sábado, 7 de janeiro de 2012

Foi Avisado...

      Eis o relatório de vistoria por Athur Soffiati Neto, Doutor em História Ambiental, sobre as lagoas entre Outeiro a nossa cidade.
     Fonte: http://pt.scribd.com/doc/77406474/Relatorio-de-Vistoria-a-Lagoas-Entre-Outeiro

      RELATÓRIO DE VISTORIA A LAGOAS ENTRE OUTEIRO (CARDOSOMOREIRA) E A CIDADE DE CAMPOS Arthur Soffiati Por solicitação do Promotor de Justiça Dr. Marcelo Lessa Bastos, vistoriei, no dia 24 de dezembro, acompanhado por dois integrantes do Grupo de Apoio Policial do Ministério Público Estadual, as lagoas da Onça, do Lameiro, do Maranhão (ou da BoaVista), Limpa, um banhado ao lado desta, do Jacu e do Cantagalo.A finalidade prioritária da vistoria teve por objetivo examinar se tais lagoas estavam funcionando como áreas de escape para as águas resultantes das abundantes chuvas que atingiram a bacia do Rio Paraíba do Sul, notadamente o Rio Muriaé, último dos seus afluentes. O resultado sumário da vistoria é relatado a seguir.

Lagoa da Onça

      É a única lagoa do norte-fluminense embutida entre a zona serrana e o tabuleiro.Era alimentada pelo Rio da Onça, que desembocava nela pela extremidade leste e defluía pela extremidade oeste em direção ao Rio Muriaé. Era famosa por sua profundidade e biodiversidade, sobretudo com relação à ictiofauna, o que permitia uma intensa economia pesqueira. Além do mais, apresentava uma grande capacidade de área de escape para águas de cheia, que subiam o curso inferior do Rio da Onça e alojavam-se em sua imensa caixa.Por ação do Departamento Nacional de Obras e Saneamento (DNOS), a Lagoa da Onça foi totalmente drenada e entregue ao cultivo de cana. A Usina de Outeiro foi a grande beneficiária de tal ação. Com sua falência, o leito seco da lagoa foi arrendado à Usina Sapucaia, que o mantém fechado para o cultivo canavieiro.Em 1997, as chuvas surpreenderam a empresa Sapucaia e encheram a caixa da lagoa. No entanto, uma operação rápida da usina possibilitou o completo esvaziamento da caixa. Na cheia de dezembro de 2008, as águas do Rio Muriaé avançaram pelo baixo curso do Canal da Onça e, encontrando o sistema de comportas e diques que protege o leito plantado da lagoa, extravasaram em área baixa e atingiram a localidade de Três Vendas, que, no dia da vistoria, já com as águas do Muriaé baixando, continuava semi-submersa. Por outro lado, o canavial da usina estava fortemente protegido da cheia.

Lagoa do Lameiro

      Passou por processo semelhante ao da Lagoa da Onça. O DNOS favoreceu a atividade agropecuária construindo um sistema de drenagem. Houve, porém, conflitos entre os interesses de pequenos produtores rurais e os da Usina Sapucaia, conflito que buscou solução em juízo. A sentença foi favorável à Usina de Sapucaia no que concerne à acusação imputada a ela de ter drenado a lagoa, mas não esclareceu a questão da propriedade das terras oriundas da drenagem. Na vistoria, constatou-se que as águas do Rio Muriaé, ao subirem em direção à lagoa, encontraram a barragem representada pela rodovia BR-356 e pelo sistema de comportas, alcançando a lagoa por um ponto baixo da estrada e rompendo a comporta.Relatou uma moradora de suas margens que a enxurrada parecia o avanço do mar.Informou também que a usina tentou, em vão, impedir o avanço da água pela comporta.Com o refluxo do Rio Muriaé, as águas excedentes da lagoa estão voltando ao leito do rio pelo caminho da estrada. A superfície da lagoa tende a estabilizar-se quando seu nível igualar-se ao do Muriaé. Ficou claro que a lagoa oscila segundo o rio e funciona como área de escape. Na segunda vistoria, empreendida no dia 7 de janeiro de 2009, o Rio Muriaé voltara a subir com mais virulência do que em dezembro e transpassou a rodovia no ponto central da depressão, correndo velozmente para a Lagoa do Lameiro. Houvesse uma passagem adequada, as águas poderiam fluir para a lagoa, sem prejuízos à estrada.Como o fluxo se apresentou na forma de volumosa enxurrada, o sistema apropriado para a ligação entre o rio e a lagoa é uma ponte, em não bueiros celulares.

Lagoa do Maranhão ou da Boa Vista

      Trata-se de outro sistema hídrico totalmente drenado e ocupado por canaviais.Mais que lagoa, é uma extensa várzea bem típica do Rio Muriaé, que contém muitas outras. Estas várzeas foram exaltadas por viajantes e pesquisadores. No entanto, a BR-356 isolou-as do rio, formando entre este e elas uma barreira sem passagens sob a rodovia que permitam a circulação hídrica. No caso deste sistema, não há uma comporta para escoamento de águas indesejáveis ao ruralista, mas uma bomba que retira a água acumulada dentro dele para o Rio Muriaé.A vistoria mostrou que a várzea não foi atingida pela cheia, estando seus canaviais intactos. Um sistema controlado de circulação de águas teria recriado uma enorme área de escape e contribuído para mitigar o impacto da cheia. Na segunda vistoria, em 7 de janeiro de 2008, ela continuava imune às cheias.

Lagoa Limpa

      O novo Plano Diretor de Campos prevê a implantação de uma unidade de conservação para proteger esta magnífica lagoa, embutida numa depressão de tabuleiro.Ela conta ainda com uma delgada mata ciliar, que pode se tornar mais larga, mediante um processo de restauração e revitalização vegetacional. Existe um canal a ligá-la ao Rio Muriaé denominado Canal do Cavalo Baio. Uma comporta, que não funciona há cinco anos, segundo informação de pessoa do local, impede a comunicação entre rio e lagoa nos dois sentidos. Na vistoria, constatou-se que o nível da lagoa subiu quer por chuvas quer por percolação de águas do rio. Contudo, o transbordamento não chegou a ela superficialmente, pois a comporta emperrada não o permitiu. Se ela estivesse funcionando, as águas da cheia teriam avançado até a caixa da lagoa, que ainda conta com excepcional área de escape. Encontrando resistência da comporta, as águas do Muriaé entraram no curso inferior do Canal do Cavalo Baio e transbordaram a ponto deformar um banhado na margem esquerda da lagoa, também ele um excelente reservatório d’água. Um morador local informou que a Usina de Sapucaia tenciona drenar imediatamente, por meio de bombas, as águas do banhado, que, outrora, deveria ser uma extensa várzea do rio. Na segunda vistoria, dia 7 de janeiro de 2009, este banhado estava absorvendo águas do rio, que transbordara em dois pontos da BR-356. Estes pontos devem ser marcados para a construção de dois grandes sistemas de comportas que possam ser abertos com os alagamentos para a circulação livre da água à montante e a jusante e para sua retenção no banhado, bem mais propício a culturas de ciclo que curto que acanaviais e a pastos.

Lagoa do Jacu

      Na periferia da área urbanizada de Campos, esta lagoa era uma várzea do Rio Paraíba do Sul que foi separada dele pela BR-356. No entanto, uma comporta foi construída sob a rodovia para circulação de água. Na vistoria, verificou-se que a lagoa apresenta um nível baixo e que águas do Rio Paraíba do Sul poderiam ter sido transferidas para ela até o ponto de não afetar nenhuma comunidade. Todavia, esta medida não foi tomada.

Lagoa do Cantagalo

      Integrante do sistema da Lagoa das Pedras, esta lagoa foi drenada totalmente e sofre pressão da expansão urbana desordenada pelo Parque São José, em Guarus. Em alusão ao bairro, hoje, a antiga e imensa Lagoa do Cantagalo é conhecida como Brejo de São José. Existe uma comunicação entre ele e o Rio Paraíba do Sul por um canal. Na cheia de janeiro de 2007, as águas ultrapassaram a BR-356 e entraram na área,demonstrando que, no passado, era uma lagoa, como mostram mapas antigos. Na vistoria, observou-se que a área está seca e que poderia perfeitamente absorver água de cheia, tanto do Rio Paraíba do Sul quanto da Lagoa das Pedras, até o ponto de não afetar os moradores de suas margens. Contudo, esta medida não foi tomada pelo poder público municipal.

Os casos de Cardoso Moreira, Três Vendas e Sapucaia

      Dos três núcleos habitacionais, o mais afetado pela estação das chuvas é, sem dúvida, a sede do município de Cardoso Moreira. A cidade ergueu-se, progressivamente, sobre o leito de cheia do Rio Muriaé em ambas as margens, sendo que a parte maior do espaço urbano situa-se na margem esquerda. Cercam-na colinas impróprias ao escape de águas extraordinárias, impondo-lhes o Rio Muriaé como única saída para elas. Nem a BR-356 exerce qualquer papel de dique, ainda que precário, pois corre sobre parte elevada à margem direita do rio. Na cheia de 2008/2009, a cidade foi alagada quatro vezes, alcançando 90% de sua malha urbana. Foi, sem dúvida, o caso mais grave de todos os 22 municípios da região norte - noroeste fluminense.Três Vendas é um povoado de Campos dos Goytacazes nos limites entre este município e o de Cardoso Moreira. Ele cresceu nos últimos vinte anos sobre uma grande várzea de inundação do Rio Muriaé, chegando, hoje, a cerca de 500 casas construídas com omissão ou apoio direto do poder público municipal. Por estar localizada atrás daBR-356, seus moradores iludiram-se quanto à proteção que ela podia lhes proporcionar,ainda mais reforçada por um dique construído pela Usina Sapucaia na margem esquerda do Rio Muriaé com função de proteger os canaviais da empresa.Sucede que as cheias do rio, ano a ano, estão se tornando cada vez mais volumosas e rompem o dique. As águas avançam rapidamente sobre a várzea em direção à rodovia. Esta tem resistido, até hoje, à pressão hídrica. No entanto, as águas transpõem a estrada e alagam o povoado, causando muitas perdas materiais a seus moradores e graves problemas de saúde, pois, ao descer o nível do Muriaé, as águas da cheia ficam retidas pela estrada, que se torna um dique. O escoamento fazia-se lenta e precariamente por um canal com manilhas subdimensionada.Por ação do Departamento Nacional de Infraestrura e por solicitação doMinistério Público Estadual, na pessoa do Promotor de Justiça Marcelo Lessa Bastos, o trecho da estrada sobre o canal foi rompido para escoar mais rapidamente as águas estagnadas e pútridas. Desde o princípio, houve consciência de que esta medida era provisória e mitigadora, pois não evita novas cheias na localidade. Apenas diminui o tempo de residência das águas. Além do mais, com a subida do nível do rio, o vão poderia facilitar o avanço da cheia sobre a localidade. Foi o que aconteceu com uma nova elevação do rio, tornando-se necessária a obstrução do vão com terra. Na vistoria do dia 7 de janeiro de 2009, não sendo possível chegar a Três Vendas pelo grande volume d’água que ultrapassou a BR-356, detivemo-nos na localidade de Sapucaia. A usina estava cercada pelas águas do Rio Muriaé, conquanto o dique em sua margem esquerda continuasse resistindo à pressão hídrica. Conversando com os moradores do povoado de Sapucaia, que já conta com 300 casas, segundo moradores dela, verificamos que seu grande medo era rompimento do dique, pois, neste caso, as águas represadas alagariam com grande ímpeto e rapidez sobre as habitações.Se, em Cardoso Moreira, a cidade está completamente desprotegida pela estrada e por diques; se, em Três Vendas, o núcleo habitacional conta com os dois tipos de proteção,que, no entanto, revelam-se insuficientes, em Sapucaia, a localidade situa-se entre a BR-356 e o dique construído junto á margem esquerda do Rio Muriaé. Caso haja rompimento deste segundo, o povoado sofrerá grande impacto das cheias.

Considerações finais

1- As águas que transbordaram pela margem esquerda do Rio Muriaé foram contidas pela BR-356 ou pelos sistemas de contenção instalados em lagoas e várzeas,espalhando-se entre a margem do rio, estrada e comportas.

2- Os pontos mais críticos de alagamento, pela ótica social, foram a cidade de Cardoso Moreira e as localidades de Três Vendas e Sapucaia.

3- Cumpre observar que as áreas baixas onde se ergueram estes núcleos urbanos contribuíram para o alagamento.

4- Parece não haver dúvida de que o impacto da cheia seria nulo ou mitigado caso as lagoas e as várzeas estivessem livres para absorver as águas da cheia, pois elas próprias apontaram o caminho que costumavam seguir.

5- Os governos municipais estão despreparados para lidar com situações de cheia, pois costumam entender tais fenômenos como inevitáveis fatalidades, olhando mais para o céu do que para a terra, privilegiando mais o imediato que o mediato.

Propostas

1- Em caráter imediato, impedir que as águas contidas nas Lagoas do Lameiro (depois que elas se nivelarem com o rio e se estabilizarem) e Limpa, bem como no banhado formado à margem esquerda desta, sejam drenadas por qualquer meio para o Rio Muriaé, até melhor exame da situação.

2- Examinar as comportas das Lagoas da Onça, do Lameiro, Limpa, do Jacu e do Cantagalo para o devido manejo, reparos e substituições necessários, a fim de que elas possam ser ativadas em caso de novas chuvas abundantes

.3- No caso da Lagoa do Maranhão ou da Boa Vista, é preciso construir um sistema de circulação de águas sob a BR-356, ainda que com prejuízo do canavial nela cultivado.

4- Se e quando as águas ocuparem estas áreas de escape, convém mantê-las aprisionada sem nível a ser estudado, durante o ano todo, recuperando, assim, a função que lhes foi subtraída de pesqueiros e ecossistemas.

5- Nos pontos em que a cheia ultrapassou ou rompeu a estrada para alcançar seu antigo leito de cheia, o correto é demarcar o perímetro deixado como registro pelas águas e construir um sistema de circulação que, no mínimo, tenha a largura da transgressão hídrica para não estreitar a seção da passagem. Esta é a situação da várzea em que se assentam Três Vendas e Sapucaia, na verdade uma várzea de escape para as águas dorio que foi ocupada pelo canavial e pelo núcleo urbano. Além do mais,a rodovia BR-356, deve ser nivelada em cota alta, pelo menos na área de várzeas, com sistemas adequados para a circulação de águas.

6- Proceder ao exame dos títulos de propriedade dos leitos das Lagoas da Onça, do Lameiro, do Maranhão e do banhado à esquerda da Lagoa Limpa.

7- Providenciar a transferência progressiva de Cardoso Moreira, Três Vendas e Sapucaia para pontos altos de colina, a fim de livrar definitivamente estas unidades urbanas de impactos de cheia horizontal, como já vêm fazendo algumas pessoas, por conta própria, que aprenderam a inutilidade de desafiar o rio. No próximo período de estiagem, o poder público municipal de Campos deve se empenhar na construção de dois conjuntos habitacionais em áreas elevadas próximas aos atuais povoados e demolir as casas de Três Vendas e de Sapucaia construídas na várzea. Evidente que os novos povoados deverão contar com captação, estação de tratamento e rede de distribuição de água a partir do Rio Muriaé. Deverá contar também com rede de coleta e estação de tratamento de esgoto, além de galerias de águas pluviais.

8- Cana e gado não são atividades corretas para as baixadas de várzeas. As atividades econômicas mais apropriadas para este ambiente são as culturas de ciclo curto(praticadas entre os períodos de cheias) e a rizicultura.



Salvo melhor juízo, este é o parecer do relator.Aristides Arthur Soffiati Netto, Doutor em História Ambiental e Professor Adjunto IV da Universidade Federal Fluminense/Campos Campos dos Goytacazes, 25 de dezembro de 2008/12 de janeiro de 2009

Anexos


Principais sistemas hídricos à margem esquerda do trecho baixo dos Rios Muriaé e Paraíba do Sul
1- Rio Muriaé
2- Rio Paraíba do Sul
3- Lagoa da Onça
4- Lagoa do Lameiro
5- Lagoa do Maranhão
6- Lagoa Limpa
7- Lagoa do Cantagalo
8- Lagoa das Pedras
9- Lagoa do Jacu


























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