domingo, 30 de setembro de 2012

Frei Betto: Desconstrução política

O Dia


Rio -  A campanha eleitoral às prefeituras tem muito de temperamental. No início, candidatos majoritários prometiam evitar baixarias e se pautar pelos compromissos elencados nos programas partidários. Nos primeiros debates no rádio e na TV, cada candidato se esforçava para convencer o eleitor de que a nova administração municipal (ainda que de um candidato à reeleição) será melhor que a anterior. Haverá avanços no atendimento à saúde, na qualidade da escola pública, no transporte coletivo, na coleta de lixo, etc. Gerenciar bem a cidade é o que importa.
Então surgiram as pesquisas sobre a chance de vitória de cada aspirante a futuro prefeito. Candidatos com índices insuficientes de preferência eleitoral e também aqueles que, à frente no páreo, se sentem ameaçados pelos concorrentes tendem, nesta reta final, a esquecer as promessas administrativas e partir para a agressão verbal, acusações que possam afetar os rivais.
Ocorre que, com raras exceções, acusadores e acusados na esfera municipal são, ainda hoje, aliados na esfera federal. O que revela uma política cada vez mais despolitizada, sem ideologia, atrelada à mera fome de poder.
A questão de fundo dessa conjuntura reside na cultura (a)política que respiramos nesse clima de neoliberalismo. Nenhum candidato questiona o sistema em que vivemos. Já não se fala em aproveitar o período eleitoral para “conscientizar e organizar a classe trabalhadora”.
Estamos todos sendo progressivamente domesticados pela mídia controlada pelo grande capital, de modo a trocar liberdade por segurança, opinião própria por consenso, espírito crítico por venerável anuência à palavra do líder. Corremos o risco de ter, no futuro, uma sociedade de invertebrados políticos.
Escritor, autor de ‘Conversa sobre a fé e a ciência’, em parceria com Marcelo Gleiser

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Código Florestal parece novela mal escrita


Dal Marcondes

Carta Capital

Desde 2010 as discussões em torno do novo Código Florestal brasileiro movimentam políticos, produtores rurais e ambientalistas em torno de temas muito pouco compreendidos pela sociedade em geral. A discórdia, no entanto, que já levou a um confronto entre a presidenta Dilma e o Congresso, está centrada na necessidade ou não de recomposição de margens de rios, de forma a garantir a qualidade da água e a perenidade dos cursos d’água. A primeira versão no novo Código, aprovada pela Câmara ainda em 2011 foi vetada pela presidenta Dilma após ser aprovada no Senado. Para retomar o formato que o governo acredita ser o ideal foi editada uma Medida Provisória, a MP 571/12, que perderia validade em 8 de outubro, caso não fosse votada pelas duas casas do legislativo.
Foto: Jose Cruz/ABr
Este mês a Câmara e o Senado votaram o novo Código Florestal retorna ao Palácio do Planalto para sanção presidencial. Será vetado, como foi a primeira versão? Será aprovado, apesar de a presidenta já ter dito que não apoia os avanços conquistados pelos ruralistas sobre áreas de preservação permanentes (APPs)? A disputa entre ambientalistas em ruralistas é baseada em argumentação que a maior parte da população não entende. Por um lado os ruralistas argumentam que é preciso produzir comida, enquanto os ambientalistas explicam que a manutenção do ambiente saudável e da qualidade da água dos rios é fundamental para a produção de comida.
Segundo dados do Ministério da Agricultura e Pecuária a agricultura brasileira exportava 20,6 bilhões de dólares em 2000; em 2008, chegou a 69,4 bilhões em vendas ao exterior e, em 2011 pulou para 94,59 bilhões de dólares em exportações. O resultado de 2011 foi quase 25% maior que em 2010 quando o setor do agronegócio despachou pelos portos do país 76,4 bilhões de dólares. Um estudo realizado pela Unctad (Conferência das Nações Unidas para o Comércio e Desenvolvimento) realizado em 2006 projetava a transformação do agronegócio brasileiro em um dos mais fortes do mundo em 10 anos.
Esses números mostram que o Código Florestal nada tem a ver com a produtividade do agronegócio brasileiro.
Sob o ponto de vista ambiental, a intensa seca vivida pelo Brasil no último inverno e as grandes secas na Amazônia em 2005 e 2010, sendo que a de 2010 foi apontada como a mais rigorosa em 100 anos, deveriam dar pistas sobre os problemas ambientais que as regiões produtoras  vão enfrentar nos próximos anos. As regiões Sudeste, Nordeste e Centro-Oeste amargaram quase 3 meses de seca neste inverno, o que certamente vai se refletir na produtividade agrícola. Serão poupadas as lavouras que puderam contar com irrigação. E a água para essa irrigação vem de rios, os mesmos rios que estão sendo agredidos com a redução de suas matas ciliares.
O roteiro dessa novela vai como na tevê, ao sabor de interesses que nada tem a ver com o Brasil e com o futuro, mas alinhado com a ganância de alguns que querem aproveitar a alta dos preços de dos grãos no mercado internacional. Apoiado nas emoções do nacionalismo barato se buscou vilões entre as ONGs que defendem a manutenção das Áreas de Preservação Permanente (APPs) como estavam na antiga lei. A Confederação Nacional da Agricultura busca desqualificar seus opositores argumentando sua inépcia e ingenuidade no trato de temas importantes para a segurança alimentar do Brasil e do Mundo.
Espectadora privilegiada, a presidenta Dilma tem o poder de decidir o final da novela, em uma analogia, se vence a Carminha ou a Nina. Parece maniqueísmo, mas não é. Os interesses envolvidos no Código Florestal são, como demonstraram as negociações nos últimos dois anos, inconciliáveis. Será preciso a ação de estadista da presidenta em defesa dos interesses reais do Brasil do presente e das gerações futuras. Isso pode representar um veto total ou parcial à nova lei. Ansiedade pelos próximos capítulos. (Envolverde)

terça-feira, 25 de setembro de 2012

OAB: justiça substitui mentira pela verdade no caso Herzog

Jornal do Brasil


"O Tribunal mandou substituir a mentira pela verdade. Que outras verdades apareçam e sejam reveladas". A afirmação foi feita hoje (25) pelo presidente da OAB do Rio de Janeiro (OAB-RJ), Wadih Damous, ao comentar a decisão do juiz Márcio Martins Bonilha Filho, da 2ª Vara de Registros Públicos do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP), determinando a retificação do atestado de óbito do jornalista Vladimir Herzog, para fazer constar que sua "morte decorreu de lesões e maus-tratos sofridos em dependência do II Exército (Doi-Codi)".
O magistrado paulista atendeu pedido feito pela Comissão Nacional da Verdade, representada por seu coordenador, ministro Gilson Dipp, atual vice-presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), incumbida de esclarecer as graves violações de direitos humanos, instaurado por solicitação da viúva Clarice Herzog.
A Comissão Nacional da Verdade encaminhou o pedido à Justiça paulista no dia 30 de agosto para que o documento de óbito de Herzog, morto em 1975 durante a ditadura militar, fosse retificado. 
A solicitação foi decidida por unanimidade pelos membros da comissão. Além da recomendação, a comissão também enviou à Justiça paulista cópia da sentença da ação declaratória, movida pela família Herzog, e de acórdãos em tribunais, que manteve a sentença de 1978 de que não havia prova de que Herzog se matou na sede do DOI-Codi de São Paulo, órgão subordinado ao Exército, que funcionou durante o regime militar.
O juiz Bonilha destaca a deliberação da Comissão Nacional da Verdade "que conta com respaldo legal para exercer diversos poderes administrativos e praticar atos compatíveis com suas atribuições legais, dentre as quais recomendações de adoção de medidas destinadas à efetiva reconciliação nacional, promovendo a reconstrução da história", à luz do julgado na Ação Declaratória, que passou pelo crivo da Segunda Instância, com o reconhecimento da não comprovação do imputado suicídio, fato alegado com base em laudo pericial que se revelou incorreto, impõe-se a ordenação da retificação pretendida no assento de óbito de Vladimir Herzog.

segunda-feira, 24 de setembro de 2012

Gustavo Teixeira: Credibilidade policial

O Dia


Rio -  É inegável o dano causado à imagem de um órgão público, responsável por coibir crimes, quando ele é acusado de cometê-los. O Estado tem a obrigação de ser o primeiro a dar exemplo. Carros de polícia que estacionam em local proibido sem estar em uma emergência, policiais que dirigem sem cinto de segurança ou falando ao celular são pequenos exemplos, mas sintomáticos, de como necessitamos de uma polícia mais atenta à lei.
O episódio dos PMs acusados de subtrair uma bolsa supostamente contendo o resultado de um malsucedido assalto a um restaurante na Tijuca é a concretização do provérbio de que para a mulher de Cesar não basta ser honesta, ela tem de parecer honesta.
Não basta a polícia agir corretamente, ela tem de se esmerar em também ostentar a todos quantos possam ver essa correição, cumprindo cabalmente os princípios públicos exigidos daqueles que detêm o poder de fiscalizar os demais cidadãos. O desgaste que a corporação terá em explicar o ocorrido é certamente maior do que prevenir esse tipo de situação. Devemos exigir dos governantes o investimento contínuo na qualificação desses agentes públicos que fazem a nossa segurança.
Juízes de Direito e membros do Ministério Público possuem remuneração condizente com o cargo que ocupam, além de usufruir série de benefícios que lhes asseguram tranquilidade para exercer suas funções; nada mais justo e necessário. Nesse contexto, a polícia se vê tratada de forma desequilibrada, logo o órgão que mais contato direto tem com a população.
Cumprir o que preceitua a Constituição é o primeiro e mais significativo passo para democracia, é isso que concede a segurança jurídica necessária para que Estados possam se desenvolver, sob todos os aspectos.
É tarefa de décadas expurgar os maus policiais, mas devemos primeiro dar condições dignas de trabalho e formação, para que possamos, um dia, ter uma polícia bem remunerada e qualificada, que respeite os direitos individuais, que seja educada, mas efetiva, combativa e implacável, sempre respeitando a lei.
Gustavo Teixeira é advogado

Que tipo de Igreja tem salvação?

Jornal do Brasil
Leonardo Boff


O centro da pregação de Jesus não foi a Igreja, mas o Reino de Deus: uma utopia de total revolução/reconciliação de toda a criação. Tanto é verdade que os evangelhos, à exceção de São Mateus, nunca falam de Igreja mas sempre de Reino. Com  a rejeição da mensagem e da pessoa de Jesus, o Reino não veio, e em seu lugar surgiu a Igreja como comunidade dos que testemunham a ressurreição de Jesus e  guardam seu legado tentando vivê-lo na história. 
Desde o início se estabeleceu uma bifurcação: o grosso dos fiéis assumiu o cristianismo como caminho espiritual, em diálogo com a cultura-ambiente. E outro grupo, bem menor, aceitou assumir, sob o controle do imperador, a condução moral do império romano em franca decadência. Copiou as estruturasjurídico-políticas imperiais para a organização da comunidade de fé. Esse grupo, a hierarquia, se estruturou ao redor da categoria “poder sagrado”(sacra potestas). Foi um caminho de altíssimo risco, porque se há uma coisa que Cristo sempre rejeitou foi o poder. Para ele, o poder em suas três expressões como aparece nas tentações no deserto - o profético, o religioso e o político – quando não é serviço, mas dominação,   pertence à esfera do diabólico. Mas foi o caminho trilhado pela Igreja-instituição hierárquica sob a forma de uma monarquia absolutista que recusa a participação desse poder aos leigos, a grande maioria dos fiéis. Ela  nos chega até os dias de hoje num contexto de gravíssima crise de confiabilidade. 
Ocorre que, quando predomina o poder, se afungenta o amor. Efetivamente, o estilo de organização da Igreja hierárquica é burocrático, formal e não raro inflexível. Nela tudo se cobra, nada se esquece e nunca se perdoa. Praticamente não há espaço para a misericórdia e para uma verdadeira compreensão dos divorciados e  dos homoafetivos. A imposição do celibato aos padres, o enraizado antifeminismo, a desconfiança sobre tudo que tem a ver com sexualidade e prazer, o culto à personalidade do papa e sua pretensão de ser a única Igreja verdadeira e a “única guardiã estabelecida por Deus da eterna, universal e imutável lei natural” e assim, nas palavras de Bento XVI, “assume uma função diretiva sobre toda a humanidade”. O então cardeal Ratzinger, ainda em 2000, repetiu no documento Dominus Jesus a doutrina medieval de que “fora da Igreja não há salvação” e os de fora “correm grave risco de perdição”. 
Este tipo de Igreja, seguramente, não tem salvação. Lentamente, perde sustentabilidade em todo o mundo. Qual seria a Igreja, digna de salvação? É aquela que humildemente volta à figura do Jesus histórico, operário simples e profético, Filho encarnado, imbuído de uma missão divina de anunciar que Deus está aí com sua graça e misericórdia para todos; uma Igreja que reconhece as demais igrejas como expressões diferentes da herança sagrada de Jesus; que se abre ao diálogo com todas as demais religiões e caminhos espirituais vendo aí a ação do Espírito que chega sempre antes do missionário; que está disposta a aprender de toda sabedoria acumulada da humanidade; que renuncia a todo o poder e espetacularização da fé para que não seja mera fachada de uma vitalidade inexistente; que se apresenta como “advogada e defensora” dos oprimidos de qualquer espécie, disposta a sofrer perseguições e martírios à semelhança de seu fundador; que o papa tivesse a coragem de renunciar à pretensão de poder jurídico sobre todos e fosse sinal de referência e de unidade da proposta cristã com a missão pastoral de fortalecer a todos na fé, na esperança e no amor. 
Esta Igreja está no âmbito de nossas possibilidades. Basta imbuirmo-nos do espírito do Nazareno. Então seria, verdadeiramente, a Igreja dos humanos, de Jesus, de Deus, uma comprovação de que a utopia de Jesus,  do Reino, é verdadeira. Ela seria um espaço de realização  do Reino dos libertos para o qual todos são convocados. 
*Leonardo Boff é autor de 'Cristianismo: O mínimo do mínimo' (Vozes, 2012).

terça-feira, 18 de setembro de 2012

Lei de greve: o ovo da serpente

MAURO IASI*
Blog da REA


Para defender a “sociedade”, ataquemos a sociedade; para garantir a “democracia”, vamos restringir a democracia. Não, estamos diante de algo muito mais simples de ser entendido: a lógica que beneficie uma parte bem pequena da sociedade, a burguesia e seus negócios, se choca com os interesses diretos daqueles que vivem da venda de sua força de trabalho.





O governo da presidente Dilma, acossado e sem resposta ao funcionalismo púbico e greve, a não ser a intransigência e prepotência de quem escolheu direcionar o fundo público em auxílio ao capital privado em detrimento do setor público, resolveu tirar do armário o arsenal de projetos de lei que limitam o direito de greve.
Quando realizávamos os debates na época da elaboração da atual Constituição, um jurista renomado aconselhava aos sindicalistas que a melhor redação era: “a greve é um direito”. Alertava-nos que qualquer detalhamento ou normatização seria, via de regra, uma manifestação dos interesses de cercear e limitar este direito e nunca viria em favor dos trabalhadores. Parece que tal conselho segue sábio e útil.
O que se alega é a necessidade de “disciplinar”, “normatizar” a utilização do recurso da greve em nome de defender os interesses da “sociedade”, daí os dispositivos indicados de restringir tal utilização em setores estratégicos, garantir o funcionamento mínimo de serviços essenciais, limitação do exercício do direito em “épocas de eventos internacionais”, a garantia de medidas de punição, como corte de ponto e substituição de servidores.
Em primeiro lugar é preciso que se diga que tais medidas, por trás do manto enganoso e ideológico da suposta “defesa da sociedade”, visam defender o governo e por trás dele os interesses de classe que representa da reação dos funcionários públicos à desastrosa política implementada de reforma do Estado e de desmonte de serviços públicos.
A onda de greves que vivenciamos tem suas raízes não na intolerância de funcionários dispostos a abusar do direito de greve para garantir mesquinhos interesses corporativos, pelo contrário, é a reação esperada de um setor que em sua maioria (guardadas honradas exceções) deu um voto de confiança ao governo e foi ludibriado.
A raiz das greves que presenciamos pode ser encontrada no adiamento injustificável do estabelecimento de uma data base para o funcionalismo, no não cumprimento da promessa de reajustes anuais que corrigiriam a inflação e do fracasso da mesa permanente de negociação que deveria ser um canal de negociação permanente do governo com os diferentes setores do funcionalismo.
A Secretaria de Relações do Trabalho vinculada ao Ministério do Planejamento e Gestão especializou-se nas manobras protelatórias, engodos e escaramuças cuja única finalidade foi retardar o atendimento das demandas apresentadas, como, por exemplo, a reestruturação das carreiras, o enfretamento de distorções salariais e a mera implantação de diretos adquiridos.
O que nos espanta não é a força e o vigor da greve que vimos em 2012, mas porque ela não ocorreu antes. De um lado, no caso de muitos setores do funcionalismo, vimos a boa vontade e a aceitação da tese governista que se estaria arrumando a casa através de uma macro política econômica combinada com uma reforma do Estado que, garantindo um suposto e mítico crescimento econômico sustentável, levaria na sequência a uma valorização do serviço público.
Essa “boa vontade” foi operada com o apassivamento de representações sindicais através de métodos diretos e indiretos de cooptação que foram desde a participação direta no governo, passando pelo atendimento de demandas burocráticas no caso das centrais sindicais, até a liberação de recursos no balcão de projetos e verbas das diferentes áreas do governo.
Não devemos menosprezar a estratégia do governo no sentido de criar uma diferenciação profunda no governo entre carreiras que considerava de estado e de ações e serviços que o governo implantou formas severas de terceirização e precarização, dividindo o setor púbico.
No entanto, a eficácia de tais medidas encontrou seu limite no agudizar da crise do capital e do desmoronar do sonho de um capitalismo regulado e sustentável. A crise cobra do governo a liberação do fundo público para salvar o capital e os funcionários públicos se vem diante de uma resposta que suas demandas serão novamente adiadas. Quando a economia cresce os funcionários tem que dar a sua cota de sacrifício para manter a política de superávits primários e estabilizar a economia para que ela continue crescendo, quando entra em crise tem que ser sacrificados para que a economia privada não caia tanto.
Com medo de estabelecer uma data base e os ajustes anuais o governo operou com o calendário orçamentário, o que lhe permitiu negociar em separado com os diferentes setores do funcionalismo, dividindo para reinar como os velhos romanos, e chantageando com as amarras orçamentárias e a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Este ano o tiro saiu pela culatra e o calendário orçamentário virou a data base unificada do funcionalismo. Puxados pela greve nacional dos professores universitários, os demais setores, inclusive organizados pelo sindicalismo governista, não tiveram outra forma de pressão que não a greve para enfrentar a intransigência do governo.
Diante do movimento legítimo dos funcionários o governo, ao contrário do que seria sensato, ou sejam, negociar, resolveu manter a arrogância, não recebeu as entidades, de fato não negociou, o que foi decisivo para que algumas greves se mantivessem por tanto tempo.
Os professores, por exemplo, entraram em greve em 17 de maio e só foram recebidos no dia 13 de julho para depois de duas rodadas de uma farsa de negociação o governo encerrar a farsa assinando um suposto acordo com uma entidade que com dificuldade dizia representar cinco das ciquenta e nove IFES em greve.
Como resolver este problema? Negociando com entidades realmente representativas, cedendo no que for possível, reconhecendo que a dimensão do movimento é proporcional à protelação e adiamento injustificável no atendimento das demandas que se acumularam? Não, o governo resolve enfrentar a questão da forma como os governos autoritários agem: cerceando o direito de greve!
A raiz de todo autoritarismo pode ser encontrada no medo que os governantes que representam interesses de uma minoria tem de seu povo. A verdadeira universalidade por traz destas medidas temerárias que se anunciam não pode ser encontrada no recurso de evocar os abstratos “interesses da maioria da sociedade”, pelo contrário. Trata-se de uma universalidade particularista tornada possível diante de uma suposta ameaça que vem daqueles que lutam e resistem na defesa de seus direitos.
Como nos ensinou Leandro Konder ao tratar da ideologia de direita:
O próprio sistema em cuja defesa as classes dominantes se acumpliciam – um sistema que gravita em torno da competição pelo lucro privado – impede que as forças sociais em que consiste a direita sejam profundamente solidárias: elas só se unem para os objetivos limitados da luta contra o inimigo comum (Leandro Konder, Introdução ao Fascismo, 2009, São Paulo, Expressão Popular, pg. 28).
No caso presente o inimigo comum somos nós que lutamos, através dos meios democráticos conquistados – como o direito de greve – na defesa das demandas mais elementares como salários, condições de trabalho e carreira. Não é a defesa da sociedade, mas a garantia para que o governo a serviço do capital siga seu trabalho e que o capital tenha as condições de continuar acumulando, condições necessárias para restringir direitos, flexibilizar conquistas e precarizar a vida.
É preciso restringir o direito de greve para que o Brasil receba os eventos internacionais e seu mar de recursos para saciar a fome de lucro das grandes empreiteiras. Se o direito à moradia estiver no caminho, façamos como se tem feito nas remoções no Rio de Janeiro: removamos este obstáculo com retroescavadeiras acompanhadas por batalhões da polícia militar. Se o direito de propriedade estiver ameaçado, a justiça garante a remoção de milhares de famílias, como no Pinheiriho em São José dos Campos. É preciso remover obstáculos à ordem burguesa e seu afã de lucro – se no caminho estiverem alguns direitos, devem ser removidos.
Para defender a “sociedade”, ataquemos a sociedade; para garantir a “democracia”, vamos restringir a democracia. Não, estamos diante de algo muito mais simples de ser entendido: a lógica que beneficie uma parte bem pequena da sociedade, a burguesia e seus negócios, se choca com os interesses diretos daqueles que vivem da venda de sua força de trabalho. Para o bem da ordem os instrumentos da burguesia precisam ser glorificados e mantidos, como seu governo, enquanto os instrumentos dos trabalhadores precisam ser restringidos, como o direito de greve.
A formalidade democrática, cedo ou tarde, abre um paradoxo: ou os trabalhadores no exercício de direitos formais cobram a substancialidade de um novo patamar de direitos que digam respeito às suas reais demandas, ou o capital incomodado com tal possibilidade começa a cercear mesmo os direitos formais.
Mas os poderosos se enganam. Existe um elemento no direito que vai além da forma legal que por ventura o reveste. Houve um tempo em que a greve, assim como a organização sindical, era ilegal no Brasil – e nós fizemos greves e conquistamos o direito de ter nossas organizações sindicais. Eles que tornem a greve ilegal, isso não nos intimidará e nós faremos greves. Então que cassem nossas organizações e nós as reconstruiremos, contra a ordem e por cima das amarras das leis que tentarão em vão revestir nossos direitos.

* MAURO IASI é presidente da Adufrj e membro da Comissão Política Nacional do PCB. Publicado em Brasil de Fato, 14 de setembro de 2012.

quarta-feira, 12 de setembro de 2012

João Batista Damasceno: Farsas e factoides

O Dia


Rio -  A 5 de agosto de 1954, um atentado ao jornalista Carlos Lacerda, opositor do presidente Getúlio Vargas, na Rua Tonelero, em Copacabana, matou o major da Aeronáutica Rubem Vaz. Os jornalistas Armando Nogueira, Otávio Bonfim e Deodato Maia, que trabalhavam num jornal antigetulista, testemunharam o fato e viram Lacerda caminhar normalmente após os disparos. Mas, no dia seguinte, Lacerda apareceu com a perna engessada, desconsiderando que não se engessa ferimento.
As acusações ao presidente Vargas, que não sabia do atentado, com desrespeitoso discurso de Afonso Arinos no dia 13 de agosto e um inquérito paralelo de militares golpistas da Aeronáutica, levaram o presidente ao suicídio no dia 24 de agosto.
Em 1989, na eliminatória para a copa de 90, o goleiro chileno Rojas promoveu seu factoide no Maracanã. No quarto minuto do segundo tempo, Bebeto cruzou para Careca, que chutou cruzado e fez o gol que classificaria o Brasil. Vinte minutos depois, o goleiro chileno apareceu na tela envolto em fumaça, com a mão no rosto e sangrando. Galvão Bueno exclamava, indignado: “Podia acontecer tudo! Menos isto! Foi atingido por um rojão, fogos de artifício, o arqueiro (sic!) Rojas!”
A atiradora do rojão foi tratada pela mídia como inimiga pública número um. Analisados os fatos, concluiu-se que não se tratava de um rojão, mas de um sinalizador, sem poder ofensivo, e que não tinha atingido o goleiro. Dois meses depois, a Fifa absolveu o Brasil. Ficou provado que Rojas fora ferido no supercílio por uma lâmina escondida na luva e que o médico chileno derramara mercuriocromo no jogador para simular sangramento.
A cada eleição candidatos promovem factoides para ganhar exposição na mídia. Tiros em pneus de carros de candidatos e espancamentos de cabos eleitorais podem ser reais. Mas, em alguns casos, trata-se de fogo amigo, provocado sob encomenda. Pelo Brasil não faltam os atentados cuja apuração concluiria pela falsa comunicação de crime.
João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito. Membro da Associação Juízes para a Democracia

Marcelo Nitsche: E se fosse com a filha da Dilma ou do Obama?

O Dia


Rio -  Outro dia estava pensando como no Brasil algumas questões têm diferentes pesos e ganham diferentes ‘finais’ pelo simples fato de acontecerem com as pessoas ‘certas’. Certas não pelo fato de algo ruim acontecer; mas porque talvez com elas o desenrolar seria outro.
Aproximamos-nos de seis anos do talvez maior acidente do espaço aéreo brasileiro, a tragédia causada pelo jato Legacy, que matou 154 pessoas do voo 1907 da Gol e que ainda espera punição para os culpados.
E se a filha da presidenta Dilma estivesse a bordo? Será que os culpados estariam sem punição? Será que os órgãos competentes não teriam feito uma denúncia internacional? Ou ainda, se fosse alguém próximo ao presidente Obama, será que os culpados ainda teriam seus brevês e continuariam voando livres nos EUA?
Ninguém enxerga que os anos passam e ninguém teve a punição, por menor que ela tenha sido, dada em primeira instância? Mas e as vidas interrompidas? Mais 154 números em um país de estatísticas?
Até um leigo como eu já entendeu que foi comprovada a culpa por negligência, imperícia ou imprudência dos pilotos do Legacy.

Será mesmo que duas pessoas que entram num avião, sem qualquer responsabilidade não deveriam ser condenadas por homicídio doloso? A quem se pede socorro no Brasil, se na situação em que se falta fazer justiça, não tinha ninguém filho de alguém com patente?
Talvez então eu deva torcer para isso acontecer numa próxima tragédia. Mas seria justo isso? Desejar o mal de alguém inocente apenas para que as pessoas ‘certas’ façam cumprir leis e acordos internacionais?
Marcelo Nitsche é técnico mecânico de aeronave, membro da Associação de Familiares e Amigos das Vítimas do Voo 1907 

terça-feira, 11 de setembro de 2012

Mundo moderno, cérebro antigo

Folha de São Paulo
Suzana Herculano-Houzel


É tão fácil botar a culpa na internet, no mundo moderno, nas novas tecnologias, ou em tudo isso junto.
Falta de atenção é consequência de janelas demais piscando no monitor; abundância de informação é um convite à superficialidade; violência é resultado de videogames; falta de tempo é culpa de e-mails demais por responder. O estresse da vida moderna, portanto, é culpa... do mundo moderno.
Eu discordo. O problema não está no que o mundo moderno faz com nosso cérebro, e sim nas limitações que nosso cérebro sempre teve --e em como nós nos deixamos sucumbir a tentações e imposições que nos são apresentadas por meio das novas tecnologias.
Para começar, não entendo a queixa de que "a internet" reduziria nosso tempo de atenção sustentada e tornaria nosso conhecimento superficial.
Pelo contrário: jovens, hoje, são capazes de passar horas ininterruptas em frente a videogames ou em sites de busca que permitem a qualquer um se tornar um profundo conhecedor de política internacional ou de biologia das fossas abissais sem sair de casa.
É uma questão do uso que se escolhe fazer de um mundo inteiro agora acessível.
Falando de atenção, aliás: nós sempre fomos limitados a prestar atenção em apenas uma coisa de cada vez. É uma restrição, de fato, mas que tem enormes vantagens, já que a maior parte da informação disponível a cada instante é irrelevante, mesmo.
Por causa dessa limitação, sempre há mais informação disponível do que conseguimos processar --e isso não é culpa da internet. Sabendo dela, quem tem problemas para se manter focado pode se ajudar reduzindo o número de tarefas que disputam sua atenção a cada instante.
O mesmo vale para o e-mail e o estresse associado às demandas que nos fazem. Poder responder imediatamente a e-mails não significa ter que fazê-lo --embora seja fácil sucumbir à pressão externa e à cobrança, no dia seguinte, por uma resposta que, poucos anos atrás, só chegaria pelo correio no prazo de uma semana.
Como hoje a maioria de nós não precisa se estressar sobre a disponibilidade de alimento ou teto, sobra espaço para nos cobrarmos respostas imediatas a todas as demandas eletrônicas que nos fazem.
O problema continua sendo o mesmo: gerenciar estresses. A dificuldade é se convencer de que o mundo não acaba se você não responder a todos os e-mails ainda hoje --e, de preferência, não cobrar isso dos outros.
Suzana Herculano-Houzel
Suzana Herculano-Houzel, carioca, é neurocientista treinada nos Estados Unidos, França e Alemanha, e professora da UFRJ. Escreve às terças, a cada duas semanas, na versão impressa de "Equilíbrio".

domingo, 9 de setembro de 2012

Dificuldade para dormir pode ser sintoma inicial de Alzheimer

Jornal do Brasil


Dormir mal pode ser uma indicação inicial de Alzheimer, aponta um estudo realizado em camundongos na universidade de Washington.
Acredita-se que um componente chave da doença seja a formação de placas de proteína no cérebro.
No estudo divulgado na publicação científica Science Translational Medicine, os pesquisadores mostraram que os camundongos têm o sono interrompido quando essas placas começam a ser formadas.
Especialistas dizem que se a relação entre esses dois fatores for comprovada, a informação pode ser uma importante ferramenta para o tratamento da doença.
É consenso na literatura médica de que quanto mais cedo se descobrem os sinais de Alzheimer, mais efetivo tende a ser o tratamento contra a doença.
Portadores da enfermidade não apresentam problemas de memória ou clareza de pensamento até estágios mais avançados e, quando isso ocorre, partes do cérebro já foram destruídas, dificultando ou mesmo impossibilitando o tratamento.
Os níveis de proteína amilóide oscilam naturalmente, tanto em camundongos quanto pessoas, ao longo de um período de 24 horas. Mas, com o Alzheimer, tais placas são formadas permanentemente.
Na pesquisa conduzida em Washington, os pesquisadores afirmaram que camundongos de hábitos noturnos costumam dormir 40 minutos a cada hora, mas tão logo as placas começam a ser formadas, o período de sono é reduzido para 30 minutos.
"Se estas anormalidades começam cedo assim no desenvolvimento do Alzheimer humano, elas podem nos fornecer um sintoma facilmente perceptível (da doença)", disse um dos pesquisadores, David Holtzman.
Mas descobertas em camundongos nem sempre são aplicáveis a humanos e podem existir outros motivos para a interrupção do sono.
Especialistas dizem que são necessários mais estudos para que se tenha uma visão mais clara do problema.

Ainda Paulo Coelho

Blog da REA


ELOÉSIO PAULO*
Cada dia é mais difícil, neste país, fazer a diferença entre jornalismo e ficção. A prática contemporânea da difusão de informações radicalizou o conceito de edição, que, bem considerado, já era familiar a Homero e São Jerônimo. Para as mentes que entendem melhor os exemplos que os conceitos, falemos um pouco da entrevista do escritor Paulo Coelho ao telejornal Bom Dia, Brasil de sexta-feira, 31 de agosto. Começando por um advérbio mal (ou bem, dependendo do valor que se atribuir a certos conceitos) colocado: ao falar do novo livro do escritor, Chico Pinheiro disse (ou melhor, recitou, pois é isso que faz um apresentador de telejornal) que, apesar de ter sido lançado há um mês, já está na lista dos mais vendidos.
Um texto mais honesto – e por enquanto estamos falando apenas de jornalismo – diria que, mesmo depois de um mês de lançado, o Manuscrito encontrado em Accra aindaestá na lista dos mais vendidos. Afinal, faz parte da obrigação de um jornalista levantar dados sobre o fenômeno que reporta. E qualquer pessoa com um pouco de memória lembra que, quando realmente vendia muitos livros no Brasil, Paulo Coelho chegou a ter três ou quatro títulos na lista dos mais vendidos da Veja. E nas primeiras posições! Ao contrário, seu mais recente livro esteve em sétimo lugar na mesma lista na semana anterior e, na última semana de agosto, entrou já em nono. Não tinha como dar outra: no dia 2 de setembro você abre a Veja e o Manuscrito nem figura mais entre os dez.
Não só esse detalhe, mas toda a reportagem atesta o tipo de tratamento que a imprensa brasileira dispensa a Paulo Coelho ou a qualquer outra famosidade: bajulação simbiótica. Sim, pois ao mesmo tempo que ajuda a promover ainda mais o entrevistado, passa ao público a impressão de que o próprio veículo de comunicação integra uma espécie de maçonaria do sucesso. Cada veículo tem seus queridinhos, mas em alguns casos existe uma espécie de convênio no qual se troca a exposição contínua do famoso por uma quase exclusividade. Caso Globo/Ronaldão, por exemplo. Ou SBT/Gretchen, talvez (a famosa em decadência não é aqui uma casualidade).
O engraçado é que o gancho da matéria nem foi o livro, sobre o qual não se disse uma palavra. Ele seria uma notícia (= fato recente, né?), apesar de atestar um fracasso relativo para quem já ostentou vendagens astronômicas. Mas o motivo da notícia era o sucesso de Paulo Coelho, representado pelo impressionante número de 150 milhões de exemplares vendidos – ao longo de toda a sua carreira literária, que já dura mais de 30 anos. Não é nenhuma novidade, essa marca já é antiga para ser notícia. Além de a informação, colocada dessa forma, parecer mais um tópico de necrológio. Falando claro, tudo indica que a Globo mais uma vez integra o esforço de catapultar as vendas de um escritor cujo livro mais recente, ele mesmo declara na dita entrevista, havia sido um redondo fracasso. O vencedor está só não vendeu lhufas, assim como a tão anunciada e noticiada biografia de Coelho preparada – com requintes de subserviência – pelo também tradicional campeão de vendas Fernando Morais, aquele do livro sobre Cuba, lembram?
Oh, museu de grandes novidades! Que Paulo Coelho mora em Genebra já faz alguns anos, que ele é milionário já faz muitos mais. O que a Globo está de fato noticiando? Que a publicação de um livro do escritor não dispõe mais do aparato publicitário capaz de fechar uma rua em Bolonha, por exemplo. Que a mágica está definhando e cada vez menos leitores se interessam pela mercadoria que ele vende.
Antes de tratar desse ponto, porém, esclareçamos outro. Ninguém venha citar a frase de Tom Jobim sobre o brasileiro ter raiva de quem faz sucesso. Tom Jobim era outros quinhentos. Pelé era outros quinhentos. Ambos eram de fato os melhores no que faziam. E também deixemos de lado a tópica da inveja: qualquer escritor tem inveja do outro que vende milhões, viaja para onde quer e não precisa ter um emprego para sustentar, nas horas vagas, o vício solitário da literatura. Do que ninguém em pleno gozo das faculdades mentais pode ter inveja é do escasso valor da obra paulocoelhana como literatura ou da miséria existencial do escritor, certamente a mesma de muitos outros famosos que vivem sorrindo nas vitrines da pseudofelicidade. Um sujeito que se obriga a ridiculamente declarar na frente das câmaras que “tem um pacto com Deus”. Esqueçam o que eu vivi, embora seja sobre isso, em suma, que eu escrevo.

Ainda antes daquele ponto: bem na época do lançamento do Manuscrito encontrado em Accra, o jornal Folha de S. Paulo dava inadequado destaque à opinião de Paulo Coelho sobre Ulysses, quase unanimemente considerado o maior romance do século XX. Uma opinião rasteira e amadora, que despreza decênios de leituras qualificadas do livro de Joyce para dizer que ele não tem enredo, que a história podia ser resumida numa única frase. Ora, isso vale para a Bíblia! Deus criou o mundo, arrependeu-se e resolveu destruir tudo, mas arrependeu-se do arrependimento. E vale para a Divina Comédia. Um cara visitou o inferno, o purgatório e o paraíso.
Existem escritores e escritores. A maioria deles gostaria de viver do que escreve. Uma boa parte não tem tino comercial, então passa a vida escrevendo o que pensa, lembra e sente, não aquilo que certamente interessará a um grande número de pessoas e, portanto, poderá traduzir-se em vendas e prestígio social. Alguns acertam sem querer e, escrevendo livros nos quais espremem o sumo de si mesmos, acabam fazendo sucesso. Outros logo descobrem uma fórmula para vender e não pensam em outra coisa o resto de suas vidas. Finalmente, há os que solenemente desprezam o público e de propósito escrevem apenas para si e para seus amigos, eventualmente acabando por encantar os detentores das chaves que dão acesso ao Olimpo do cânone. Camões e Joyce viveram na merda, mas serão para sempre a glória dos idiomas em que escreveram. Ser lido de verdade, isso é outra história.
Todas as opções acima são válidas. Escrever, como viver, é muito perigoso. O errado é ficar tentando confundi-las. E a isso tem-se dedicado Paulo Coelho nos últimos dez anos, nos quais o sucesso de sua obra revelou-se cada vez mais um sucesso inercial: ela vende em um número cada vez maior de países devido ao prestígio acarretado pelas vendas iniciais em dois ou três idiomas, porém vende cada vez menos onde primeiro vendeu. A equação é simples como qualquer daquelas pirâmides da riqueza, em que alguém precisa indicar alguns amigos, que indicarão outros de maneira que, matematicamente, logo os primeiros estarão milionários. Ocorre que o número de seres humanos é finito, e ainda um pouco mais o de otários. Nunca é demais lembrar que El Conejo, como executivo de gravadora, foi responsável pela invenção do pseudocigano Sidney Magal. E, isso poucos sabem, inventou no início dos anos 80 um esquema de falsos concursos literários que resultava em antologias publicadas pela editora-fantasma Xogum: todo mundo entrava, desde que pagasse. Esta a verdadeira gênese da atividade especificamente literária do escritor, sendo as letras de música outra conversa que não cabe aqui.
Desde O Zahir (2005) já ficará patente o esgotamento da fórmula “sapiencial” da literatura paulocoelhesca. O enredo daquele romance demonstra um alter ego do autor em plena crise existencial, alguém entrando em parafuso e atirando paranoicamente em todas as direções contra a crítica literária, que em geral se recusa a assinar embaixo da opinião dos leitores – no caso, melhor definidos como fãs. Coelho tentava convencer a si mesmo de que era um grande escritor, não contente com a evidente grandeza mercadológica. Agora, ele sabe melhor do que ninguém que até mesmo esta vem decaindo. Sem dúvida, os milhões acumulados são suficientes para um final de vida bem tranquilo, mas o pecúlio estritamente literário é muito escasso para que o autor sobreviva à própria morte. E essa compensação simbólica talvez seja a mais importante para a maioria dos escritores. Seu reino não é deste mundo, embora não fosse nada mau espojar-se, como faz nosso fenômeno, nas pompas que ele oferta aos bafejados pela sorte.
O Paulo Coelho verdadeiro, sem a edição edulcorante praticada por toda a grande imprensa brasileira, é um escritor de terceira categoria. Em termos puramente literários, sua ficção é muito inferior à de Adelaide Carraro, que nos anos 1960 era considerada subliteratura e hoje só existe na lembrança de tarados extemporâneos e arqueólogos literários.
Mas ele ainda conta com a enorme simpatia que os mídia têm pela famosidade, na maioria das vezes criada por eles mesmos a partir do quase-nada. Dos efeitos práticos dessa simpatia, além da exposição contínua dos eleitos, faz parte também um feroz cerco a quem propõe discutir qualquer assunto a sério. Este escriba aqui, por exemplo, publicou há cinco anos um livro chamado Os 10 pecados de Paulo Coelho e ele foi solenemente ignorado por toda a grande imprensa. Ninguém deu uma linha, nem mesmo para dizer “vejam só, um invejoso tentando demolir o prestígio do grande escritor”. Jornalistas de duas grandes publicações disseram que divulgariam o lançamento, depois tiveram que desdizer, certamente por ter sido a matéria “embargada” (sabia que existe esse termo na grande imprensa?) pelos seus editores. Aliás, editor brasileiro hoje em dia se chama de “publisher”.

É assim, de silêncios e falações, que se faz um mito. Mas os mitos ou têm lastro ou esboroam-se em pouco tempo. Se Deus está morto, imagine Paulo Coelho…

* ELOÉSIO PAULO é professor da Universidade Federal de Alfenas e autor do livro Os 10 pecados de Paulo Coelho (Ed. Horizonte)

terça-feira, 4 de setembro de 2012

ORQUESTRANDO A VIDA: TOCAR E LUTAR, LUTAR E TOCAR


Para ler e divulgar...

APELO DO MAESTRO JONY WILLIAM, PRESIDENTE DA ONG ORQUESTRANDO A VIDA, NO FACEBOOK:

Prezado Amigo, estamos com vários projetos a serem abertos, um deles é em uma comunidade carente de nossa cidade, a “Baleeira”, mas para esse projeto ser aberto, precisamos de alguns instrumentos (cerca de 80 violinos, 10 violoncelos, etc). Precisamos acolher essas crianças que tem sede de aprender música e terem a oportunidade de orquestrar suas vidas.

Nós podemos saciar essa sede, mas também não temos condições de arcar com a compra de tantos instrumentos. Por isso estamos pedindo ajuda.

Colabore com este belíssimo projeto, ajudando a transformar a realidade de muitos outros jovens, fazendo parte da construção de um futuro melhor para todos.

Esse grande espetáculo tem que continuar! Você pode colaborar.Fizemos orçamentos dos instrumentos necessários em algumas lojas de nossa cidade. 

O violino está saindo em torno de R$ 199,00 e o violoncelo de R$ 999,00, nas Lojas “Marcos Music” e “Hudson Music”, fica a critério do doador, onde comprar ou se preferir doar em dinheiro , pode ser pessoalmente na ONG ou em conta bancária. Sendo em conta bancária, enviamos o recibo no valor da doação.

Caso haja interesse , por favor me procure, estarei à disposição.

Desde já agradeço a atenção.  

Gianny Carneiro –Orquestrando a Vida - tel: 22- 9985.2901, 8119.9512 ou no tel do Centro Cultura Musical – 22- 2723.3816

Fonte: Blog Estou procurando O Que Fazer.

Milton Cunha: Evocação e futuro

O Dia


Rio -  Agora ele está procurando a gravação de ‘Moça’, de Wando, para possuir. Posse mesmo: ter, comprar, armazenar o arquivo, guardar preso para sempre dentro do coração, junto com as outras do ritual. Ele, na penumbra, com seu álcool preferido, ouve sem parar, para sempre, músicas que evocam um passado, que eu não sei se para ele era melhor que hoje — minha hipótese é que, naquele tempo, ele sonhava e tinha 20 anos, o futuro pela frente, e agora, aos 50, deve sonhar com o sonho que tinha e que poderia se transformar em real.
Não sei se o sonho sobrou. Só sei que 30 anos se passaram e ele os perdeu para a concretização de algum devaneio que ficou lá. Por isso, ele hoje volta perdido no túnel do tempo. São as pessoas que conhecemos e que ficam evocando coisas lá de trás. Umas, imobilizadas, cultuam o ido. Outras, curtem o breve passeiozinho e voltam. Me lembro de uma vizinha que sábado pegava a enceradeira e deixava a sala lustrando, ouvindo na vitrola sempre o mesmo LP de Martinho, da década passada. Trabalho feito, desligava a vitrola e voltava para curtir o resto do fim de semana. Sua evocação do sonho tinha dia e hora marcada.
Um outro, sempre que pode, volta aos desfiles antigos da Marques de Sapucaí: põe o fone no ouvido e fica cantando os sambas daqueles anos. Canta a pulmões abertos, volta à arquibancada de concreto e descreve em frases curtas como estava, o que fazia, qual o sanduíche que comera, etc e tal. São relâmpagos de prazer absoluto. Sabe que hoje a vida é melhor, só passeia na memória para dizer: éramos pobre, e muito felizes. Depois de tudo, dia amanhecendo, pegavam o ônibus de volta para Maricá. Não há melancolia no cansaço, é tudo pra cima. Será que ele volta para os antigos desfiles para dizer “Graças a Deus, melhorei”? Ou o prazer morre ali mesmo, sem conexão com a vida presente? Que tipo de humanos somos, que precisamos voltar ao passado?
Vendo-os, um preso na quimera do sonho sonhado, e outro liberto pelo prazer de regurgitar o que passou, fico de cabelo em pé comigo mesmo: não tenho tempo para o passado. Não o evoco em sistema, não procuro, senão por motivo rápidos, sempre profissionais. Mas paro andando numa rua se ouço, de repente, canção de outrora. Revivo o cheiro, relembro os personagens mortos na estrutura da memória, e num átimo de segundo sigo em frente me esquecendo do que já tinha me esquecido. Meu presente é total, absoluto, porque depois da tempestade, sempre virá a bonança. Jamais o passado se configura íntegro como o presente, porque ele foi-se, e resta agora a glória de viver o resto de meus dias. 

Paulo César Régis de Souza: Mudanças demográficas e a Previdência Social

O Dia


Rio -  A Organização Mundial da Saúde está desenhando um cenário em que a humanidade ainda desconhece e para o qual suas políticas multilaterais de água limpa, vacinação, esgotamento sanitário e controle de endemias e epidemias foram contributivas. Neste aspecto, o cenário é alentador, pois revela que os seres humanos estão vivendo mais, como consequência da melhoria da qualidade de vida nos países ricos e pobres.
Nos últimos 50 anos, a população brasileira passou de 70 milhões, em 1960, para 190,7 milhões, em 2010, quase triplicando. O crescimento do número de idosos, no entanto, foi ainda maior. Em 1960, 3,3 milhões de brasileiros tinham 60 anos ou mais e representavam 4,7% da população. Em 2000, 14,5 milhões, ou 8,5% do total, estavam nessa faixa etária. Em 2010, o crescimento foi ainda mais expressivo, com 20,5 milhões com 60 anos ou mais, representando 8% da população.
No âmbito da Organização Internacional do Trabalho, o que se pensa é incorporar mais e mais idosos, mesmo aposentados, no mercado, o que chamou de upsizing, para lhes dar ocupação e ajudar a financiar o seu projeto final de vida. O ponto de partida é ampliar para 70 ou 75anos a idade mínima para aposentadoria e adotar mecanismos restritivos nas pensões. Esta alternativa europeia não alcança a África, Ásia e Américas.
Na América Latina, o proselitismo, o assistencialismo, o clientelismo e o populismo desfiguraram a Previdência Social contributiva e fortaleceram a Assistência Social. Por aqui a bomba-relógio da demografia vai produzindo pessoas que vão precisar de proteção social e que não têm condições de contribuir para se aposentar.
Paulo César Régis de Souza é presidente da Associação Nacional dos Servidores da Previdência e da Seguridade Social 

segunda-feira, 3 de setembro de 2012

A base biológica da espiritualidade

Jornal do BrasilLeonardo Boff*

Assinalamos anteriormente, nestas páginas, que o espírito representa a dimensão do profundo humano. Espiritualidade que dele se deriva é um modo de ser, uma atitude fundamental, vivida na cotidianidade da existência: na arrumação da casa, no trabalho na fábrica, dirigindo o carro, conversando com amigos. De repente, irrompe como que um lampejo de algo mais profundo e inexplicável. É o espírito que se anuncia. As pessoas podem conscientemente se fazer abertas para o profundo e para o espiritual. Então se tornam mais centradas, serenas e irradiadoras  de paz. Propagam estranha vitalidade e entusiasmo porque têm Deus dentro de si.  Este Deus  interior é amor, o qual nas palavras de Dante, no final de cada livro da Divina comédia, “move os céus e as estrelas”,  — e nós acrescentamos: e nossos próprios corações.  
Esta profundidade espiritual, dizem pesquisas científicas, tem uma base biológica. Realizadas do final do século 20 e conduzidas pelos neuropsicólogos MichaelPersinger e Ramachandran, pelo neurologista Wolf Singer e pelo neurolinguista Terrence Deacon, outrossim por técnicos usando scanners modernos para fazer imagens cerebrais, detectaram o que eles chamaram de “o ponto de Deus no cérebro” (God spot ou God module).  
Pessoas que em suas vidas deram espaço significativo ao profundo, ao espiritual, revelam nos lóbulos frontais do cérebro uma excitação detectável acima do normal.  Estes lóbulos são ligados ao sistema límbico, o centro das emoções e valores. Aí se dá uma concentração naquilo que tais cientistas chamaram de “mente mística" (mystical mind).  Tal estimulação do "ponto de Deus" não está ligada a uma ideia ou a algum pensamento objetivo. Ele é ativado sempre e quando a pessoa se sente emotivamente envolvida com os contextos globais que conferem sentido à vida ou quando, de forma autoimplicada, se referem ao Sagrado, a temas religiosos ou diretamente a Deus. Trata-se de emoções e não de ideações, de fatores ligados a experiências de grande sentido que implicam um percepção do Todo e de algo incondicional.  
Estudos mais recentes apontam que pode haver de fato não apenas uma mas  múltiplas regiões do cérebro estimuladas pela experiência de totalidade  e de sacralidade. Isso indica que o "ponto de Deus" pode ser, na verdade, uma "rede de Deus" compreendendo regiões normalmente associadas a emoções profundas e carregadas de significação.  Outros pesquisadores como Eugene D’Aquili e Andrew Newberg chamaram a esta realidade, como temos referido acima, a  ”mente mística”. 
Esta mente mística pertence ao processo mais geral,  antropogênico-cosmogênico. Ela representa uma vantagem evolutiva da espécie homo. Como externamente somos dotado de sentidos pelos quais apreendemos a realidade através do ouvido, do olho, do tato e do olfato, assim seríamos internamente enriquecidos com um órgão pelo qual captamos o Mistério do Mundo, o que nos faz sensíveis àquela Energia poderosa e amorosa que perpassa de ponta a ponta todo o Universo e que subjaz à nossa existência. As tradições religiosas a chamaram de Deus. 
Se ela está em nós  e nós somos parte do Universo, significa então que esta inteligência espiritual constitui uma propriedade do próprio Universo. Só porque está no Universo pôde estar em nós.  É por esta razão que a filósofa e física quântica Danah Zohar e o psiquiatra Ian Marshall afirmam que o ser humano não é apenas dotado de inteligência intelectual e emocional, mas também de inteligência espiritual. Esta é um dado de realidade com o mesmo direito de cidadania que a libido, a autoafirmação, a inteligência e o amor (QS: inteligência espiritual - Record, 2000). 
Hoje faz-se urgente, mais que antes, dar realce à inteligência espiritual. Porque vivemos numa cultura entorpecida pelo materialismo e pelo consumismo induzido. O efeito deste modo de ser é bem relatado pela literatura contemporânea: sentimentos de náusea (Sartre), de estar-de-sobra (Marcel), de alienação (Marx), de “derelição-abandono”(Heidegger), de estrangeiros na própria pátria (Camus). Numa palavra, padecemos de graves doenças de sentido como denunciaram os psicanalistas Rollo May e Victor Frankl. Tudo isso porque embotamos a inteligência espiritual. 
A espiritualidade nos ajuda a sair desta cultura doentia e agonizante. A integração da inteligência espiritual com as outras formas de inteligência — intelectual e emocional — nos abre para uma comunhão amorosa com todas as coisas e para uma atitude de respeito e de reverência face a todos os seres, muito mais ancestrais do que nós.  Só assim, poderemos nos reintegrar no Todo, sentirmo-nos parte da comunidade de vida e acolhidos como companheiros na grande aventura cósmica e planetária. 
* Leonardo Boff, escritor, é teólogo e filósofo. - lboff@leonardoboff.com