domingo, 29 de janeiro de 2012

Salvar vidas ou o capital?

Frei Betto, O Dia

      Rio - Quatro dias antes do Natal, 523 instituições financeiras europeias mereceram o melhor papai-noel do mundo: 489 bilhões de euros, o equivalente a R$ 1,23 trilhão, emprestados pelo BCE (Banco Central Europeu) a juros de 1% ao ano!
      Curiosa, a lógica do sistema capitalista: nunca há recursos para salvar vidas, erradicar a fome, reduzir a degradação ambiental, produzir medicamentos. Mas, em se tratando da saúde dos bancos, o dinheiro aparece num passe de mágica!
      Quais os fundamentos dessa lógica que considera mais importante salvar o Mercado que vidas humanas? Assim, a morte provocada, fruto do desinteresse do Mercado por vidas humanas, passa a integrar a lógica do poder.
      Essa é a lógica do patrão que sonega o salário de seus empregados, sob pretexto de capitalizar e multiplicar a prosperidade geral, criando mais empregos. E leva os governos a responsabilizar as greves pelo caos econômico, mesmo sabendo que resultam dos baixos salários pagos aos que tanto trabalham sem ao menos a recompensa de uma vida digna.
      O espantoso dessa lógica é admitir a morte anunciada. Mata-se cruelmente através do corte de subsídios a programas sociais; da desregulamentação das relações trabalhistas; do incentivo ao desemprego; dos ajustes fiscais draconianos; da recusa de conceder aos aposentados a qualidade de uma velhice decente.
      A lógica cotidiana do assassinato é sutil. Aqueles que têm admitem como natural a despossessão dos que não têm. Qualquer ameaça à lógica cumulativa do sistema é uma ofensa ao deus da liberdade ocidental ou da livre iniciativa. Se não mudarmos de território — sobretudo no modo de encarar a realidade —, continuaremos empenhados em salvar o capital, não vidas, e muito menos a saúde do planeta.

Frei Betto é escritor, autor de ‘Sinfonia Universal: a cosmovisão de Teilhard de Chardin’

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