quarta-feira, 29 de junho de 2011

Escola Pública no Japão x Escola Pública no Brasil

      O Japão saiu arrasado da segunda Guerra Mundial, mas fez o que se espera de todo país com dirigentes sensatos: investiu maciçamente em educação.


      Já o Brasil, que não saiu arrasado de guerra nenhuma, sofre seus males não pela incompetência do poder público, mas pelas más intenções...




domingo, 26 de junho de 2011

Quem quer ser professor?

Tory Oliveira, 26 de abril de 2011 às 10:12h, revista Carta na Escola

      Você é louca!” “É tão inteligente, sempre gostou de estudar, por que desperdiçar tudo com essa carreira?” Ligia Reis (foto a dir.), de 23 anos, ouviu essas e outras exclamações quando decidiu prestar vestibular para Letras, alimentada pela ideia de se tornar professora na Educação Básica. Nas conversas com colegas mais velhos de estágio, no curso de História, Isaías de Carvalho, de 29 anos, também era recebido com comentários jocosos. “Vai ser professor? Que coragem!” Estudante de um colégio de classe média alta em São Paulo, Ana Sordi (foto a esq.), de 18 anos, foi a única estudante de seu ano a prestar vestibular para Pedagogia. E também ouviu: “Você vai ser pobre, não vai ter dinheiro”. Apesar das críticas, conselhos e reclamações, Ligia, Isaías e Ana não desistiram. No quinto ano de Letras na USP, Ligia hoje trabalha como professora substituta em uma escola pública de São Paulo. Formado em História pela Unesp e no quarto ano de Pedagogia, Isaías é professor na rede estadual na cidade de São Paulo. No segundo ano de Pedagogia na USP, Ana acompanha duas vezes por semana os alunos do segundo ano na Escola Viva.
      Quando os três falam da profissão, é com entusiasmo. Pelo que indicam as estatísticas, Ligia, Isaías e Ana fazem parte de uma minoria. Historicamente pressionados por salários baixos, condições adversas de trabalho e sem um plano de carreira efetivo, cursos de Pedagogia e Licenciatura – como Português ou Matemática – são cada vez menos procurados por jovens recém-saídos do Ensino Médio. Em sete anos, nos cursos de formação em Educação Básica, o núsmero de matriculados caiu 58%, ao passar de 101.276 para 42.441.
      Atrair novas gerações para a carreira de professor está se firmando como um dos maiores desafios a ser enfrentado pela Educação no Brasil. Não por acaso, a valorização do educador é uma das principais metas do novo Plano Nacional de Educação. Uma olhadela na história da educação mostra que não é de hoje que a figura do professor é institucionalmente desvalorizada. “Há textos de governadores de província do século XIX que já falavam que ia ser professor aquele que não sabia ser outra coisa”, explica Bernardete Gatti, da Fundação Carlos Chagas, coordenadora da pesquisa Professores do Brasil: Impasses e desafios. No entanto, entre as décadas de 1930 e 1950, a figura do professor passou a ter um valor social maior. Tal perspectiva, porém, modificou-se novamente a partir da expansão do sistema de ensino no Brasil, que deixou de atender apenas a elite e passou a buscar uma universalização da educação. Desordenada, a expansão acabou aligeirando a formação do professor, recrutando muitos docentes leigos e achatando brutalmente os salários da categoria como um todo.

Raio X

      Encomendada pela Unesco, a pesquisa Professores do Brasil: Impasses e desafios revelou que, em geral, o jovem que procura a carreira de professor hoje no Brasil é oriundo das classes mais baixas e fez sua formação na escolas públicas. Segundo dados do questionário socioeconômico do Enade de 2005, 68,4% dos estudantes de Pedagogia e de Licenciatura cursaram todo o Ensino Médio no setor público. “De um lado, você tem uma -implicação muito boa. São jovens que estão procurando ascensão social num projeto de vida e numa profissão que exige uma formação superior. Então, eles vêm com uma motivação muito grande.”
      É o caso de Fernando Cardoso, de 26 anos. Professor auxiliar do quinto ano do Ensino Fundamental da Escola Viva, Fernando é a primeira pessoa de sua família a completar o Ensino Superior. Sua primeira graduação, em Educação Física, foi bastante comemorada pela família de Mogi-Guaçu, interior de São Paulo. O mesmo aconteceu quando ele resolveu cursar a segunda faculdade, de Pedagogia.
      Entretanto, pondera Bernardete, grande parte desse contingente também chega ao Ensino Superior com certa “defasagem” em sua formação. A pesquisadora cita os exemplos do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), que revela resultados muito baixos, especialmente no que diz respeito ao domínio de Língua Portuguesa. “Então, estamos recebendo nas licenciaturas candidatos que podem ter dificuldades de linguagem e compreensão de leitura.”
      Segundo Bernardete, esse é um efeito duradouro, uma vez que a universidade, de forma geral, não consegue suprir essas deficiências. Para Isaías Carvalho, esta é uma visão elitista. “Muitos professores capacitados ingressam nas escolas e estão mudando essa realidade. Esse discurso acaba jogando toda a culpa nos professores”, reclama.
      Desde 2006, Isaías Carvalho trabalha como professor do Ensino Fundamental II e Ensino Médio em uma escola estadual em São Paulo. Oriundo de formação em escolas públicas, Isaías também é formado pelo Senai e chegou a trabalhar como técnico em refrigeração. Só conseguiu passar pelo “gargalo do vestibular” por causa do esforço de alguns professores da escola em que estudava na Vila Prudente, zona leste de São Paulo. Voluntariamente, os professores davam aulas de reforço pré-vestibular de graça para os alunos, nos fins de semana. “Os alunos se organizavam para comprar as apostilas”, lembra. Foi durante uma participação como assistente de um professor na escola de japonês em que estudava que Antônio Marcos Bueno, de 21 anos, resolveu tornar-se professor. “Um sentimento único me tocou”, exclama. Em busca do objetivo, saiu de Manaus, onde morava, e mudou-se para São Paulo. Depois de quase dois anos de cursinho pré-vestibular, Antônio Marcos está prestes a se mudar para a cidade de Assis, no interior do Estado, onde vai cursar Letras, com habilitação em japonês.
      Entretanto, essa visão enraizada na cultura brasileira de que ser professor é uma missão ou vocação – e não uma profissão – acaba contribuindo para a desvalorização do profissional. “Socialmente, a representação do professor não é a de um profissional. É a de um cuidador, quase um sacerdote, que faz seu trabalho por amor. Claro que todo mundo tem de ter amor, mas é preciso aliar isso a uma competência específica para a função, ou seja, uma profissionalização”, resume Bernardete.

Contra a corrente

      Ainda assim, o idealismo e a vontade de mudar o mundo ainda permanecem como fortes componentes na hora de optar pelo magistério. Anderson Mizael, de 32 anos, teve uma trajetória diferente da maioria dos seus colegas da PUC-SP. Criado na periferia de São Paulo, Anderson sempre estudou em escolas públicas. Adulto, trabalhou durante cinco anos como designer gráfico antes de resolver voltar a estudar. Bolsista do ProUni, que ajuda a financiar a mensalidade, Anderson é um dos poucos do curso de Letras que almejam a posição de professor de Literatura. “Eu tenho esse lado social da profissão. O ensino público está precisando de bons professores, de gente nova”, explica ele, que acaba de conseguir o primeiro estágio em sala de aula, em uma escola no Campo Limpo, zona sul da capital. Ana, que hoje trabalha em uma escola de elite, sonha em dar aula na rede pública. “São os que mais precisam.” “Eu sempre quis ser professora, desde criança”, arremata Ligia.
      A empolgação é atenuada pela realidade da escola – com as já conhecidas salas lotadas, falta de material e muita burocracia. Ligia Reis reclama. “Cheguei, ganhei um apagador e só. Não existe nenhum roteiro, nenhum amparo”, conta. “Às vezes, você é um ótimo professor, tem várias ideias, mas a escola não ajuda em nada”, desabafa. Ligia também conta que, para grande parte de seus colegas de graduação, dar aula é a última opção. “A maioria quer ser tradutor ou trabalhar em editoras. É um quadro muito triste.”
      Como constatou Ligia, de forma geral, jovens oriundos de classes mais favorecidas, teoricamente com uma formação mais sólida e maior bagagem cultural, acabam procurando outros mercados na hora de escolher uma profissão. “Eles procuram carreiras que oferecem perspectivas de progresso mais visíveis, mais palpáveis”, explica Bernardete. Um dos motivos que os jovens dizem ter para não escolher a profissão de professor é que eles não veem estímulo no magistério e os salários são muito baixos, em relação a outras carreiras possíveis. “Meu avô disse para eu prestar Farmácia, que estava na moda”, lembra Ana.
      A busca pela valorização da carreira de professor passa também, mas não somente, por políticas de aumento salarial. Além de pagar mais, é preciso que o magistério tenha uma formação mais sólida e, principalmente, um plano de carreira efetivo. “Um plano em que o professor sinta que pode progredir salarialmente, a partir de alguns quesitos. Mas que ele, com essa dedicação, possa vir a ter uma recompensa salarial forte”, conclui a pesquisadora.
      Anderson, Ligia, Ana, Isaías, Antônio e Fernando torcem para que essa perspectiva se torne realidade. “Eu acho que, felizmente, as pessoas estão começando a tomar consciência do papel do professor. É uma profissão que, no futuro, vai ser valorizada”, torce Anderson. “É uma profissão, pessoalmente, muito gratificante.” “Às vezes, eu chego à escola morta de cansaço, mas lá esqueço tudo. É muito gostoso”, conta Ana.

Dia de domingo

domingo, 19 de junho de 2011

Realidade Paralela?

    Desconfio que nós, professores da rede estadual de ensino do Estado do Rio de Janeiro não vivemos no mesmo mundo do secretário estadual de educação. Afirmo isto porque ele, na reportagem publicada no jornal O Dia, que reproduzo abaixo, afirma, dentre outras coisas, que aboliu indicação política dos diretores de escola. Onde? A direção da minha escola foi indicada políticamente. Das demais escolas estaduais não????
   Além disto, ele afirma na abertura da reportagem que há algo errado com a merenda nas escolas, mas, não entendi porque, o assunto não é esclarecido na mesma.
    Acho, também, muito significativo que ele tenha a percepção do processo administrativo da educação como algo beligerante...

Secretário estadual de Educação: 'Tem alguma coisa errada com nossa merenda'
    Rio - Há oito meses no cargo, o secretário estadual de Educação, Wilson Risolia, 51 anos, exercita 14 horas por dia estratégias militares, inspiradas no livro ‘A Arte da Guerra’, de Sun Tzu, para comandar um exército de 1,25 milhão de alunos e 93 mil servidores em 1.462 escolas. O principal desafio é encontrar professores dispostos a reduzir a carência de 91 mil horários de aula sem professor, em disciplinas como Filosofia, Sociologia, Matemática, Física e Química.
    No último concurso para Física, foram preenchidas só 20% das vagas. Com orçamento de R$ 3,6 bilhões para este ano, Risolia aumentou valor da hora-extra, concedeu auxílios-transporte, quitou débitos de 1998, acabou com a indicação política para diretores e diz que as metas já estão sendo atingidas.
    ODIA: — O Rio quer estar entre os cinco primeiros do Ideb. Uma meta ambiciosa. Como chegar lá?
    WILSON RISOLIA: — Projetamos uma meta para 2023, e sabemos onde queremos chegar daqui a 11 anos. O Rio está passando por um momento virtuoso, com a Copa do Mundo em 2014 e as Olimpíadas, em 2016. Cinco anos depois a economia ainda estará dinâmica. Temos que comparar a meta com a situação de cada escola. Vamos olhar para cada unidade. O Saerj retrata a situação de cada escola, com ou sem carências. Fizemos ajuste na meta. A cada dois meses medimos “temperatura e pressão” com o Saerjinho.
    Como estão as metas?
    Se fosse hoje, estaríamos dentro do programado para o bimestre. Mas é cedo. As famílias precisam participar. Faço esse apelo. A adesão foi de 80%, a melhor até hoje. Precisamos atingir 100%. Se a avaliação não for boa, temos ações corretivas, como reforço, formação continuada para professores, aceleração do ensino.
    Qual é o déficit de professores na rede?
    A carência é de 3.700 professores. Física é o maior problema. Fizemos concurso recentemente e não conseguimos suprir. Talvez consigamos atingir 20% da demanda na última seleção para Física. Em conversa com o Conselho Estadual de Educação soubemos que a Uerj tem apenas uma turma de Física, com 30 alunos. A academia não forma essa mão de obra. Temos outras situações crônicas como Filosofia, Sociologia e Ensino Religioso. Em Matemática, vamos zerar o déficit agora.
    Como é possível resolver essa carência?
    É complicado. Fizemos algumas ações que terão resultado agora. O retorno dos professores cedidos, reajustes das horas extras e da gratificação por difícil acesso. Quando se mede a carência em tempos, ao comparar fevereiro de 2010 com março de 2011, caiu 60%. Eram 229 mil tempos sem aula e, atualmente, são 91 mil. É muito tempo ainda: temos 3.960 em Filosofia, 3.704 em Sociologia, 2.793 em Matemática e 2.118 em Física. Acredito que vale a pena repensar na grade curricular para o Ensino Médio. Principalmente para atrair jovens que estudam na rede pública.
    Há previsão de concurso no segundo semestre?
    Vamos abrir 500 vagas para técnicos-administrativos, que vão liberar os professores para voltar à sala de aula. Estamos repensando a carga horária do professor 16 horas semanais.
    Quantos professores estão cedidos hoje?
    Cerca de 1.650. Nós conseguimos o retorno de 350 de um total de 2 mil cedidos. Estamos acolhendo esses profissionais para orientar sobre as novas funções que serão desempenhadas. Mas, em alguns casos, nos interessa que exista servidor da nossa pasta em funções importantes, como, por exemplo, secretário municipal de Educação.
    Haverá reajuste?
    Somos 93 mil funcionários ativos e mais de 70 mil inativos. É a maior categoria. Qualquer reajuste impacta na previdência. Pedimos ao Sepe (Sindicato Estadual de Professores) que pare a greve e aguarde o fim do semestre para verificar a arrecadação. Se fizer agora, corre o risco de não cumprir. Esse assunto está na minha pauta desde a primeira semana. Vamos avançar na questão financeira. Tudo custa muito: enquadramento, R$ 32 milhões; GLP foi R$ 17 milhões, dívida de 1998 com inativo de R$ 98 milhões. Nunca prometemos, mas estamos resolvendo. Só para infraestrutura são R$ 250 milhões em reforma, ampliação e construção de escolas.
    Estudamos também, mas há dúvida jurídica se é possível fazer. Imagina pagar salários diferentes para docentes das mesmas matérias. Há hipótese de convênios com universidades e alunos de Engenharia. Pagaríamos uma bolsa para o jovem dar a aula, como estágio. E implantamos o programa de formação continuada, que financiará a segunda licenciatura para professores interessados.
    Onde estão os maiores índices de reprovação?
   A reprovação no 1º ano do Ensino Médio é muito alta. A passagem entre o 9º ano do Ensino Fundamental para o 1º do Médio é problemática no País. Se não existir uma sincronia entre municípios e estado, tem problema.
    Hoje, temos alunos de 14 anos com outros de 60 na mesma sala do curso noturno. O senhor já sabe que não tem como dar certo. O que vai acontecer?
   Quando começamos a discutir o futuro das escolas compartilhadas, percebemos que permitir a diferença de idade de 50 anos na mesma turma é problema muito maior do que mudá-las de endereço ou até mesmo fechá-las. Tudo isso ajuda o desempenho a ser pior. O prejuízo é para os dois.
    Os cursos noturnos vão fechar?
    Muitos cursos estão em escolas compartilhadas, as mais problemáticas, porque são da prefeitura e não podemos usar biblioteca ou esquentar comida. São 269 unidades que estamos investigando. Do total, 11 são só de 1º segmento (1º ao 5º ano) do Ensino Fundamental à noite. É possível que a gente feche só no fim do ano. Fatalmente essas turmas vão migrar para outras unidades. Mas não haverá fusão de turma, o que poderia gerar prejuízo pedagógico. É simplesmente tirar de um endereço e colocar em outro.
    Com tantas mudanças em tão pouco tempo, como lida com a pressão de fora?
    O livro ‘A arte da guerra’ diz que, se você se conhece e conhece seu opositor, tem 100% de chances de ganhar. Se você se conhece e não conhece o outro, tem 50%. Se não conhece ambos, vai perder. Não estamos na última categoria. Temos diagnóstico dos problemas e ações para solucioná-los. O desafio é fazer tudo sincronizado. Por isso, a greve é ruim. Por sorte, a adesão foi pequena.



Reportagem de Alessandra Horto e Maria Luisa Barros

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Tortura Em Transe

    Na época em que se discute o sigilo perpétuo ou não de documentos oficiais brasileiros, acho bastante pertinente o texto que reproduzo abaixo.

    "Não punir torturadores é usar o esquecimento como princípio organizador da ação jurídico-política. É tomar o torturado como um corpo sobre o qual se pode agir perpetuamente, já que simbolicamente continua detido. "
    Gilson Caroni Filho, Agência Carta Maior
    "Há pouco tempo, Eric Hobsbawm, em entrevista publicada no jornal argentino Página 12, disse que o presidente Lula "é o verdadeiro introdutor da democracia no Brasil", pois "lá existem muitos pobres e ninguém jamais fez tanta coisa por eles". Análise precisa ou arroubo produzido por afinidade ideológica? Nem uma coisa, nem outra. A história em movimento não comporta conclusões apressadas. Os avanços são inegáveis, mas ainda temos um bom pedaço de chão pela frente.
    Se o que queremos é consolidar a democracia política como valor permanente, como conjunto de relações sociais a ser permanentemente aperfeiçoado até a afirmação plena da cidadania, um enfrentamento, sempre protelado se faz necessário: julgar e processar os violadores dos direitos humanos durante o regime militar.
    Como a história é entendida a partir de recortes da memória, os embates travados, em 2008, entre a Advocacia-Geral da União (AGU), que produziu parecer favorável a torturadores, e a Secretaria Nacional de Direitos Humanos, que considera o crime de tortura imprescritível, deixam evidente que, ao contrário de países vizinhos, ainda não há no governo brasileiro uma leitura atualizada da Lei da Anistia, sancionada em plena ditadura.
    Falta, como destaca Glenda Mezarobba, professora da Unicamp, "uma interpretação sob a ótica dos direitos humanos e do direito internacional que afirma que não há anistia para crimes como a tortura".
    Afirmar que o expediente legal dos militares "propicia um clima de reconciliação e paz nacional" é desconhecer seus objetivos de origem: impedir que a sociedade tivesse direito à verdade, com a revelação dos crimes cometidos e suas circunstâncias, e evitar a punição dos responsáveis por atos repressivos e ilegais. Ademais, é sempre bom lembrar que a versão original da Lei 6.883 já foi bem alterada, o que não autoriza ações procrastinadoras ou leituras canhestras tão ao gosto do presidente do STF.
    Não punir torturadores é usar o esquecimento como princípio organizador da ação jurídico-política. É tomar o torturado como um corpo sobre o qual se pode agir perpetuamente, já que simbolicamente continua detido. Sob o manto da impunidade dos seus algozes, permanece suspenso em um pau de arara, enevoado pela cortina de uma ideologia autoritária que impossibilita a plenitude democrática. Não lhe é negada apenas a restituição da dignidade, mas a história do seu tempo, aquilo que dá sentido à vida e às lutas nela travadas. É chaga que não fecha. Personifica, perigosamente, o princípio da impunidade para o torturador que, pela sua natureza e magnitude, agravou a consciência ética da humanidade.
    A ditadura nasceu e se afirmou como contrarrevolução. Expressou, como definiu Otávio Ianni, a reação de um novo bloco de poder às reivindicações, lutas e conquistas de operários, camponeses e militares de baixa patente. "Em geral, os golpistas estavam combatendo propostas e realizações de movimentos e governos reformistas". Para tanto, o poder estatal alargou sua ação por todos os círculos da vida nacional, anulando o espaço do privado. O terror e a barbárie espalharam-se pelo tecido da sociedade civil até os mais distantes recantos e poros. Esgotado seu ciclo, por não ter sido enfrentado pelo Estado democrático, sobre ele paira como espectro.
    Como noticiou o Jornal do Brasil, "no salão nobre do Clube Militar, generais, brigadeiros e almirantes comemoram o aniversário da chamada por eles Revolução Democrática de 31 de março de 1964". O general Gilberto Figueiredo disse que via as manifestações de protesto dos estudantes "como direito de se manifestar e de interpretarem como querem, é o direito à liberdade".
    É uma observação incompleta. Como afirmou Herbert Marcuse, "esquecer é também perdoar o que não seria perdoado se a justiça e a liberdade prevalecessem. Esse perdão reproduz as condições que reproduzem injustiça e escravidão: esquecer o sofrimento passado é perdoar as forças que o causaram – sem derrotar essas forças".
    Até quando o general festejará as luzes que permanecem acesas nos porões? "

* Artigo publicado originalmente no Jornal do Brasil

Gilson Caroni Filho é professor de Sociologia das Faculdades Integradas Hélio Alonso (Facha), no Rio de Janeiro, colunista da Carta Maior e colaborador do Observatório da Imprensa.





quinta-feira, 16 de junho de 2011

Só Para Contrariar!

Poeminha do Contra (Mário Quintana)

Todos estes que aí estão
Atravancando o meu caminho,
Eles passarão.
Eu passarinho!

Só de Sacanagem (Elisa Lucinda)

Meu coração está aos pulos!
Quantas vezes minha esperança será posta à prova?
Por quantas provas terá ela que passar?
Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu dinheiro, que reservo duramente para educar os meninos mais pobres que eu, para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais.
Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova? Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais?
É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz.
Meu coração está no escuro, a luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e dos justos que os precederam: “Não roubarás”, “Devolva o lápis do coleguinha”, Esse apontador não é seu, minha filhinha”.
Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar.
Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha ouvido falar e sobre a qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará.
Pois bem, se mexeram comigo,com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear: mais honesta ainda vou ficar. Só de sacanagem!
Dirão: “Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo o mundo rouba” e eu vou dizer: Não importa, será esse o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês.
Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau.
Dirão: “É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal”.
Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal.
Eu repito, ouviram? IMORTAL!
Sei que não dá para mudar o começo mas, se a gente quiser,vai dar para mudar o final!







quarta-feira, 15 de junho de 2011

Ser Professor...

    Posto aqui este vídeo em homenagem aos meus colegas de trabalho.
    Pena que nada do que nele é dito sensibilize os políticos, pois, infelizmente (mais uma vez), é nas mãos destes que estão as mudanças.
    Pena que nada do que nele é dito sensibilize a opinião pública, pois não contamos com uma grande mobilização popular em prol da educação pública, assim como, por exemplo, os oficiais bombeiros (muito merecidamente, por sinal), contaram.

terça-feira, 14 de junho de 2011

Sobre a paciência (Milton Cunha)

    Foi há anos. No jantar do rico para o governador, a mais espetacular vista da cidade se descortinava na varanda da cobertura. Eu havia feito a decoração do jantar e contratado os músicos que iriam alegrar o ambiente. Foi quando fui apresentado para a noiva do dono da casa, insossa senhorita, com ar distante e desprovido de vida, como só os humanos mal-amados são capazes (já notaram como uma boa pegada acende nas criaturas uma cara de “ui! como é bom viver e sentir aquilo?”). No meu ouvido disseram baixinho: “Ela presta consultoria para milionários, diz onde devem aplicar a dinheirama, ela é neta do ministro tal, tem acesso a informações privilegiadas, sabe qual vai valorizar no dia seguinte”. Câmera-lenta da angústia, quando um arrepio te eriça a nuca, e um líquido vem umedecer teus olhos.
    Morri de pena de mim e de todos os trabalhadores, casta que nem tem dinheiro sobrando nem tem acesso aos segredos que multiplicam, do nada, dinheiro parado, que não ajuda o País a crescer. Pensei em todas as criancinhas barrigudas e sem escola do Brasil, e uma revolta me aqueceu o espírito. Infelizmente, não podia jogar as bromélias nas caras dos desonestos, enfileirados em longos e blazers. Será que se eu e você estivéssemos na mesma posição, será que nós faríamos o mesmo? Será que é uma questão de onde, como e quando você nasceu? Será que isto é choro de não participante? Sei lá, só sei que deste jeito é mole. Consultoria, pois sim! Se tenho certeza não é consultoria, é informação desonesta e acabou.
    Corta! Hoje, tantos anos depois, sentado na sala de espera da fisioterapeuta sessentona e esperançosa, que canta e sorri abraçando o mundo, eu li que é só os bombeiros terem paciência que daqui a oito anos chegarão ao salário que querem. Não me contive, baixei o jornal e bradei para a galera que aguardava comigo: “Só daqui a oito anos, meu Deus, que pai espera oito anos para dar vida confortável para sua criança?” Foi mais forte que eu, parecia um maluco falando do nada, sozinho. Nisso, o senhorzinho cabeça-branca que estava na ponta do sofá subiu nas tamancas: “O senhor não vai acreditar que eu, aposentado do estado, não tenho reajuste há seis anos? Seis anos esperando um reajuste e nada”. Nisso, Norma, a fisioterapeuta, que preenchia fichas na mesa, levantou a cabeça e enfurecida, completou: “E eu? Vocês acreditam que o plano de saúde não reajusta há uma década o preço de minha comissão? Desde 1998 que eu ganho o mesmo pelas consultas”.
    Foi tão rápido e tão desesperador, que aquela saleta em Copacabana de repente era um microcosmo do Brasil, e com medo de que um sem-teto ou um sem-terra entrasse ali empunhando uma foice, subi o jornal e escondi minha cara atrás dele, esperando o Congresso Nacional aumentar rapidinho o salário dos políticos.



Milton Cunha é carnavalesco e Doutor em Ciência da Literatura pela UFRJ

segunda-feira, 13 de junho de 2011

Experimenta...

    Experimente você cortar uma árvore em frente à sua casa, até no quintal da sua casa, sem autorização do órgão público competente, para você ver o que te acontece.
    Pois é, mas estão cortando as árvores do terreno onde por muitos anos funcionou um estacionamento na Praça São Salvador, terreno este pertencente à Santa Casa de Misericórdia (ou não pertence mais?). Pelo que estou sabendo, ali será construído um edifício garagem.
    Mas, e as árvores? E o estudo de impacto ambiental?
    Na antiga praça São Salvador havia um pinheiro que tinha uma anomalia genética, lembram? A partir de um certo ponto do tronco, ele se bifurcava. Nem esta curiosidade impediu o seu corte, e a transformação da praça naquele rinque de patinação do inferno- experimente ficar de pe´ali, no meio da praça, ao sol do meio dia.

sábado, 11 de junho de 2011

Porque Hoje é Sábado...

Poema de Sábado



Cantar odes de amor
Nas horas de sábado.
Sentem os corações
os versos de luz
tatuados na alma.

Novas cores,
novas linhas
entre os olhos
e o horizonte.

Encontrar-se.

Revelar segredos
às pedras,
ouvir o mar.

Sonhar flores,
estrelas
nas águas
lavando
manhãs.



Raimundo Lonato
 
Fonte: http://poemasvirtual.blogspot.com/

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Coisas de Campos

    Hoje me encaminhei à bilheteria do Teatro Municipal Trianon para adquirir, por R$70,00 cada, três ingressos para a peça "Hermanoteu na Terra de Godah". Qual não foi minha surpresa ao me deparar com um cartaz que informava que o teatro não aceita cheque (até aí tudo bem), cartões de débito e crédito. Diante do meu espanto a bilheteira me orientou a procurar determinada loja do comércio, que está vendendo os ingressos.
    Chegando à mesma, com o cartão de débito em mãos, mais abismada fiquei ao ser informada que "ingressos só no dinheiro".
    No Rio de Janeiro os teatros vendem ingressos no cartão. Alguns chegam a disponibilizá-los na internet, com débito em conta, pagamento em boleto, etc..
    Sinceramente, acabei assistindo a peça no You Tube!

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Vídeo De Apoio Aos Bombeiros- Atores Globais

Poemas de Junho*

Chegam-me os poemas de Junho devagar
uma letra
depois outra…
Surpreende-me uma vogal
uma vírgula
Sinais de um tempo que se escreve
com palavras frias
mas aconchegantes
Frases inteiras por vezes
outras quebradas
vindas de longe
partidas pela viagem do sol
que deixa os dias mais curtos
são anúncio de um novo ciclo
ensinando a soletrar a vida
Que nos devolve o lugar de um qualquer objecto prosaico
que já teve outros lugares
noutros junhos



Luanda, Junho de 1998

*Manuel Dionísio*

*(poeta luso-angolano; poema inédito a publicar no seu próximo livro “Palavras como resgate”)
Fonte: http://malambas.blogspot.com/2007/06/poemas-de-junho.html

terça-feira, 7 de junho de 2011

O Segredo (Silvia Costa da Silva)

Muitas pessoas neste mundo questionam: qual o segredo?
Qual o segredo para ser feliz?
Qual o segredo para ser amado?
Qual o segredo para achar graça nas coisas?
Qual o segredo para ter esperanças no amanhã?
Qual o segredo para bem relacionar-se?
Qual o segredo?

Qual o segredo para envelhecer feliz?
Ou para não envelhecer?
Qual o segredo para sorrir mais do que chorar?
Ou para chorar com dignidade?
Para andar na chuva sem sentir frio?
Para sentir calor nos dias frios?
Qual o segredo?

Para olhar-se no espelho com satisfação?
Para ter autocrítica sem se ferir?
Para construir coisas belas de situações feias?
Qual o segredo para por em dia todas as coisas
Tendo sabedoria para descartar somente as desimportantes?

Qual o segredo?
Qual o segredo?

O segredo é não saber o segredo!
Viver não tem fórmulas.
O segredo é sentir que se descobriu o segredo
Quando geramos mais sorrisos do que críticas.
Aprendizados em conjunto.
Congraçamento de vontades, de sonhos, e por que não? De ilusões.

Neste momento, geralmente, pensamos na mesma canção
Que está na cabeça do amigo.
Cantarolamos do nada...

E muitas pessoas nesta hora questionam: ainda há segredo?

Para o governador Sérgio Cabral

    Com mais um episódio, neste país, onde o movimento reinvindicatório de servidores públicos foi encarado como ato criminoso (lembram do spray de pimenta nos professores da rede estadual?), a música do grupo Titãs, "Polícia", mostra-se mais atual do que nunca.

    Perguntar não ofende: se um policial deixar um criminoso mais de 2 horas preso em um camburão será acusado de desrespeitar os direitos humanos. Quanto tempo mesmo os bombeiros ficaram presos naqueles ônibus???
    ENQUANTO O POVO NÃO ENTENDER QUE O ESTADO EXISTE PARA SERVIR AO POVO, E NÃO O CONTRÁRIO, O BRASIL NÃO MUDA!!!!

"Dizem que ela existe pra ajudar

Dizem que ela existe pra proteger

Eu sei que ela pode te parar

Eu sei que ela pode te prender


Polícia! Para quem precisa!
Polícia! Para quem precisa de polícia!
Polícia! Para quem precisa!
Polícia! Para quem precisa de polícia!


Dizem pra você obedecer

Dizem pra você responder

Dizem pra você cooperar

Dizem pra você respeitar


Polícia! Para quem precisa!
Polícia! Para quem precisa de polícia!
Polícia! Para quem precisa!
Polícia! Para quem precisa de polícia! "



http://www.vagalume.com.br/titas/policia.html#ixzz1OblSh5vp

quarta-feira, 1 de junho de 2011

Medo da Eternidade (Clarice Lispector)

Jamais esquecerei o meu aflitivo e dramático contato com a eternidade.

Quando eu era muito pequena ainda não tinha provado chicles e mesmo em Recife falava-se pouco deles. Eu nem sabia bem de que espécie de bala ou bombom se tratava. Mesmo o dinheiro que eu tinha não dava para comprar: com o mesmo dinheiro eu lucraria não sei quantas balas.

Afinal minha irmã juntou dinheiro, comprou e ao sairmos de casa para a escola me explicou:

- Como não acaba? - Parei um instante na rua, perplexa.

- Não acaba nunca, e pronto.

- Eu estava boba: parecia-me ter sido transportada para o reino de histórias de príncipes e fadas. Peguei a pequena pastilha cor-de-rosa que representava o elixir do longo prazer. Examinei-a, quase não podia acreditar no milagre. Eu que, como outras crianças, às vezes tirava da boca uma bala ainda inteira, para chupar depois, só para fazê-la durar mais. E eis-me com aquela coisa cor-de-rosa, de aparência tão inocente, tornando possível o mundo impossível do qual já começara a me dar conta.

- Com delicadeza, terminei afinal pondo o chicle na boca.

- E agora que é que eu faço? - Perguntei para não errar no ritual que certamente deveira haver.

- Agora chupe o chicle para ir gostando do docinho dele, e só depois que passar o gosto você começa a mastigar. E aí mastiga a vida inteira. A menos que você perca, eu já perdi vários.

- Perder a eternidade? Nunca.

O adocicado do chicle era bonzinho, não podia dizer que era ótimo. E, ainda perplexa, encaminhávamo-nos para a escola.

- Acabou-se o docinho. E agora?

- Agora mastigue para sempre.

Assustei-me, não saberia dizer por quê. Comecei a mastigar e em breve tinha na boca aquele puxa-puxa cinzento de borracha que não tinha gosto de nada. Mastigava, mastigava. Mas me sentia contrafeita. Na verdade eu não estava gostando do gosto. E a vantagem de ser bala eterna me enchia de uma espécie de medo, como se tem diante da idéia de eternidade ou de infinito.

Eu não quis confessar que não estava à altura da eternidade. Que só me dava aflição. Enquanto isso, eu mastigava obedientemente, sem parar.

Até que não suportei mais, e, atrevessando o portão da escola, dei um jeito de o chicle mastigado cair no chão de areia.

- Olha só o que me aconteceu! - Disse eu em fingidos espanto e tristeza. - Agora não posso mastigar mais! A bala acabou!

- Já lhe disse - repetiu minha irmã - que ela não acaba nunca. Mas a gente às vezes perde. Até de noite a gente pode ir mastigando, mas para não engolir no sono a gente prega o chicle na cama. Não fique triste, um dia lhe dou outro, e esse você não perderá.

Eu estava envergonhada diante da bondade de minha irmã, envergonhada da mentira que pregara dizendo que o chicle caíra na boca por acaso.

Mas aliviada. Sem o peso da eternidade sobre mim.