o mais próximo desde junho do ano passado, mas não apresenta risco de colisão.
      - É uma das maiores aproximações já registradas – disse à BBC Gareth Williams, vice-diretor de Centro de Pequenos Planetas, sediado nos EUA. - Ele chega à lista das 20 maiores aproximações, mas está longe o bastante que não há absolutamente nenhuma chance dele bater em nós.
      Estimativas anteriores tinham colocado o asteroide como passando a 20 mil quilômetros da Terra, uma distância tão pequena que fica dentro da órbita onde satélites geoestacionários ficam, mas novas observações permitiram a correção dos cálculos de sua trajetória. Embora não seja visível a olho nu, o objeto pode ser acompanhado por astrônomos amadores.
      - Já recebemos três séries de observações nas últimas horas de astrônomos do Reino Unido – contou Williams.


O asteroide Vesta, visto pela sonda Dawn, da Nasa: novo objeto é muito menor e não apresenta risco para a Terra
Foto: Nasa

O asteroide Vesta, visto pela sonda Dawn, da Nasa: novo objeto é muito menor e não apresenta risco para a Terra Nasa

quinta-feira, 26 de janeiro de 2012

Tragédia no centro do Rio de Janeiro


RioHoje às 16h40 - Atualizada hoje às 18h31

Homem desaparecido em desabamento no Rio atendeu celular de madrugada
Jornal do Brasil

      A apreensão para encontrar os desaparecidos no desabamento dos três prédios no Centro do Rio continua intensa para muitos parentes das vítimas. A jovem Tatiana, que não revelou o sobrenome, aguardava trêmula na Câmara de Vereadores por notícias do noivo, o biólogo da Petrobras Flávio Porrovzi, de 30 anos, que fazia um curso de informática em um dos prédios que ruiu. Na madrugada desta quinta-feira (26), ela conseguiu ligar para o noivo, que atendeu e só pôde dizer "Oi, meu amor", antes que a ligação perdesse o sinal e fosse cortada.
      O tio de Flávio, Ricardo Porrovzi, que também está no local, confirmou que Tatiana falou com o noivo por volta de meia noite e meia, cerca de três horas depois do desabamento. Flávio teria atendido a ligação da noiva, mas logo depois o sinal se perdeu e a conexão foi cortada. Desde então, ela não conseguiu mais falar com o biólogo. 

Câmara de Vereadores como refúgio
      A Câmara dos Vereadores do Rio se tornou refúgio dos parentes dos desaparecidos nos desabamentos dos três prédios no Centro do Rio. Da sacada, muitos choram enquanto outros rezam na esperança de encontrar seus entes queridos vivos. O ambiente no local é de muita confusão e atordoamento.
      O aposentado José Alves recebeu ontem, em Cabo Frio, a noticia de que sua prima, a administradora Ana Cristina Farias, de 50 anos, estava entre os desaparecidos. Ela trabalha no escritório da empresa Ábaco, que se situa no Edifício Liberdade, na Av. Treze de Maio. José viajou ainda na noite de ontem para o Rio e se juntou ao restante da família na Câmara para esperar por notícias de sua prima.

      “Já estive no local e não vejo nenhuma probabilidade de encontrar minha prima com vida”, contou, muito emocionado, o aposentado.
      Segundo parentes de vitimas ouvidos pelo JB, uma equipe de psicólogos e médicos está prestando atendimento aos parentes das vítimas desde a noite de ontem.

      Até o início da tarde desta quinta-feira, havia a confirmação de cinco mortos e seis feridos. Entre os mortos há três homens e duas mulheres. Os Bombeiros ainda buscabam por 17 pessoas desaparecidas

Advogado: “Parecia uma turbina de avião”

      O advogado Claudio de Taunay, de 33 anos, tem um escritório de advocacia em um prédio vizinho ao Edifício Liberdade, na Av. Treze de Maio. Ele conta que ouviu um tremor muito forte e conseguiu descer do 16º andar até o 7º, mas a partir desse pavimento a escada estava bloqueada por entulho e não era possível prosseguir. Claudio disse que voltou ao seu andar e ficou esperando a chegada do resgate.
      Segundo o advogado, seu maior medo era ter morrido. Ele teve dificuldade em compreender a situação.
      “O barulho parecia uma turbina de avião. Era assustador”, disse. “Só quando desci que entendi que o prédio realmente tinha caído”.

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Confira abaixo fotos do jornal O Globo.


O leitor André Luis Antunes fez uma montagem com fotos do ‘antes’ e ‘depois’ do desabamento no Centro do Rio
Foto: Foto do leitor André Luis Antunes


A fumaça tomou a região da Cinelândia na manhã desta quinta-feira
Foto: Foto da leitora Sílvia Knapp

Momentos após o acidente, a leitora Camilla Carvalho registrou a chegada das equipes de resgaste
Foto: Foto da leitora Camilla Carvalho



Prédios desabam no Rio de Janeiro

      Três prédios desabaram na noite de ontem (25/01) na cidade do Rio de Janeiro, mais exatamente na rua 13 de Maio, Centro.
       Até o momento há notícias de 20 desaparecidos e poucos sobreviventes. Consta que havia obras em um dos prédios, e que o mesmo apresentou pequenas explosões na cobertura no momento do desabamento.
      
Fonte imagem: eduardosilvaacari.blogspot.com


Fonte da imagem: g1.globo.com


Fo0nte da imagem: exame.abril.com.br


Fonte da imagem: zerohora.clicrbs.com.br


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terça-feira, 24 de janeiro de 2012

De pires na mão

Rodrigo Martins, Carta Capital

      Após mais de uma década de debates acalorados no Congresso, a presidenta Dilma Rousseff sancionou o projeto que regulamenta a Emenda Constitucional 29.
      Publicada no Diário Oficial da União na segunda-feira 16, a lei define claramente o que pode ou não ser considerado gasto em saúde. Estados e municípios ficarão impedidos de usar brechas legais para cumprir os seus porcentuais mínimos de investimento.



A nova regra define o que pode ou não ser considerado gasto em saúde e evita a maquiagem de dados. Foto: Raul Spinassé / Ag. A Tarde / AE

      Antes, era comum governos estaduais e municipais classificarem como “gasto em saúde” despesas com aposentadorias, programas de alimentação, saneamento básico, limpeza urbana, assistência social e até mesmo obras de infraestrutura. A maquiagem nos dados retirava do sistema público de saúde ao menos 3 bilhões de reais por ano.
      Apesar do avanço, o texto final da lei frustrou as expectativas de profissionais da saúde que defendiam um maior investimento estatal. O próprio ministro reconhece que a regulamentação não resolveu o problema da falta de recursos. “Ela foi um passo de uma caminhada que nós ainda temos de trilhar para debater o financiamento da saúde. Precisamos fazer com que o Brasil se aproxime de outros países da América Latina que investem mais”, afirmou Alexandre Padilha.
      Aprovada em 2000, a Emenda 29 fixou um patamar mínimo de investimento das três esferas de governo no sistema público de saúde. Com a regulamentação, não houve alteração nos porcentuais.
      A União continua obrigada a aumentar os gastos conforme a variação do PIB no ano anterior. Estados e municípios precisam empregar, respectivamente, 12% e 15% de suas receitas no setor. A nova lei prevê, porém, punições ao gestor público que investir menos que a meta ou inflar artificialmente os gastos em saúde com despesas de outra natureza. Os 3 bilhões de reais adicionais dão algum fôlego, mas são insuficientes para tirar o Sistema Único de Saúde (SUS) da situação de penúria.
      Com a sexta maior economia do mundo, o Brasil ocupa o 72º lugar no ranking de gasto per capita em saúde. O investimento público no setor é de 317 dólares por brasileiro ao ano, segundo o último levantamento da Organização Mundial da Saúde (OMS), divulgado em setembro de 2011.
      O desempenho é 40% inferior à média internacional (517 dólares). Está a léguas de distância de vizinhos sul-americanos, como Uruguai e Chile, e é 20 vezes menor que o investimento feito pela Noruega e Mônaco, os líderes da lista, com despesas anuais superiores a 6,2 mil dólares por habitante.
      Duas tentativas de aumentar os investimentos em saúde fracassaram no Congresso. A oposição barrou a proposta de criar um novo imposto, com recursos vinculados à saúde. E a bancada governista tratou de sepultar a sugestão do ex-senador Tião Viana (PT), atual governador do Acre, de obrigar a União a investir 10% de sua receita na área. Caso fosse aprovado o parecer de Viana, a União teria de desembolsar 45 bilhões de reais a mais por ano.
      Algo que muitos governistas consideravam viável desde que fosse aprovada uma nova fonte de receita para o governo federal.
      “O problema é que o debate sobre o financiamento da saúde não está sendo tratado com seriedade. Todos pregam mais gastos em saúde, mas poucos dizem de onde tirar o dinheiro”, alertava, antes mesmo de o projeto ser encaminhado ao Senado, o deputado Pepe Vargas (PT-RS), relator da Emenda 29 na Câmara.
      O parlamentar era um dos principais entusiastas da Contribuição Social da Saúde (CSS). O tributo só seria cobrado de quem tem renda superior ao teto previdenciário, hoje fixado em 3.916 reais. Na prática, 95% da população estaria isenta. Apesar da alíquota baixa (0,1% sobre a movimentação financeira), isso seria o suficiente para garantir 19 bilhões de reais para a saúde.
      O governo vetou 15 pontos do projeto de regulamentação, aprovado no fim de 2011 pelo Senado. Quase todos dizem respeito a questões técnicas que não alteram o objetivo central da lei. Mas ao menos um deles deve animar a oposição na tentativa de desgastar o governo: excluiu-se o artigo que previa “créditos adicionais” para a saúde na hipótese de revisão do valor nominal do PIB.
      De acordo com a justificativa do governo, “a necessidade de constante alteração nos valores a serem destinados à saúde pela União pode gerar instabilidade na gestão fiscal e orçamentária”. O líder do DEM na Câmara, deputado ACM Neto (BA), prometeu, porém, reacender a disputa no Congresso: “Isso vai manter na pauta o debate sobre o financiamento da saúde, que continua insuficiente. Vamos fazer um cabo de guerra contra os vetos”.
      A estratégia conta com o apoio do senador tucano Aécio Neves (MG), que prometeu envolver a bancada do PSDB na peleja.
      Alheios à disputa entre os grupos políticos, os especialistas concordam num ponto: o Brasil perdeu uma oportunidade única de elevar os investimentos na combalida saúde pública. Nenhuma nova fonte de recursos foi criada, apenas disciplinou-se a forma como os gastos devem ser feitos – e fiscalizados.
      “O Brasil gasta 2 reais por habitante a cada dia para fazer tudo o que está sob a responsabilidade do SUS, do combate ao mosquito da dengue às cirurgias de alta complexidade. É muito pouco. Gastamos em saúde cerca de 8% do PIB, mas 4,5% é investimento privado, somente o restante é público. Na Europa é diferente, os governos arcam com 75%, em média, dos gastos na área”, afirma o médico Nacime Salomão Mansur, superintendente da Associação Paulista para o Desenvolvimento da Medicina.
      “Na prática, o governo federal conseguiu congelar os seus gastos no setor.”
      Para justificar o seu ponto de vista, Mansur lembra que cerca de 70% da arrecadação tributária no País fica com a União, mas ela é responsável por apenas 45% dos gastos públicos no setor.
      “Os governos estaduais e municipais, que ficam com a menor fatia dos impostos, estão encarregados da maior parte da conta”, argumenta o especialista.
      “Essa estagnação dos investimentos federais pode ter um efeito catastrófico, porque os gastos em saúde só tendem a aumentar, por causa do avanço da tecnologia e dos novos medicamentos. Para se ter uma ideia, os EUA investiam perto de 7% do PIB em saúde na década de 60. Hoje, eles gastam 17%. Detalhe: o sistema de saúde deles não é universal, como é o nosso, e exclui 46 milhões de americanos.”
      A situação é especialmente preocupante porque mais de 90% da população brasileira depende, de forma exclusiva ou parcialmente, do SUS. E talvez nem fosse necessária a criação de uma nova fonte de receita para elevar os gastos no setor.
      “O Brasil perde até 30 bilhões de reais no Imposto de Renda com isenções fiscais para tratamento médico, com os serviços prestados a clientes de planos de saúde que não são ressarcidos e com o pagamento de convênios médicos particulares para funcionários de estatais”, comenta Mansur. “Não consigo entender como sobram 30 bilhões para subsidiar a saúde privada, para uma parcela restrita da população, e faltam recursos para o sistema público.”


domingo, 22 de janeiro de 2012

Juventude e Cultura: identidade, reconhecimento e emancipação

PAULO DENISAR FRAGA*, http://espacoacademico.wordpress.com/

      Para se compreender a relevância da relação entre a juventude e a cultura, não basta tomar esse tema de forma externa, ou dizer, simplesmente, que a juventude é uma das mais contundentes portadoras das variadas expressões da cultura. Para além disso, o importante é tentar apreender, ainda que de forma geral, o binômio juventude–cultura na sua imanência interna, ou seja, na própria compreensão do modo de ser da juventude na sociedade moderno-contemporânea (ou tardo-capitalista).
      Isso se torna importante, sobretudo, porque o problema de grande parte dos teóricos que trataram sobre a juventude consiste ou em vê-la de forma singular (como se houvesse uma única juventude), ou em não conseguir explicar como se dá a constituição-diferenciamento de suas várias identidades sem se perder da unidade.
      Num estudo intitulado 1968… ou de como a besta deveio imaginação, Alejandro Ventura (1994) estabeleceu a tese de que a melhor forma para se compreender o comportamento do indivíduo na sociedade capitalista é pelo conflito profundo entre o desenvolvimento do potencial criativo versus os bloqueios do sistema, sejam estes de ordem material-externa ou moral-interna.
      Muito diferente de ser apenas um “estado de espírito”, “representação estanque de uma faixa etária”, ou um “mal que se cura com o tempo”, a juventude é o momento da vida em que se dá com maior intensidade esse conflito, que interfere diretamente nas escolhas e na definição da identidade individual e coletiva das pessoas. Não podendo ser encerrada apenas pela determinação quantitativa de uma condição etária, a juventude se define especialmente como momento qualitativo em que o futuro da vida está sendo decidido, em que são tomadas as grandes decisões. E, se a juventude caracteriza-se pelo pico do conflito entre potencial criativo versus bloqueios, então essas decisões e escolhas se dão sob forte tensão e sob a figura da angústia.
Albert Camus (1913-1960)

      Albert Camus (1997) mostrou que a saída do homem moderno angustiado é a revolta – o que pode adquirir dimensões sociais explosivas. Mas essa “revolta” não precisa ser de caráter estritamente político. Pode ser a mais “despolitizada” possível. Na verdade, ela é a busca de uma nova forma de reconhecimento, alternativa àquelas que o sistema bloqueou, àquelas que, diga-se assim, eram vinculadas ao que John Lennon, genericamente, chamou de “sonho”. É fundamentalmente a partir disso que a juventude vai se identificar pluralmente em diversas formas de reconhecimento: na religião, no modismo consumista, nas comunidades alternativas, nos esportes, na política, nas drogas, na violência, na apatia e no suicídio, na música e nas artes e, portanto, também, nas expressões mais propriamente denominadas como cultura(is). Nada disso impedindo que tais manifestações se comuniquem ou se rearticulem em diferentes graus entre si.
      Ao contrário do juízo simplista e instrumental de uma certa esquerda, é socialmente superficial, historicamente falso e politicamente equivocado identificar a juventude com o progressismo. Ainda que os jovens tenham sido sujeitos marcantes em muitos eventos importantes da esquerda, não é possível ignorar, por exemplo, que na Alemanha a juventude nazista era, no tempo do grande Partido Social-Democrata Alemão, de Kautsky e Rosa Luxemburgo, muito mais numerosa do que a juventude socialista (IANNI in BRITTO, 1968: 237). Assim como não é atualmente plausível desconhecer os diversos grupos juvenis, dos skin-heads aos carecas do ABC, que reencontraram na violência a forma bárbara da diversão.
      Contra a visão de que a juventude é algo quase “naturalmente” progressista – que bastaria a esquerda agitar as suas bandeiras para obter a sua adesão –, o melhor entendimento, sobre esse aspecto particular da formação ideológica juvenil, é o de Karl Mannheim (in BRITTO, 1968: 74), para quem a juventude não é nem progressista, nem conservadora. É uma enorme potencialidade em disputa. E é neste sentido que a cultura se investe de enorme valor na definição do modo de ser da juventude, em sua visão de mundo e em sua práxis social e política.
      Sobretudo para o ponto de vista crítico, isso se revela explicitamente caro nos tempos atuais, quando o “novo irracionalismo brasileiro”, denunciado por Sérgio Paulo Rouanet (1992), externa o desprezo dos jovens pela cultura erudita, pela teoria e pela filosofia, pela música, pela literatura e pelas artes, numa anticultura alienada/estranhada, regada por um saber puramente instrumental, que se alimenta narcisicamente atrás de um microcomputador e no consumismo mercadológico irrefletido.
      Enquanto a direita prega, a seu modo, o fim da ideologia [não como Daniel Bell (1980), que o fez teoricamente, mas como postura tacanha e rebaixada para disfarçar o caráter de sua própria ideologia – o da dissimulação fragmentária do saber e da desmobilização social], as organizações de esquerda e os setores sociais progressistas têm, em contrapartida, uma tarefa iluminista, qual seja, a da retomada do valor do conhecimento, da relação dialética afirmativa entre as culturas popular e erudita, da relação do homem com a natureza e, assim, do espírito crítico e autocrítico como um todo.
      Evitando-se o subjetivismo axiológico, que sem se ater à dominação material imagina poder mudar o mundo pregando éticas universais abstratas, trata-se de apostar na formação intelectual crítica da juventude, elemento importante para o que Gramsci chamou de luta contra-hegemônica. Embate de idéias e valores, sim! Mas enraizado na vida real das lutas sociais entre as classes, que hoje não podem mais ignorar os temas ecológicos, étnicos e de gênero. Questões estas, entretanto, que só encontram sentido radical se vinculadas ao projeto de uma luta mais geral que arremeta “para além do capital”, como propõe Mészáros (in COGGIOLA, 1997).
      A exigência da crítica – como forma da negação em andamento – não deve, porém, soterrar a clareza de que menos importante do que aferir “moralmente” o grau imediato de “politização” da juventude é decifrar dialeticamente o significado social e político daquilo que as juventudes estão expressando à sociedade. E ler as contradições dessa sociedade de modo imanente, na trama das relações que constituem o processo de sua totalidade. O conceito da condição juvenil como torrente de um conflito psicossocial dos indivíduos pressupõe a noção crítica de um comportamento oblíquo aos sistemas vigentes e, portanto, uma potencialidade de recusa. Mas que também pode virar simplesmente à direita ou ao comodismo em sua luta por reconhecimento. A percepção dessas culturas juvenis como modos contraditórios, porém legítimos, de ser/existir na sociedade capitalista, é um pressuposto para que com elas possa dialogar a cultura de intervenção que vem da crítica teórica.

      Um filme como Trainspotting: sem limites (1996) ilustra, de modo exemplar, como um jovem pode resolver o seu conflito profundo (potencial criativo versus barreiras do sistema) sendo absorvido pelo próprio sistema. Tanto que, no começo do filme, Renton – o personagem principal – diz: “Ter uma vida, ter um emprego, ter uma carreira, uma família, ter uma casa, carros, amigos, ter um futuro… Para que eu iria querer isso? Preferi não ter uma vida. Preferi outra coisa. E os motivos?! Não há motivos. Para que motivos se tem heroína!” Ao passo que, no fim do filme, depois de dar um golpe nos amigos e arrumar muito dinheiro, se pergunta: “Por que fiz isso?” E responde: “Teria várias respostas, todas mentiras”. Daí ele assume que é mau, mas que foi a última vez, que isso vai mudar… E, então, diz: “Agora vou entrar na linha, vou ser como você: terei trabalho, família, carro, TV, um bom terno…” E arremata, na perspectiva do comodismo: “Vou viver esperando o dia de morrer”.
      Renton é um jovem que resolveu o seu conflito no interior da perspectiva do sistema capitalista, fazendo entender o significado da fórmula “de como a besta devém imaginação” – não esquecendo de que “a imaginação no poder!” era um dos lemas do Maio de 1968. Não por acaso, intelectuais sixties engajados, como Gabeira e Cohn-Bendit, subscrevem, menos de 20 anos depois, no honesto interesse de saber o que foi feito dos ideais de sua geração, livros com títulos conjugados em sintomático passado como Nós, que amávamos tanto a revolução (GABEIRA, 1985). Seu objeto não é apenas um efeito dos ventos comuns da mudança histórica. Vem crivado pelo poder dos mecanismos de adaptação do sistema, que sempre querem se insinuar como normalidade racional. Veja-se, sobre isso, um ex-líder operário como Lula que, discursando como presidente de seu país, acha plausível reprisar a retórica positivista clássica da direita contra o movimento estudantil, segundo a tese de que a espécie humana “evolui” naturalmente da esquerda para a direita conforme a idade. E que o ponto racional de equilíbrio é o centro.[1]
      Isto posto, do ponto de vista da emancipação, a relevância histórica do trato do binômio juventude–cultura está em saber se a resolução do que se chamou aqui de luta por um novo reconhecimento se dará (re)canalizando as energias das rebeldias juvenis em favor do próprio sistema, ou se se requalificará substantivamente, convertendo-se em necessidades radicais, as quais, como disse a primeira Ágnes Heller (1978: 179) lendo Marx, constituem uma demanda cuja exigência qualitativa não pode mais ser satisfeita nos marcos da sociedade capitalista. Na hipótese dessa reversão dialética, a luta pelo reconhecimento encontra uma chance de superar as raias do estranhamento e de se afirmar no novo patamar de um processo de emancipação.


Referências



BELL, D. O fim da ideologia. Brasília: Edunb, 1980.
CAMUS, A. O homem revoltado. 3.ed. Rio de Janeiro: Record, 1997.
GABEIRA, F. Nós, que amávamos tanto a revolução: diálogo Gabeira–Cohn Bendit. 3.ed. Rio de Janeiro: Rocco, 1985.
HELLER, Á. Teoría de las necesidades en Marx. Barcelona: Península, 1978.
IANNI, O. O jovem radical. In: BRITTO, S. de. Sociologia da juventude: v. 1 – da Europa de Marx à América Latina de hoje. Rio de Janeiro: Zahar, p. 225-242, 1968.
MANNHEIM, K. O problema da juventude na sociedade moderna. In: BRITTO, S. de. Sociologia da juventude: v. 1 – da Europa de Marx à América Latina de hoje. Rio de Janeiro: Zahar, p. 69-94, 1968.
MÉSZÁROS, I. Ir além do capital. In: COGGIOLA, O. (org.). Globalização e socialismo. São Paulo: Xamã, p. 143-154, 1997.

ROUANET, S. P. As razões do iluminismo. 3.ed. Rio de Janeiro: Companhia das Letras, 1992.
TRAINSPOTTING: sem limites. Direção de Danny Boyle. Inglaterra: Channel Four Films et al.: Dist. Alpha Filmes e Spectra Nova, 1996. 1 DVD (89 min): son., leg., color.
VENTURA, A. 1968… o de como la bestia devino imaginación. Montevideo: Jenscet, 1994.
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* PAULO DENISAR FRAGA é Mestre em Filosofia pelo IFCH, Universidade Estadual de Campinas e Professor do Instituto de Ciências Humanas e Letras da Universidade Federal de Alfenas, MG. Publicado na REA nº 75, agosto de 2007, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/075/75fraga.htm

 
[1] Cf. discurso do presidente Lula a empresários e políticos em São Paulo, no dia 11 de dezembro de 2006, ao receber o prêmio de “Brasileiro do Ano”, concedido pela Editora Três, que publica a revista IstoÉ.





sábado, 21 de janeiro de 2012

A serviço da treva

Mino Carta, Carta Capital


      Âncora do Jornal Nacional da Globo, William Bonner espera ser assistido por um cidadão o mais possível parecido com Homer Simpson, aquele beócio americano. Arrisco-me a crer que Pedro Bial, âncora do Big Brother, espere a audiência da classe média nativa. Ou por outra, ele apostaria desabridamente no Brasil, ao contrário do colega do JN. Se assim for, receio que não se engane.
É que a Globo procura. Achou Daniel, que tem o mérito de ser contra as cotas. Foto: Frederico Rozário/TV Globo



      Houve nos últimos tempos progressos em termos de inclusão social de sorte a sugerir aos sedentos por frases feitas o surgimento de uma “nova classe média”. Não ouso aconselhar-me com meus carentes botões a respeito da validade dos critérios pelos quais alguém saído da pobreza se torna pequeno burguês. Tanto eles quanto eu sabemos que para atingir certos níveis no Brasil de hoje basta alcançar uma renda familiar de cerca de 3 mil reais, ou possuir celular e microcomputador.
      Tampouco pergunto aos botões o que há de “médio” neste gênero de situações econômicas entre quem ganha salário mínimo, e até menos, e, digamos, os donos de apartamentos de mil metros quadrados de construção, e mais ainda. Poupo-os e poupo-me. Que venha a inclusão, e que se aprofunde, mas est modus in rebus. Se, de um lado, o desequilíbrio social ainda é espantoso, do outro cabe discutir o que significa exatamente figurar nesta ou naquela classe. Quer dizer, que implicações acarreta, ou deveria acarretar.
      Aí está uma das peculiaridades do País, a par do egoísmo feroz da chamada elite, da ausência de um verdadeiro Estado de Bem-Estar Social etc. etc. Insisto em um tema recorrente neste espaço, o fato de que os efeitos da revolução burguesa de 1789 não transpuseram a barreira dos Pireneus e não chegaram até nós. E não chegou à percepção de consequências de outros momentos históricos também importantes. Por exemplo. Alastrou-se a crença no irremediável fracasso do dito socialismo real. Ocorre, porém, que a presença do império soviético condicionou o mundo décadas a fio, fortaleceu a esquerda ocidental e gerou mudanças profundas e benéficas, sublinho benéficas, em matéria de inclusão social. No período, muitos anéis desprenderam-se de inúmeros dedos graúdos.
A ampliação da nossa “classe média”, ou seja, a razoável multiplicação dos consumidores, é benfazeja do ponto de vista estritamente econômico, mas cultural não é, pelo menos por enquanto, ao contrário do que se deu nos países europeus e nos Estados Unidos depois da Revolução Francesa. De vários ângulos, ainda estacionamos na Idade Média e não nos faltam os castelões e os servos da gleba, e quem se julga cidadão acredita nos editoriais dos jornalões, nas invenções de Veja, no noticiário do Jornal Nacional. Ah, sim, muitos assistem ao Big Brother.

      Estes não sabem da sua própria terra e dos seus patrícios, neste país de uma classe média que não está no meio e passivamente digere versões e encenações midiáticas. Desde as colunas sociais há mais de um século extintas pela imprensa do mundo contemporâneo até programas como Mulheres Ricas, da TV Bandeirantes. Ali as damas protagonistas substituíram a Coca e o Guaraná pelo champanhe Cristal. Quanto ao Big Brother, é de fonte excelente a informação de que a produção queria um “negro bem-sucedido”, crítico das cotas previstas pelas políticas de ação afirmativa contra o racismo. Submetido no ar a uma veloz sabatina no dia da estreia, Daniel Echaniz, o negro desejado, declarou-se contrário às cotas e ganhou as palmas febris dos parceiros brancos e do âncora Pedro Bial.
      A Globo, em todas as suas manifestações, condena as cotas e não hesita em estender sua oposição às telenovelas e até ao Big Brother. E não é que este Daniel, talvez negro da alma branca, é expulso do programa do nosso inefável Bial? Por não ter cumprido algum procedimento-padrão, como a emissora comunica, de fato acusado de estuprar supostamente uma colega de aventura global, como a concorrência divulga. Há quem se preocupe com a legislação que no Brasil contempla o específico tema do estupro. Convém, contudo, atentar também para outro aspecto.
      A questão das cotas é coisa séria, e quem gostaria de saber mais a respeito, inteire-se com proveito dos trabalhos da GEMAA, coordenados pelo professor João Feres Jr., da Universidade do Estado do Rio de Janeiro: o site deste Grupo de Estudos oferece conteúdo sobre políticas de ação afirmativa contra o racismo. Seria lamentável se Daniel tivesse cometido o crime hediondo. Ainda assim, o programa é altamente representativo do nível cultural da velha e da nova classe média, e nem se fale dos nababos. Já a organização do nosso colega Roberto Marinho e seu Grande Irmão não são menos representativos de uma mídia a serviço da treva. •


sexta-feira, 20 de janeiro de 2012

‘Vada a bordo, cazzo!’

Matheus Pichonelli, Carta Capital

      Era fatal. Toda vez que acusava meus medos de dormir sozinho no quarto, atravessar o corredor para beber água de madrugada, pedalar sem rodinhas pelo quintal ou atravessar as raias da piscina sem boia, alguém mais velho me encarava e perguntava, em tom de desafio: “Mas você é homem ou é um saquinho de pipoca?”
      Às vezes, de tanto medo, dava até vontade de dizer: “saquinho de pipoca”. Na infância, poderia ser menos apavorante ser um saquinho de pipoca, seja lá o que isso significasse, do que enfrentar situações adversas, como envelhecer e se virar sozinho
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O comandante do navio de cruzeiro "Costa Concordia", cujo naufrágio causou a morte de 11 pessoas, foi libertado e levado a Meta di Sorrento, no sul da Itália, onde cumprirá prisão domiciliar. Foto: Andreas Solaro/AFP



      Ouvindo o diálogo entre os comandantes Gregorio de Falco, da Capitania dos Portos, e Francesco Schettino, do navio que afundou na Toscana, fiquei imaginando em que momento ouviria, num italiano histriônico, o primeiro perguntar ao responsável pela embarcação: “Schettino, você é um homem ou um saquinho de pipoca?”.
      Não era preciso perguntar, nem filmar o rosto do comandante do Costa Concórdia, que àquela hora deveria estar em pânico, escondido debaixo da cama, protegido do próprio escuro e envergonhado da própria covardia. Pessoas que estavam sob a responsabilidade dele poucos minutos antes morriam sem ajuda, enquanto o comandante – em tese, o último a abandonar o navio – se negava a voltar à embarcação e morrer, se fosse o caso, como um bravo.
      Provavelmente, nenhum herói da história ou da literatura fez o mesmo: nem chorou pitangas nem molhou as calças diante de desafios sobre-humanos, como atravessar o Atlântico em direção à América (no tempo das caravelas), pisar na Lua (no tempo dos foguetes), acertar a pedra no gigante Golias (nos tempos bíblicos) ou enrolando outro gigante, o Adamastor (nos tempos poéticos).
Como na vida real não tem mais Vasco da Gama nem rei Davi, o “vada a bordo, cazzo!”, proferido por de Falco, não demorou a virar sensação pelo mundo, em que pese o luto pela tragédia italiana.

      De alguma forma, os fãs declarados do comandante de Falco se apropriaram daquela fala para resgatar um antigo valor de nobreza, dado somente aos destemidos – e quase nunca aos que afinam. É como uma torcida de futebol, que releva todas as limitações técnicas de um atleta desde que ele se mostre disposto a comer a grama para vencer a partida, mas não perdoa a displicência de quem fugiu do pontapé ou da dividida nem honrou o manto nem a tradição.
      Em pouco tempo, a frase foi parar em camisetas, hashtags e fatalmente entrará nos tópicos de palestras motivacionais web afora.
      O que leva a algumas conclusões. Uma delas: a vida moderna pode ter eliminado as capas e espadas, mas está cheia de esperanças de que a virtude é que triunfa quando sobem os créditos com o final feliz.
      Não se sabe ao certo como Schettino agiu enquanto teve forças, mas a bronca captada pelo rádio colocou os velhos mitos do herói e do vilão em vestes atuais: um é enérgico, e diz o que deve ser feito; o outro, o fujão, agora lembrado como bunda-mole, que escapa da raia junto com os ratos.
      A história costuma ser implacável com personagens como Schettino, e reserva suas melhores prateleiras a quem se deixou flagrar em ato de coragem e despreendimento, como o piloto do avião que anos atrás aterrissou no rio Hudson, em Nova York, e salvou a vida da tripulação. Ou os bombeiros do 11 de Setembro. No esporte, a correlação está cheia de metáforas, como Gabrielle Andersen, a maratonista suíça que, com câimbras, finalizou a prova na Olimpíada de Los Angeles mesmo aos trancos, até a linha de chegada.
      No Brasil, a cadeira cativa foi recentemente reservada a uma professora de escola pública que, de frente a deputados e demais autoridades, desancou tudo e todos e expôs a situação de miséria que infligia a categoria. Parecia o manifestante chinês que parou a pé uma fileira de tanques de guerra. Ou Adolfo Suarez, presidente do Parlamento Espanhol, que se negou a ajoelhar, como os colegas, e encarou de pé o militar endoidecido que invadiu armado o recinto numa tentativa frustrada de golpe.
     As honrarias estão reservadas para essas pequenas grandes atitudes, ainda que a ordem, em tempos neoliberais, pareça outra: “salve-se quem puder”. Mas muito se engana quem imagina que basta crescer, aparecer, enriquecer e se dar bem para ter direito aos louros da glória. Pode parecer bobagem, mas isso muito idiota consegue – e Rupert Murdoch está aí para não me deixar mentir. As falências e escândalos seguidos de depressão em tempos de crises mostram que o apogeu, aos olhos da História, é quase nada.
      O único imperativo é fazer a coisa certa, como mandou fazer o chefe da capitania dos portos: “Vada a bordo, cazzo!”. É o que todos queriam dizer ao comandante do navio.
      Mas Schettino, ao que tudo indica, tomou outro caminho, num tempo em que todos parecem abandonar os barcos quando algo sai da linha. Como pais que, ao ver que um bebê é mais complexo que animais de estimação, e que animais de estimação são menos maleáveis que bichos de pelúcia, perdem-se na impossibilidade de rebobinar a fita, e rever uma opção irreversível. E abrem mão do próprio papel. Ou governantes que salvam os próprios bolsos, preocupados que estão em se manter sobre o cavalo, e já não sabem para onde vão.
      Basta uma situação-limite para reconhecer os muitos Schettinos em terra firme – aquele sujeito que, ao ver a água invadir o Costa Concordia, foge do barco para viver eternamente com 15 anos – e, se possível, voltar para o ventre da mãe e nunca mais sair.
      A esses, uma boa opção sempre é se esconder debaixo da cama e não atender nunca, jamais, a qualquer telefonema de Gregorio de Falco. Assim, nunca correrão o risco de descobrir que não são homens, só saquinhos de pipoca.







Assombrações modernas

Leda Nagle, O Dia

      Rio - Quando eu era pequena, escutava muito a expressão “Quanto mais eu rezo, mais assombração me aparece”. Minha mãe dizia esta frase sempre que alguém fazia algum tipo de maluquice ou quando algo inusitado acontecia. Imagino que, se ela estivesse viva, nos dias de hoje não falaria outra coisa o dia inteiro. Quer um exemplo? Leio na Internet que, na Argentina, duas senhoras de mais de 70 anos, gêmeas, foram encontradas mortas, já mumificadas, no seu amplo apartamento na Recoleta, bairro nobre de Buenos Aires. Devem ter morrido no começo de agosto, intoxicadas por monóxido de carbono, diz a polícia, que não encontrou sinais de violência no apartamento avaliado em 500 mil dólares, que ocupava todo o quarto andar do prédio. Os vizinhos sentiram o mau cheiro vindo da residência, mas não quiseram se envolver e, por isto, durante todos esses meses, não chamaram a polícia. Mas, em novembro, irritados com o não-pagamento do condomínio, entraram na Justiça contra as duas senhorinhas. Se entendi direito, as gêmeas de 73 anos poderiam ficar ali mortas para sempre se o condomínio estivesse em débito automático no banco. A notícia também explicava que o síndico não tomou providências porque, segundo ele, o síndico só responde pelas partes comuns, “o que acontece dentro dos apartamentos é questão de cada um”.
      É ou não um tempo esquisito este tempo que estamos vivendo? Não sei se as pessoas estão ficando piores, mais individualistas ou, como prefere um amigo meu, mais pragmáticas. Não sei também se a gente fica sabendo, hoje em dia, de mais maluquices do que sabia antes, quando a Internet não existia. Ou se os surtos de todo tipo estão mais frequentes hoje do que antigamente. Mas não me lembro de ler tantas notícias, por exemplo, sobre matança de animais como tenho lido nos últimos meses. É a enfermeira que mata o cãozinho na frente da filha de 3 anos em Goiás. Uma outra atirou os cães e os móveis pela janela em São Paulo, outra matou 10 cachorros a pauladas no Rio. Chocante.
      Mas há também quem surpreenda tentando ajudar. Um arquiteto holandês fez um projeto urbanístico para melhorar a vida da fauna e da flora nas grandes cidades. Ele quer construir um prédio de 30 metros de altura e mais 6 ou 8 metros sob a superfície, que pode ser feito nos rios e lagos de uma cidade para servir de refúgio para plantas, animais marinhos e pássaros, que pode custar 16 milhões de reais e que pode ajudar a salvar rios poluídos e absorver as águas das chuvas. Eu não disse? Quanto mais eu rezo, mais assombração aparece. Até mesmo a Luiza, que estava no Canadá...



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quinta-feira, 19 de janeiro de 2012

O fator melancia

Cynara Menezes, Carta Capital


      “Tá querendo aparecer? Pendura uma melancia no pescoço”, se dizia aos mais exibidinhos quando a discrição ainda era considerada uma qualidade no mundo. Lembrei da frase ao ler a bizarra notícia de que a mulher de Taubaté que apareceu em tudo quanto é tevê, jornal e site dizendo que ia ter quadrigêmeas, na verdade não está grávida nem nunca esteve. Em vez de pendurar a “melancia” no pescoço, ela enfiou debaixo do vestido. E virou celebridade.
 
'O freak show da fama está apenas começando'. Foto: Reprodução/TV Bandeirantes


 
      Com seu longo estampado e larguíssimo de gestante ao quadrado, era seguida pelas ruas, solicitavam-lhe autógrafos, crianças pediam para posar a seu lado em fotografias. Era amada. Assistindo às reportagens no Youtube, percebem-se algumas das razões psicológicas da moça para apelar a uma gravidez inventada: a notícia a reaproximou do pai, com quem estava rompida desde que se casara, porque ele a achava jovem demais para o marido. O “pai” das quadrigêmeas, aliás, é vasectomizado.
      É possível que na cabeça da moça uma gravidez fosse a solução para questões familiares. Mas por que alguém teria uma gravidez psicológica de quatro bebês e não um? Aí entra o fator melancia: para aparecer.
      Em tempos de reality shows, não basta que as farsas, pequenas ou grandes, se encenem entre quatro paredes. É preciso exibi-las e tirar proveito disso. Estar falsamente grávida apenas para a família não era suficiente para dar à moça a ilusão de felicidade, era preciso que a fama viesse junto. Não há nada que indique que ela se moveu por dinheiro.
      Outro caso recente de desejo de celebridade a toda custa foi o do homem, em plena ocupação da Cracolândia pela polícia, que se fez passar por um integrante do grupo de pagode Katinguelê.
      Enquanto o pau comia ao redor, diante das câmeras de TV e canetas frenéticas, o rapaz contava sua história dramática, para arrancar lágrimas de leitores e telespectadores: tinha vendido o cavaquinho para comprar “pedra”. Teve seus 15 minutos de fama até que o verdadeiro Juninho do Banjo aparecesse. O tipo de coisa que faz a gente pensar: ser famoso parece mais importante do que largar o vício do crack…
      Em dezembro de 1980, o americano Mark David Chapman assassinou o beatle John Lennon com quatro tiros. Em depoimento revelado em 2004, Chapman disse que matou porque se sentia inferior ao ídolo, porque invejava e queria ter a mesma fama de Lennon: “Eu pensava ser um grande ninguém, um grande nada e eu não conseguia superar isso.” O mais impressionante é que, mesmo detrás das grades, ele considerava que o estratagema de certa forma funcionou. “Sou um ninguém maior agora do que era antes.”
      De lá para cá, a busca mórbida do criminoso por notoriedade se repetiria inúmeras vezes. Felizmente, o assassinato para se tornar célebre não se tornou uma pandemia, mas é inegável a esquizofrenia que se criou em torno do desejo de aparecer.
      Seja colocando silicone na bunda ou se espremendo dentro de um carro com outras 15 pessoas, vale tudo para se tornar conhecido na mídia, e ela mesma incentiva o desfile de aberrações – inclusive financeiramente. O freak show da fama está apenas começando e é de dar medo imaginar o que vem por aí.



A desordem urbana

Sydnei Menezes, O Dia

      Rio - A cada período de chuvas, as manchetes dos jornais abordam, em sua maioria, as respectivas consequências, os deslizamentos de terra com a destruição de casas e muitas mortes.
      O que se vê é um debate sem fim, pois, ao invés de se discutirem as causas, a mídia promove uma falsa questão, respaldada em justificativas governamentais de um lado e o oportunismo tecnocrata do outro. O problema central é de ordem urbana, ou melhor, da absoluta falta de ordenamento e planejamento urbano, de total responsabilidade do poder local, já que os municípios respondem pelo uso do solo.
      A obrigatoriedade constitucional de elaboração de Planos Diretores para os municípios brasileiros com mais de 5.000 habitantes tem demonstrado, ao longo do tempo, ser insuficiente para garantir, de fato, a necessária organização territorial. Soma-se ainda a importância dedicada pelas administrações municipais ao tema, priorizando, em várias situações, obras decididas apenas pelo aspecto político-eleitoral.
      A sociedade precisa reagir e ir além: exigir que, a partir das diretrizes urbanas apontadas nos Planos Diretores Participativos, seja elaborada imediatamente legislação complementar e autoaplicável, como a Lei de Uso e Ocupação do Solo, detalhando quais as áreas que deverão ser ocupadas por edificações destinadas a habitação, comércio, indústria e área rural.
      Todos os aspectos ambientais, geológicos e naturais devem ser levados em consideração, protegendo e preservando as áreas das encostas e/ou inundáveis como de preservação natural, impróprias a qualquer outro tipo de ocupação. A tarefa é dos municípios, que deverão ser cobrados pela população, e apoiados pelos organismos técnicos com conhecimento de arquitetura e urbanismo. As catástrofes naturais não serão eliminadas, mas aquelas geradas pela falta de um planejamento urbano certamente não acontecerão mais.
      Sydnei Menezes é presidente do Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Estado do Rio de Janeiro

terça-feira, 17 de janeiro de 2012

Professora de Escola Municipal de Custodópolis diz que Prefeitura não repassa dinheiro do Fundeb para classe

Fonte: http://www.camposnoticia.com.br/

      “Não recebemos o FUNDEB, o que é um direito nosso”. A denúncia foi feita pela professora, Simone, que reside no bairro de Custodópolis e exerce o magistério no Colégio Municipal José do Patrocínio, durante oo programa “Espaço Aberto” do deputado estadual Roberto Henriques, na Radio Continental.
      O FUNDEB (Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação), substituto do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef), que vigorou de 1997 a 2006, o FUNDEB está em vigor desde janeiro de 2007, a lei é finita e tem como prazo final o ano de 2020. A lei está em vigor segundo a constituição brasileira, mas, não é o que acontece no munícipio de Campos.
      A verba do governo federal destinada ao FUNDEB para o munícipio de Campos dos Goytacazes é de R$ 12.229.337,83 (doze milhões duzentos e vinte nove mil trezentos e trinta e sete reais e oitenta e três centavos), sendo que 40% desta verba deveriam ser destinadas a capacitação dos professores e 60% como bônus salarial aos professores da rede pública, mas, em contato com o programa do Deputado, a professora Simone diz que o pouco que é repassado, é destinado à capacitação dos professores, capacitação essa que não reflete os 40% destinados a isto e os 60% que deveriam vir no contra cheque dos servidores, desde 2007, ano que a lei foi vigorada, nunca foi pago um centavo.
      “A prefeitura não repassa esse dinheiro para nós, ninguém sabe o que é feito com esse dinheiro. O professor é tratado como um cachorro pela rede pública de ensino em Campos” desabafou a professora indignada com o não cumprimento da lei por parte da prefeitura.
      A professora citou como exemplo o munícipio de Cambuci, onde funcionários recebem o bônus salarial de aproximadamente mil e quinhentos reais no contra cheque. O deputado junto da professora e de muitos outros ouvintes que ligaram se pôs a disposição e levantou a bandeira da causa dos professores, para que seja ressarcido aos servidores o que ainda não foi pago e que se cumpra a lei até o ano que ela vigora, 2020.