Rio -  Nasci e fui criado em São Bento do Una, no agreste de Pernambuco, escutando a música de Gonzaga e as matrizes que ajudaram a consolidar seu estilo. Cresci escutando os aboiadores, os emboladores, os cegos de feira, os tocadores de sanfona de oito baixos e por aí vai. Então, também sou fruto desta cultura, logo existem semelhanças estéticas e conceituais entre a obra de Luiz e a minha. Em meu novo show, que percorreu 40 cidades em 13 estados ao longo deste ano, incluindo uma apresentação antológica no São João de João Pessoa, resolvi manifestar esta identidade nas músicas de Luiz.
Nosso primeiro encontro aconteceu no início de minha carreira, durante um show em Juazeiro do Norte (CE). Vi aquele senhor na plateia, achei-o parecido com Gonzaga. Fiquei observando de longe, de cima do palco. Mas ele estava sem chapéu e eu achei sua cabeça muito grande, fiquei em dúvida se era ele mesmo. Quando o show terminou, ele veio me abraçar e disse, naquele jeito peculiar: “Vim de Novo Exu só pra lhe ver”. Fiquei pensando: “Será que ele gostou do meu som, pesado e com guitarras?” e perguntei o que ele achou da música que eu fazia. Luiz respondeu: “Adorei, Alceu. É uma banda de pífanos elétrica”.
Naquela mesma noite, Luiz me convidou para tomar café da manhã em sua casa, em Novo Exu. Chegando lá, perguntou: “Alceu, quantas pessoas viajam com você?”. Eu disse: “Umas 27”. E ele, resignado: “O café dá pra 30” (risos). Uma das pessoas que me acompanhavam nesta excursão era a jornalista francesa Dominique Dreyffus, que conheceu Gonzaga e anos mais tarde publicou a melhor biografia sobre o Rei do Baião (‘A Vida do Viajante’, editora 34).
Algum tempo depois, gravei em dueto com Luiz a música ‘Plano Piloto’. Recentemente, gravei ‘Sala de Reboco. Em nosso último encontro, durante um show no Recife, em homenagem a ele, já na cadeira de rodas, Luiz pediu aos artistas presentes que cuidassem de seu legado: “Não deixem meu forrozinho morrer”, dizia, em tom suplicante. O Brasil precisa redescobrir sua identidade, sua trilha sonora. Hoje, no Nordeste, temos um panorama muito diluído, sobretudo por conta de grupos que dizem fazer forró, mas que, estética e conceitualmente, estão distantes do legado de Gonzaga. Há também os oportunistas que pegam carona no centenário e despejam homenagens vazias ao Rei do Baião. Mas o legado de Gonzaga está acima de tudo isso e fico feliz ao ver também muitas pessoas fazendo o forró verdadeiro por todo o Brasil e mantendo viva a chama do baião, do forró, do xote e do xaxado.
Alceu Valença é cantor e compositor