quarta-feira, 11 de janeiro de 2012

Antígona e a lei

João Batista Damasceno
Fonte: O Dia

      Rio - Operária de indústria têxtil acidentou-se em 1960. Com traumatismo craniano, perdeu a memória. Pobre, com problema neural, foi considerada louca e submetida a tratamento psiquiátrico. Em 1973 ajuizou ação acidentária. Juiz que despachou inicialmente no processo não o julgou. Seguiu carreira, chegou a tribunal, proferiu voto de minerva absolvendo governador e teve familiar nomeado sem concurso para o cargo de desembargador pelo quinto constitucional.
      Ação fora proposta na comarca do acidente. Em 1999 houve declínio de competência, remessa do processo, para a comarca onde a operária morava. O réu não impugnara a escolha da comarca do local do trabalho e o processo deveria permanecer onde começara. Mas o juiz que o recebeu não buscou sua restituição à origem. Podia, mas não tinha o dever de fazê-lo.
      A seguradora privada, pois eram privados os seguros de trabalho antes da instituição do INSS, alegava prescrição. Mas no Código Civil de 1916 não corria a prescrição contra loucos de todo gênero, sem fazer distinção entre psiquiatria e neurologia. O pedido foi julgado procedente em fevereiro de 2000. A autora morreu em outubro do mesmo ano, antes de ver confirmada pelo tribunal a sentença que lhe dera ganho de causa.
      Decorridos 10 anos, juíza que declinara de outros processos disse que o fazia pois ‘entendia’ poder fazê-lo. Estranho este poder das autoridades e agentes de autoridade de formular ‘entendimentos’ à margem da lei.
      Édipo, sem saber quem eram, matou o pai e casou com a mãe. Ao descobrir, furou os olhos e partiu de Tebas. Sua filha Antígona, proibida por Creonte, sucessor do trono, de sepultar o irmão Polinices, o sepultou. Alegou que acima da lei de Tebas há a lei da dignidade humana que veda um cadáver insepulto. Antígona desafiou a ordem vigente, mas seu enfrentamento era fundamentado na lei da dignidade da pessoa humana, elevada pela Constituição a fundamento da República.



João Batista Damasceno é cientista político e juiz de Direito. Membro da Associação Juízes para a Democracia

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