domingo, 8 de janeiro de 2012

Hannah Arendt, verdade e política

Antonio Ozaí da Silva
Fonte: http://antoniozai.wordpress.com/

      Hannah Arendt, na obra Entre o passado e o futuro, observa que Verdade e Política são, em geral, incompatíveis. Em suas palavras   
      " Ou seja, pode até haver interpretações e opiniões diferentes, mas elas não poderão dizer que o que ocorreu não ocorreu. Então, sai-se do âmbito da história e degenera-se na falsificação histórica, na negação dos fatos. Como salienta Arendt, “a persuasão e a violência podem destruir a verdade, não substituí-la” (p. 320).

      “Jamais alguém pôs em dúvida que verdade e política não se dão muito bem uma com a outra, e até hoje ninguém, que eu saiba, incluiu entre as virtudes políticas a sinceridade. Sempre se consideraram as mentiras como ferramentas necessárias e justificáveis ao ofício não só do político ou do demagogo, como também do estadista. Por que é assim?” (p. 283) *

      Essa é uma questão filosófica e histórica antiga. Arendt exemplifica com o resgate do mito da caverna de Platão. O ser humano prefere a ilusão à verdade. Na política, como no cotidiano, a verdade pode se tornar insuportável. No fundo, é o velho problema das relações entre os meios e os fins, como bem analisou Maquiavel.
      A autora observa que existem a verdade filosófica e a verdade fatual. A primeira é, em geral, restrita ao plano do indivíduo (filósofo) e só tem eficácia quando, inserida no espaço público, torna-se opinião. A segunda, diz respeitos aos fatos, mas estes podem ser interpretados. Eis um tema polêmico: “Mas os fatos realmente existem, independentes de opinião e interpretação? Não demonstraram gerações de historiadores e filósofos da história a impossibilidade da determinação dos fatos sem interpretação (…)?” (p. 296)

 
      A autora defende a existência da matéria factual e, neste sentido, rompe com o relativismo dos que vêem os fatos e a história apenas sobre a ótica das interpretações. A possibilidade de interpretar não justifica que a manipulação dos fatos pelo historiador signifique a sua anulação (como no romance de George Orwell, 1984). Quando os fatos são manipulados, rompe-se até mesmo o direito à interpretações diferentes e cai-se na pura e simples falsificação, mentira. A interpretação é uma forma de reorganizar os fatos de acordo com uma perspectiva específica. Este procedimento é muito diverso do manuseio da matéria factual à maneira das ideologias autoritárias como o stalinismo, nazismo e fascismo.
      Para ilustrar, Hannah Arendt conta que Clemenceau, ao ser perguntado sobre como os historiadores iriam interpretar quem teria a culpa pela Primeira Guerra Mundial, respondeu:

“ – Isso não sei. Mas tenho certeza de que eles não dirão que a Bélgica invadiu a Alemanha.” (p. 296)


      A mentira política, antes própria dos espaços diplomáticos, generalizou-se; o mentiroso diplomata não perde a noção da verdade (mente em determinadas circunstâncias e sabe que mentir é parte do jogo); a mentira moderna confunde-se com a verdade e o mentiroso perde a noção dos limites: ele próprio passa a acreditar na mentira que apregoa.
      Sim, a política é o âmbito dos interesses parciais e particularistas em confronto; os quais precisam da áurea do bem-comum e do universalismo. Na política, o que importa são os resultados; a mentira, em geral, prevalece. Não obstante, ela tem significados positivos. Arendt refere-se à “recompensadora alegria que surge de estar em companhia de nossos semelhantes, de agir conjuntamente e aparecer em público; de nos inserirmos no mundo pela palavra e pelas ações, adquirindo e sustentando assim nossa identidade pessoal e iniciando algo inteiramente novo.” A ação política, apesar dessa grandeza, tem limites, pois “não abarca a totalidade da existência do homem e do mundo” (p. 325). Há coisas que a vontade humana não pode modificar e aí cessa a influência e o poder da política.


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* ARENDT, Hannah. Entre o passado e o futuro. São Paulo, Editora Perspectiva, 2001.

COMENTÁRIO DO BLOG: contextualizando Campos dos Goytacazes, era a estrada um dique? De quem era a responsabilidade pela não repetição dos mesmos acontecimentos? Perguntas, perguntas...

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