quinta-feira, 27 de dezembro de 2012

A matemática é pop


Clarice Cardoso

Carta na Escola

Com visual incomum, ganhador da Medalha Fieds atrai a atenção do público leigo para um mundo que desbrava equações e dialoga com a arte. Foto: Amanda Perobelli

Sobre ele já se escreveu que parece ter saído de um filme de Tim Burton, o diretor de A Fantástica Fábrica de Chocolate, e que, pelo estilo peculiar com que costuma se vestir, seria uma espécie de Lady Gaga da Matemática. Mas, mais do que dos ternos ou do broche de aranha que leva sempre na lapela, vale falar, quando se trata de Cédric Villani, da paixão que transmite pela Matemática e da facilidade com que prende a atenção do espectador mais leigo para questões e problemas que por anos intrigaram cientistas e pensadores.
Um dos mais importantes pensadores contemporâneos da área, o francês tem de fato um visual peculiar, mas, se este lhe rendeu certa fama midiática ao redor do mundo, foi pela capacidade de raciocínio que recebeu em 2010 a Medalha Fields, atribuída pela União Internacional de Matemática e maior distinção no ramo, comparável a um Prêmio Nobel.
De passagem pelo Brasil no mês agosto, o professor da Universidade de Lyon e diretor do Instituto Henry Poincaré falou a um grupo composto em sua maioria de jovens do Ensino Médio sobre conceitos complexos usando a arte e o cotidiano como caminhos para transmitir-lhes seus conhecimentos.
Carta na Escola, fala sobre sua carreira e do que configura uma boa formação Matemática: “Pesquisadores têm um trabalho muito interessante e intenso, lutamos batalhas épicas todos os dias, do tipo que não é mais comum nas sociedades ocidentais. São os aventureiros dos nossos dias, mesmo que estas sejam aventuras vividas em seus cérebros ou em pedaços de papel”.
Carta na Escola: Apelidos como “Lady Gaga da Matemática” não são comumente conferidos a matemáticos. Como é sua relação com a alcunha?
Cédric Villani: Um repórter perguntou como eu explicava minha popularidade, ainda mais num país com tantos bons matemáticos, alguns dos quais com trabalhos de muito mais impacto que o meu. Por que Villani, em vez de fulano ou beltrano? Respondi que isso se dava em parte por questões triviais, especialmente pelo meu modo de vestir. Disse que as pessoas prestam muita atenção às roupas e à aparência externa na hora de formar uma opinião, e citei a popularidade da Lady Gaga para ilustrar esse raciocínio. Então, sim, você pode pensar em mim como uma Lady Gaga do mundo matemático. O jornalista gostou da associação e colocou-a no título da reportagem, que gerou relações de todo tipo. Parte dos meus colegas sentiu-se ofendida pela imagem que eu estava associando à Matemática, outros interpretaram como uma forma de eu marcar minhas singularidades ou me colocar em destaque. Os matemáticos mais jovens não viram tanto problema. De qualquer forma, realmente acho que foi um bom título, porque chamou a atenção de muitas pessoas ao usar um elemento familiar (Lady Gaga) para falar de outro menos familiar (um matemático). O título tem sido muito eficiente para me popularizar fora da França.

CE: Essa popularidade não é algo usual para um matemático. Pode-se dizer que sua persona pop é um modo de interessar o público leigo em Matemática e em Ciência como um todo?
CV: Não é algo comum mesmo. Alguns colegas que tiveram oportunidades assim preferiram recusar a publicidade e a mídia por não se sentir à vontade com isso. Acho que tem a ver, sim, com o modo como me apresento e pode-se chegar a dizer que, a posteriori, foi uma forma de atrair as pessoas para a Matemática e a Ciência, mas não foi a minha intenção. Na verdade, comecei a me vestir assim muito antes de conseguir atenção da mídia. Quando inventei esse look, por volta dos 20 anos, eu certamente não imaginava que, tempos mais tarde, me tornaria conhecido em diversos países como a Lady Gaga da Matemática (risos). Ainda assim, posso dizer que ter essa aparência é uma poderosa ferramenta social, várias vezes, ao longo dos anos, muitos estranhos vieram conversar comigo por conta disso.

CE: Em sua apresentação em São Paulo, o senhor mostrou a imagem de uma cena aparentemente bucólica, um coelho no campo, coberta de equações (ao lado) e brincou que era como os cientistas viam o mundo, por meio das fórmulas. O quanto há de verdade nisso?
CV: É em parte o modo como vejo a vida, mas apenas parte dele. Em primeiro lugar, porque é fácil desligar esse jeito de pensar por equações. Depois, porque a maior parte dos fenômenos são tão loucamente complicados que você não consegue pensar numa equação ou combinação de equações neles envolvida. Finalmente, esse modo de abordar as situações não costuma ser muito eficiente na vida cotidiana. O mundo à nossa volta é muito complexo e compreendê-lo por sua lógica é algo monstruoso, muito complicado. Temos, em vez disso, uma bela ferramenta para apreender a vida que são as emoções, os sentimentos e os reflexos. São muito mais elementares, ou “brutos”, que as equações, mas mais eficientes. Ainda assim, a Matemática é uma linguagem mais ou menos secreta dependendo do seu grau de familiaridade com ela. É quase como a música, que você pode escutar de um jeito ingênuo, despreocupado, ou com os ouvidos de um especialista, reconhecendo acordes, harmonias, ritmos. Se realmente queremos entender o mundo, precisamos da Matemática direta ou indiretamente.

CE: Esse tipo de demonstração, que usa arte e música, é bastante atrativo para o público leigo. É uma estratégia que pode ser usada por professores?
CV: Sim, para atrair as pessoas, use trabalhos artísticos, comentários históricos e, mais frequentemente, transmita sensações e emoções. Isso abrirá a mente das pessoas antes mesmo de elas ouvirem sua mensagem. Arte e História são provavelmente os dois métodos mais utilizados, mas isso também pode ser feito a partir de algum elemento familiar. Por exemplo, eu tenho uma palestra que é toda centrada no morcego e no que há de matemático nele. Pode soar estranho, mas o morcego é um conceito familiar o bastante para atrair as pessoas e, a partir dele, consigo passar explicações sobre conceitos bem mais complexos.

CE: Normalmente, a Matemática é o assunto em que os alunos encontram as maiores dificuldades nas escolas e, no Brasil, as notas mais baixas em avaliações. Em sua opinião, a que isso se deve?
CV: A Matemática tem de fato um status especial por se basear no raciocínio abstrato. Um pensamento negativo a priori, como achar que é difícil antes mesmo de tentar entender, certamente não ajuda. Não me atrevo a analisar o desempenho do Brasil nessa questão ou em rankings como o Pisa, que tem suas falhas, mas a questão-chave é criar uma atmosfera em que os alunos se sintam felizes e à vontade para, cada um a seu tempo, entender novos conceitos abstratos, o motivo de terem sido introduzidos, e aprender a unir conceitos e noções de uma forma coesa, construída e lógica.

CE: É possível, ou antes, desejável introduzir conceitos mais avançados na escola?
CV:É possível e também desejável, porém, apenas até certo ponto e sem criar confusões com o objetivo final. Treinar o espírito matemático nos alunos pode ser feito com ferramentas simples, e é possível desenvolver essa qualidade usando uma Matemática que tem milhares de anos. Por outro lado, é bom que os alunos estejam cientes de que a disciplina é viva e mutante, que tem efeito nas nossas vidas, especialmente no que diz respeito à tecnologia.

CE: Quais são as principais características para ensinar bem a Matemática?
CV: O professor de Matemática deve ser alguém apaixonado e capaz de atiçar a curiosidade do aluno. Mas, ao mesmo tempo, é preciso ter cuidado para não espalhar demais as coisas e as mensagens, ter sempre em mente que o objetivo principal é fazer com que os alunos aprendam a pensar de forma lógica, como pesquisador, com concentração, para entender o que estão usando e computando. É essencial, como para qualquer docente, ter empatia com os alunos. Porém, não se pode colocar todo o peso do lado dos professores. A qualidade do processo de ensino e aprendizagem depende, e muito, do nível de atenção, concentração e boa vontade do estudante. De forma geral, acredito que uma boa formação é a que mostra que a Matemática está em toda parte, que o mundo está repleto de questões e problemas matemáticos que, ao menos por enquanto, ninguém pode resolver. Parece incrível que, pelo raciocínio lógico, podemos compreender fenômenos naturais.

CE: Quando fala de seu passado escolar, o senhor costuma dizer que não houve um momento de grande revelação em que descobriu a Matemática, mas que, antes, sempre foi um interesse pessoal muito forte. Contudo, que momentos o marcaram no desenvolvimento dessa paixão?
CV: Apesar de nunca ter havido um momento “eureca”, alguns professores tiveram influência tremenda. Lembro especialmente dos que tive aos 13, 14 anos, que são aqueles que mostram aos alunos como um exercício matemático pode ser brincalhão ou emocional, o suspense que há dentro deles. Eles nos dão exercícios que podemos explorar por conta própria, sentindo pela primeira vez a centelha da emoção que move a pesquisa. Nessa idade, tinha um pequeno caderno em que recolhia teoremas de que gostava da geometria euclidiana. São memórias muito boas. Depois, no Ensino Médio, sofri um grande choque nos cursos preparatórios, em que os “bons” alunos eram agrupados. Ver-me junto de tantos nerds foi algo importante, pois acrescentou um fator social, a ideia de um objetivo comum. Então, na Escola Normal Superior de Paris, vivi um período importante de abertura, mas o mais dramático foi o contato com alunos de áreas não Matemáticas, como Literatura, História etc. Finalmente, meu ph.D., que defendi aos 25 anos, provavelmente o evento mais dramático na vida de um pesquisador, foi uma espécie de renascimento em que você começa a dar passos em territórios inexplorados. Pela primeira vez, você está em busca de coisas pelas quais ninguém mais procurou antes. Foi quando me tornei obcecado por certos problemas e equações.



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