terça-feira, 31 de janeiro de 2012

A coluna da pilastra

Milton Cunha, O Dia

      Rio -  ‘Sempre que a porta do elevador se abria eu me assustava porque via um andar inteiro, um grande vão, sem nenhuma pilastra”, disse alguém do prédio que desabou. Fundamental elemento de sustentação tão martirizado por ser duro e feio, estar sempre no meio do caminho, atrapalhando a vista. Sem ela, só com poderosíssimo concreto na arquitetura contemporânea, para sustentar o vazio. Mas eu sou do tempo em que tinha que ter pilastras e aprendi a enfeitá-las para disfarçar. Não podíamos tirá-las de lá. Tínhamos que minimizar sua interferência, aprender a conviver com elas: eu via o vão sem elas, eu imaginava o todo subtraindo aquele trambolho. E sempre percebi que eu tinha que ter pilastras na alma, para continuar de pé. E me fiz prédio, conhecedor de minhas pilastras-morais, meu código de ética, minhas crenças, meu respeito pelo que me edifica. E cinquentão agradeço a cada pilastra que não arranquei, que brecou o meu caminho em linha reta, me fazendo ponderar questões que me desestruturariam ou me colocariam em risco. Sobrevivi ao desbunde do sexo promíscuo nos anos oitenta, quando cheguei de pau de arara jovem, gostosinho e paupérrimo, porque aquilo dilacerava minha alma. Recusei as bandejas de cocaína nas festas dos anos noventa pelo simples fato de já conhecer de perto a minha pilastra da loucura. Mas conheço o torpor do álcool, pois minha pilastra pinguça é fortíssima. Jogo de estica e puxa, de conceder e negar, tudo diante da extraordinária existência da moralidade, no meu caso muito individual, pois recusei as artificiais pilastras que o senso-comum ou a religião queriam fincar em mim, mas sabia que só sobreviveria se tivesse minhas pilastras pessoais. Elas atrapalham porque freiam, mas nos tornam civilizados. Desejo boa sorte aos que sobrevivem e são felizes sem pilastras, mas preciso escutar minha voz da consciência para sair vivendo. Carrego minha história e minhas crenças na engenharia do coração, convivo com minha “empena-cega” que é aquele lado de mim onde estão fantasmas que de vez em quando vêm comigo dançar. Estão lá, e não posso arrombar janelas e paredes para destruí-los, isto comprometeria a estrutura. E graças a Deus tem a negociação possível de arrancar uma coluna desnecessária construindo uma poderosa cinta de concreto entre duas outras: é quando concluímos que temos que abandonar um preconceito. Ser humano é ser robusto e sustentável e, sempre que começamos a ouvir marretas e quebra-quebra, devemos chamar síndico, órgãos fiscalizadores e, se possível, nós mesmos irmos lá dar uma olhadela e ver quem, como e pra que está mudando o que foi projetado.

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