terça-feira, 14 de junho de 2011

Sobre a paciência (Milton Cunha)

    Foi há anos. No jantar do rico para o governador, a mais espetacular vista da cidade se descortinava na varanda da cobertura. Eu havia feito a decoração do jantar e contratado os músicos que iriam alegrar o ambiente. Foi quando fui apresentado para a noiva do dono da casa, insossa senhorita, com ar distante e desprovido de vida, como só os humanos mal-amados são capazes (já notaram como uma boa pegada acende nas criaturas uma cara de “ui! como é bom viver e sentir aquilo?”). No meu ouvido disseram baixinho: “Ela presta consultoria para milionários, diz onde devem aplicar a dinheirama, ela é neta do ministro tal, tem acesso a informações privilegiadas, sabe qual vai valorizar no dia seguinte”. Câmera-lenta da angústia, quando um arrepio te eriça a nuca, e um líquido vem umedecer teus olhos.
    Morri de pena de mim e de todos os trabalhadores, casta que nem tem dinheiro sobrando nem tem acesso aos segredos que multiplicam, do nada, dinheiro parado, que não ajuda o País a crescer. Pensei em todas as criancinhas barrigudas e sem escola do Brasil, e uma revolta me aqueceu o espírito. Infelizmente, não podia jogar as bromélias nas caras dos desonestos, enfileirados em longos e blazers. Será que se eu e você estivéssemos na mesma posição, será que nós faríamos o mesmo? Será que é uma questão de onde, como e quando você nasceu? Será que isto é choro de não participante? Sei lá, só sei que deste jeito é mole. Consultoria, pois sim! Se tenho certeza não é consultoria, é informação desonesta e acabou.
    Corta! Hoje, tantos anos depois, sentado na sala de espera da fisioterapeuta sessentona e esperançosa, que canta e sorri abraçando o mundo, eu li que é só os bombeiros terem paciência que daqui a oito anos chegarão ao salário que querem. Não me contive, baixei o jornal e bradei para a galera que aguardava comigo: “Só daqui a oito anos, meu Deus, que pai espera oito anos para dar vida confortável para sua criança?” Foi mais forte que eu, parecia um maluco falando do nada, sozinho. Nisso, o senhorzinho cabeça-branca que estava na ponta do sofá subiu nas tamancas: “O senhor não vai acreditar que eu, aposentado do estado, não tenho reajuste há seis anos? Seis anos esperando um reajuste e nada”. Nisso, Norma, a fisioterapeuta, que preenchia fichas na mesa, levantou a cabeça e enfurecida, completou: “E eu? Vocês acreditam que o plano de saúde não reajusta há uma década o preço de minha comissão? Desde 1998 que eu ganho o mesmo pelas consultas”.
    Foi tão rápido e tão desesperador, que aquela saleta em Copacabana de repente era um microcosmo do Brasil, e com medo de que um sem-teto ou um sem-terra entrasse ali empunhando uma foice, subi o jornal e escondi minha cara atrás dele, esperando o Congresso Nacional aumentar rapidinho o salário dos políticos.



Milton Cunha é carnavalesco e Doutor em Ciência da Literatura pela UFRJ

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