sexta-feira, 29 de junho de 2012

Leda Nagle: Nora Ephron: Sou fã!

O Dia


Rio -  Meu amigo, escritor Roberto Drumond, dizia que gostava de ter ídolos que morassem longe, noutros países, de modo que ele, Roberto, que evitava viajar de avião, jamais os conheceria e, por conta disto, não se decepcionaria. Tenho uns poucos ídolos, às vezes entrevisto alguns deles e sempre tive certa dificuldade em me declarar fã. Mas nesta semana, a notícia da morte de Nora Ephron me pegou de uma maneira muito desconfortável. Eu sou fã dela. Roteirista, produtora e diretora de cinema, Nora, uma judia de Nova York, filha de roteiristas de Hollywood, me encantou desde que li seu primeiro livro que me caiu nas mãos e que tinha um título, no mínimo, curioso, ‘Meu pescoço é um horror’.
Nunca soube muito da vida que levava. Só sabia praticamente o que ela contava nos livros. Na capa amarela, do livro do pescoço, um pote de creme. E lá dentro, num texto irônico e impecável, ela falava do envelhecer a partir da imagem que seu pescoço lhe mostrava. Nora também odiava bolsas, na mesma medida em que amava a gola rolê e as echarpes, tudo por conta do pescoço. Eu sei que contando assim parece bobagem, mas não é. O texto é delicioso. Ela se confessava escrevendo, e debochava de suas mazelas o tempo todo. Era uma mulher sofisticada, que começou a vida escrevendo para grandes jornais e revistas, escreveu roteiros de filmes como ‘Harry e Sally, feitos um para o outro’, dirigiu ‘Sintonia do amor’, ‘A difícil arte de amar’, ‘Mensagem para você’ , ‘A Feiticeira’ e, o mais recente, ‘Julie e Julia’, com Meryl Streep.
Não era uma qualquer, como a gente costuma dizer por aqui. Foi indicada várias vezes para o Oscar e tinha câncer, notícia que não deu a ninguém, só à família. Foi casada com o jornalista investigativo Carl Bernstein (do caso Watergate) com quem tinha dois filhos e, atualmente, era casada com Nicholas Pileggi, roteirista do filme ‘Os Bons Companheiros’. Estava com 71 anos. Mas o que vai me deixar a maior saudade são as histórias que escrevia. No último livro que li dela, ‘Não me lembro de nada’, Nora brinca com a memória que vai se perdendo à medida em que os anos passam, faz uma lista de coisas que não quer saber, como o Twitter, e uma lista das coisas que sempre espantam as pessoas, como uma mulher jovem e bela que se casa com homem feio, velho e rico. Nora Ephron se confessava uma dependente do Google, e provocava o nosso riso quando relembrava as festas da casa dos pais, que eram alcoólatras. Taí, eu adoraria ter conhecido esta mulher e vou torcer para Nora Ephron ter deixado um livro inédito.

terça-feira, 26 de junho de 2012

Violência tem causa?

Jornal do Brasil
João Baptista Herkenhoff

      Os atos de violência – assassinatos, estupros, sequestros – ocupam grande parte do noticiário da televisão, rádio e jornais. O tema está também presente no púlpito das igrejas e nas conversas das pessoas, seja dentro das famílias, seja entre amigos. É natural que isto aconteça. Mas me parece que uma outra discussão deveria ocorrer ao lado desta: a violência tem causas? Quais as causas da violência? É possível agir sobre as causas?
      A meu ver, este debate paralelo não é travado com a dimensão merecida. Não pretendo neste artigo dar respostas definitivas, mas apenas sugerir pontos que devem ser aprofundados. Quase todas as colocações são hipóteses de trabalho, na linguagem da metodologia científica. Ou seja, são afirmações provisórias, que só poderão ser comprovadas através da realização de pesquisa sócio-jurídica empírica. Creio que a realização destas pesquisas seria um grande serviço que a comunidade acadêmica poderia prestar à sociedade.
1) Agravamento das penas. – Parece-me falaciosa a ideia de que o agravamento das penas reduza a violência. A pena de morte não reduziu a violência nos países que a implantaram. Em sentido oposto, países que suprimiram a pena de morte, depois de um período em que a pena capital tinha vigorado, não assistiram a um crescimento dos atos violentos.
2) Submissão certa a processo. – A submissão dos autores de atos criminosos a julgamento parece reduzir a violência. Se fica bem claro que haverá processo responsabilizando aquele que praticou um delito, isto desencoraja o crime.
3) Rapidez da Justiça. – A resposta judicial imediata a crimes testemunhados pela sociedade é eficaz como instrumento preventivo. A demora da Justiça, a sentença prolatada dez anos depois do crime, não tem qualquer efeito restaurador. Ninguém nem mais se lembra do fato que originou o processo.
4) Educação do povo. – Num país onde não haja uma única criança fora da escola, nesse país, a convivência civilizada entre as pessoas tem mais chance de prosperar. Permanece atual a frase de Vítor Hugo: "Quem abre uma escola fecha uma prisão".
5) Bom exemplo. – O bom exemplo dos maiores reduz os índices de criminalidade. Ao contrário, o banditismo dos poderosos, os golpes milionários têm a força de contaminar o conjunto social. Há, no inconsciente coletivo, a tendência de imitar os que estão por cima.
6) Ninguém acima da lei. – Alcançar nas malhas da Justiça os criminosos society, de modo que a cadeia não seja unicamente um território de pobres – reduz a estatística criminal. Em sentido contrário, a impunidade dos poderosos é carta de alforria para as condutas criminosas.
* João Baptista Herkenhoff, professor na Faculdade Estácio de Sá do Espírito Santo, é escritor, autor de 'Curso de direitos humanos' (Editora Santuário, Aparecida, São Paulo). - jbherkenhoff@uol.com.br

Patrulhamento vergonhoso

Jornal do Brasil
Aristóteles Drummond

      A cada episódio se agrava o baixo nível da política nacional. Não bastassem os escândalos, casos de corrupção, tráfico de influência, nepotismo, falta de decoro e ausência de critérios de mérito no preenchimento de cargos públicos, a manipulação do noticiário político ganha contornos que afrontam a liberdade e a democracia. E as redes sociais revelam uma população passionalmente envolvida, desinformada e equivocada.
      Na verdade, a aliança Lula-Maluf, em São Paulo, foi explorada de maneira exagerada, como se fosse um crime a união de dois partidos e de suas lideranças, considerando um quadro municipal e os interesses de uma cidade em que ambos os partidos vinham se alternando no poder. Maluf foi prefeito duas vezes, elegeu seu sucessor, e Lula viu correligionários, como Erundina e Marta Suplicy, eleitos. Agora resolveram se unir em função do real interesse de ajudar uma cidade do porte de São Paulo a ter um diálogo próximo com a União, que possui o poder de facilitar recursos. E o PP é da base governista desde o governo FHC.
      O senhor José Serra, que inspira todo este barulho, não pode criticar a aliança pela qual lutou até dois dias antes. E muito menos reclamar da imagem do PP e seu líder, quando está aliado ao PR, partido cercado de suspeições e repleto de suspeitos em vários estados. Além do mais, o prefeito Kassab, que apoia Serra, foi secretário de Celso Pita, o prefeito indicado por Maluf, que a todos decepcionou e veio a morrer em meio a tantos processos. O senhor José Serra, que corteja o eleitor mais conservador, no entanto, nunca explicou a este eleitorado como evoluiu de orador do comício do dia 13 de março de 63, do então presidente João Goulart, e de sua militância no Partido Comunista, para a posição atual, supostamente de centro-esquerda. No governo FHC, foi um crítico das privatizações, como se sabe.
      O segundo e chocante patrulhamento é a intromissão de países sul-americanos, incluindo o Brasil, na política interna do Paraguai, contestando decisão inequívoca do Congresso do país vizinho. Um ato grosseiro, com base numa busca de hegemonia de esquerda no continente. O próprio povo paraguaio aceitou bem a decisão do Congresso. O deposto resignou-se. Pelo menos conhece a Constituição de seu país.
      Não é com este tipo de comportamento, marcado pela intolerância e o preconceito, que se constrói o entendimento democrático. No caso brasileiro reincidimos, depois do vexame em Honduras. E, também, não temos moral para criticar o Congresso de numa nação depois que julgamos um presidente da República que havia renunciado, ignorando um ato unilateral.
      E nosso governo deveria ser mais prudente ao acompanhar regimes como os da Argentina, Venezuela e Uruguai
* Aristóteles Drummond, é jornalista. - aristotelesdrummond@mls.com.br

segunda-feira, 25 de junho de 2012

O depoimento de Marilena Chauí no ato pela criação da Comissão da Verdade na USP

Blog da REA


Heleny Guariba, uma das desaparecidas pela ditadura militar (Foto: Arquivo Pessoal/Arte Jornal Brasil Atual)



Boa noite a todos e a todas, obrigada pelo convite. Quero começar fazendo duas colocações. A primeira, certamente você sabe, mas sou avó, como alguns colegas de colegial e faculdade. Nós [ela e Heleny Guariba] estudávamos juntas, ela que escolheu o meu namorado, com quem eu casei. Estive com ela na véspera do dia da prisão, foi a minha casa e tivemos uma longa conversa, fizemos planos, íamos nos ver no dia seguinte, mas eu não a vi mais. Entendo o que a Vera [Paiva] diz, levei muitos anos para enterrar, não podia admitir.
A segunda é de um outro colega meu, o [Luiz Roberto] Salinas, que não morreu na prisão, mas morreu por causa da prisão. Foi preso, torturado, e, na época, ele não fazia parte de nenhum movimento ou grupo, nada. Mas tinha feito muito antes, na altura de 64, e isso aconteceu no final dos anos 70. A esposa dele era jornalista e havia publicado uma matéria, os policiais, militares, não entenderam algumas palavras e interpretaram como um código. Foram ao apartamento deles e, como ela não estava, pegaram Salinas, que foi torturado no pau de arara dias a fio para dizer qual era o deciframento do código, das palavras do artigo da mulher dele.
Não era código, não havia o que dizer e ele foi estraçalhado. O resultado dessa prisão: foi anulado, evidentemente, o estado físico do Salinas e o seu estado psíquico. Foram anos para ele se refazer, e nunca conseguiu realmente se refazer. Teve trombose nas duas pernas, tendo que cortar dedos dos pés e morreu com uma síncope. Ou seja, foi morto pela tortura. Amigo meu do coração, entramos juntos no Departamento de Filosofia e, juntos, nos tornamos professores no departamento.
Gostaria de contar para vocês como foi entrar no campus da USP em 1969, logo depois de dezembro de 1968, quando foi promulgado o AI 5. Você vinha para cá e não tinha nenhuma garantia de que não seria preso e torturado, portanto, não sabia se seus alunos estariam na classe e, quando você se dava conta de que alguns não estavam, não ousava perguntar se tinham faltado na aula, se tinham partido para o exílio, se já estavam presos ou se já estavam mortos. E a mesma coisa com relação aos colegas. Tínhamos o pessoal do Dops à paisana nas salas de aula e escutas na sala dos professores e no cafezinho. Éramos vigiados noite e dia.
Eu me lembro que em 1975 a Unicamp fez um congresso internacional de historiadores, e convidou Hobsbawm, Thompson, enfim, a esquerda internacional. Houve as exposições dos brasileiros e os estrangeiros disseram: Nós não estamos conseguindo entender nada do que vocês dizem, não entendemos as exposições e sobretudo não estamos entendendo os debates entre vocês.
Então, nos demos conta que falávamos em uma língua cifrada para não sermos presos. A esquerda acadêmica criou um dialeto, uma linguagem própria na qual dizia tudo que queria dizer e não dizia nada que fosse compreensível fora do seu próprio circulo.
Foi uma forma de autodefesa e uma forma de continuar produzindo, pensando e discutindo. Ao mesmo tempo, essa forma nos fechou num circulo no qual só nós nos identificávamos com nós mesmos. Isso é uma coisa importante, que a Comissão da Verdade traga o fato de você criar um dialeto, criar um conjunto de normas, de regras, de comportamento em relação aos outros, tendo em vista não ser preso, torturado e morto, durante anos a fio.
Costumo dizer aos mais novos que eles não avaliam o que é o medo, pânico. Sair e não saber se volta, sair e não saber se vai encontrar seus filhos em casa, sair e não saber se vai encontrar seu companheiro, ir para a escola e não saber se encontrará seus alunos e colegas. Você não sabe nada. Paira sobre você uma ameaça assustadora, de que tem o controle da sua vida e da sua morte. Isso foi a USP durante quase dez anos, todos os dias. Além das pessoas que iam desaparecendo, desaparecendo… Ao lado das cassações.
Eu teria gostado que a [Eunice] Durham pudesse ter vindo, porque quando ela fez parte da Adusp na gestão do Modesto Carvalhosa, fez o chamado “Livro negro da USP”, que tem o relato de como foram feitas as cassações. As cassações não vieram do alto. As congregações de cada instituto, de cada faculdade, se encarregavam de denunciar, de delatar e de fazer a cassação.
Isso é uma coisa que a Comissão da Verdade precisa deixar muito claro, não foram forças lá de fora que fizeram isso, nem militares. Foram os civis acadêmicos, dentro da universidade, que fizeram uma limpeza de sangue. É uma coisa sinistra, mas foram nossos colegas que fizeram isto.
E, impávidos, quando começou a luta pela volta da democracia, quando começaram as greves no ABC, quando começaram as lutas pela diretas etc e tal, eu ia às assembleias da Adusp e do DCE e ficava lado a lado com muitos deles que estavam ali para fazer a defesa do retorno da democracia, quando eles tinham sido apoiadores da ditadura. E isto não pode ficar em branco. Uma Comissão da verdade tem que dizer isto.
E eu gostaria também, como uma contribuição ao trabalho da Comissão da Verdade, de retornar ao que o Eduardo e a Vera disseram, o fato de que a estrutura da nossa universidade, mais do que a estrutura de outras universidades que conseguiram se desfazer disso, é a mesma que a ditadura – através do MEC e do acordo MEC-USAID – introduziu no Brasil e aqui se cristalizou.
Primeiro, foi feita uma chamada reforma universitária, e essa reforma universitária introduziu a ideia de créditos, a ideia de disciplinas obrigatórias e disciplinas optativas. Como a sustentação ideológica da ditadura era a classe média urbana, era preciso compensar a classe média pela falta de poder econômico e político e a compensação foi através do prestigio do diploma, abriu-se a industria do vestibular, que veio por decreto.
Ou seja, a universidade que vocês frequentam, a universidade que vocês cursam, a universidade que nós damos aula, é a universidade que foi estruturada a partir do Ato Institucional número 5. Em outras universidades, houve força suficiente, do corpo docente, do corpo dicente, para derrubar muita coisa.
A estrutura curricular não, continuamos Brasil afora com disciplinas obrigatórias, optativas, créditos, frequência… A introdução dos créditos significou a escolarização da vida universitária. Em uma universidade você pode fazer duas ou três matérias no máximo e você deve ter duas a três horas de aula por semana para cada uma delas, no máximo.
O ideal são duas matérias, cada uma delas com duas horas semanais para que você trabalhe o que ouviu em classe, vá para as bibliotecas e laboratórios, faça pesquisas e tenha efetivamente uma vida universitária. A reforma feita pela ditadura, ao escolarizar a universidade, transformou-a em um curso secundário avançado, em um colegial avançado. Isso a Comissão da Verdade tem que mostrar, mostrar as datas em que os decretos vieram, as datas de implantação, quem implantou tudo isso, não pode passar em branco também.
Uma outra coisa que é muito importante é o fato de que as contratações dos jovens professores naquele período não eram feitas nem pelos departamentos, nem pelos institutos, mas diretamente pela reitoria. Estou dizendo isso porque quero fazer um complemento depois a respeito da reitoria atual. Como é que a reitoria procedia?
Ela recebia o processo de contratação e mandava para o Dops, para a policia enviar a ficha policial do professor e saber se ele tinha participado de algum movimento. A reitoria queria a ficha policial, que era a ficha política do jovem professor. Em função disso, a reitoria dizia se contratava ou não contratava.
Eu posso fazer um depoimento junto à Comissão da Verdade, se ela quiser, da experiência direta que tive sobre isso. Eu era chefe do Departamento de Filosofia, havia o processo de contratação de um jovem professor e a contratação não saía, os papeis estavam na reitoria e pedi para ser informada do porquê de a contratação não acontecer. Fui empurrada de uma sala para outra sala, para outra sala, e ninguém respondia. Finalmente, fui levada a uma sala ao lado da sala do reitor. Esta sala não tinha janelas, tinha uma porta e duas cadeiras com uma mesinha.
Ali, um senhor, um civil, grisalho, muito bem afeiçoado, me mandou sentar e disse para mim: “Vou explicar para a senhora que esta sala não existe, eu não existo e a conversa que nós vamos ter nunca aconteceu. O professor não pode ser contratado porque ele esteve em um encontro estudantil terrorista, então ele não vai ser contratado, aqui está o processo.” E foi quando eu vi, estava tudo anotado a lápis, com as informações sobre ele vindas do Dops. Ainda me disse: “Eu sei que ele era um lambari, sei que não é um perigo para a segurança nacional, mas ele tem essa ficha e não vai ser contratado.”
E ele foi contratado, evidentemente vocês podem imaginar o barulho que nós fizemos, todo o escândalo que fizemos e o risco que se corria se ele não fosse contratado. Mas, era uma intimidação direta, não tinha algum esconderijo, era direto, na cara. Eu posso, eu tenho o poder, eu faço e você engole.
A manutenção da estrutura da Universidade de São Paulo tal como ela foi feita a partir do Ato Institucional número 5 pela ditadura é algo que tem que ser devassado se nós quisermos democratizar a universidade. Para democratizar nossa universidade, temos que desmontar aquilo que foi feito no final dos anos sessenta e no decorrer dos anos setenta, é uma tarefa imensa que tem que ser feita. E por que ela tem que ser feita? Porque, no momento que há uma hegemonia no estado de São Paulo de um pensamento privatista e de um pensamento neoliberal, a Universidade de São Paulo está sendo regida por estes princípios, por este reitor.
Não é só isso, esse reitor foi formado, teve o aprendizado dele, como dirigente, nesse caldo de cultura da ditadura. Portanto, é essa forma de gestão que explica essa coisa inacreditável, e isso nem a ditadura fez, de por a polícia dentro do campus para espancar os alunos.
E, para encerrar, me disponho a dar meus depoimentos para a Comissão da Verdade. Penso, como os que me precederam, que tem que ser apanhado um período longo, e penso que, como se trata da Comissão da Verdade da Universidade, no caso da Universidade de São Paulo, é preciso contar não só as histórias ligadas à violência de Estado, ao terrorismo de Estado sobre os professores e os alunos, mas a maneira pela qual a universidade foi estruturada para ser um órgão da violência, um órgão do autoritarismo.
Ela foi estruturada com a cabeça da ditadura e é por isso que ela é autoritária. E é isso que a Comissão da Verdade pode mostrar ao desvendar a maneira pela qual essa estrutura foi montada. E Salinas presente, Heleny presente.

* Ato por uma Comissão da Verdade da USP realizado dia 12 de junho na FEA-USP.Fonte: Resvista Fórum, disponível emhttp://www.revistaforum.com.br/conteudo/detalhe_noticia.php?codNoticia=9915. Leia também:  “Chauí emociona público em ato pela Comissão da Verdade da USP”, por Carolina Rovai, disponível em http://www.spressosp.com.br/2012/06/chaui-emociona-publico-em-ato-pela-comissao-da-verdade-da-usp/



quinta-feira, 21 de junho de 2012

BR 101 Parada

      Neste momento há um imenso engarrafamento na BR 101 por causa de protestos do pessoal do Canaã, pois a prefeitura municipal de Campos não procedeu à entrega de casas populares, sendo as mesmas invadidas por pessoas de Travessão.
      Enquanto o poder público não resolve a questão (já faz mais ou menos um mês que a coisa está desta forma), a população é quem paga o pato.

quarta-feira, 20 de junho de 2012

O geógrafo humanista

Por Vicente Eudes Lemos Alves. Professor do Instituto de Geociências (IG) – Unicamp
Carta Capital



Aziz Ab’Saber desvendou não só detalhes das leis da natureza, mas também observou a organização da sociedade e suas contradições



Herdeiro de uma filosofia nos moldes das antigas escolas de formação humanística, o professor Aziz Nacib Ab’Saber é dono de uma importante trajetória intelectual associada à geografia, às ciências humanas e à sociedade em geral. Emborageógrafo especializado em geomorfologia, Aziz fazia parte de uma geração de cientistas rara, com formação escolar holística, característica da educação pública brasileira até os anos 1960. Nela, valorizavam-se a transmissão do conhecimento, a preparação do aluno para compreender o mundo na sua totalidade e o saber como algo constituinte da soma interdisciplinar das diferentes ciências. Essa herança resulta dos ensinamentos das escolas da Grécia Antiga, em que os filósofos também possuíam conhecimento de Matemática, Medicina e Economia, entre tantos outros campos do saber. Enfim, dedicavam-se a resolver os mistérios da vida em todos os seus aspectos, do natural ao social, do universal ao particular.
Sua produção acadêmica tem grande relevância para vários campos do saber e vem carregada de inovações no uso do método para analisar as questões associadas à dinâmica da natureza e da relação do homem com seu espaço geográfico. Conhecedor como poucos do território brasileiro em suas múltiplas escalas, Ab’Saber foi um dos precursores da Teoria dos Redutos, importante para explicar a evolução e a dinâmica de determinados ambientes naturais do território nacional. Esse estudo pioneiro (complementar à Teoria dos Refúgios) foi acompanhado de muitos outros tratando de temas que possuem interface entre as ciências naturais e as humanas.
Pesquisou de maneira detalhada o relevo brasileiro, sua gênese e evolução desenvolvendo classificações que se tornaram referência tanto para os estudos geográficos quanto para os de outras ciências. Entre os muitos trabalhos, destaca-se a proposta de análise da estrutura e compartimentação do relevo brasileiro, estabelecendo associação da geomorfológica com os processos geológicos, edáficos, climáticos e botânicos. É a partir dessa concepção que o professor propôs uma classificação para o que ele chamou de os grandes domínios morfoclimáticos e fitogeográficos do País. Essa proposta de classificação do relevo brasileiro, juntamente com o material cartográfico e os desenhos esquemáticos elaborados é um rico acervo didático, amplamente utilizado no ensino da Geografia nos níveis da Educação Básica e Superior.
No campo da geografia humana, dedicou-se em parte à compreensão da interferência do homem no ambiente natural. Nesse sentido, uma de suas preocupações incidia sobre o papel da urbanização como fator de alteração da natureza e seus reflexos no conjunto da sociedade, especialmente de que maneira o crescimento urbano desordenado produzia exclusão e perigos para as pessoas que habitavam as vertentes íngremes e as várzeas inundáveis. Com o enfoque na geografia urbana, Ab’Saber desenvolveu vários trabalhos versando, entre outras, sobre as cidades de Salvador, Porto Alegre, Manaus e São Paulo. No que se refere à última, fez relevantes reflexões sobre o sítio urbano, descrevendo e analisando as diferentes regiões da cidade. Em sua tese de doutorado A Geomorfologia do Sítio Urbano de São Paulo, defendida em 1957, observou a ocupação da -planície do Rio Tietê com suas colinas no entorno, quando o rio ainda era meandrante e a planície uma várzea coberta de pastos onde os animais de serviço pastavam, frequentemente muares que transportavam em suas carroças mercadorias para o centro da cidade. Nessas áreas, havia também, além dos clubes de regata e natação, os campos de futebol de várzea, chamados “campos de várzea”, onde surgiram tradicionais clubes e importantes jogadores do futebol paulista.
Os grandes romances e o ambiente
A formação acadêmica e humanista de Aziz Ab’Saber foi também inspirada na produção literária, especialmente a de caráter regional. Ele fazia questão de lembrar que a leitura de importantes romancistas representava o passaporte para o resgate de uma gama de elementos presentes na paisagem e que as narrativas dos romances permitiam explicar a geografia no seu sentido mais amplo, incluindo tanto a natureza quanto o homem.  Foi um leitor atento dos seguintes romances: Os Sertões, de Euclides da Cunha; Vidas Secas, de Graciliano Ramos; Capitães da Areia e Jubiabá, de Jorge Amado, entre muitos outros. Em algumas dessas obras aparecem características associadas à dinâmica da natureza, mas também as mazelas humanas, como as grandes desigualdades sociais, em lugares marcados pela concentração da propriedade da terra e pela exploração da população mais pobre. Contrastes semelhantes ao que o professor verificou em seus trabalhos de campo tanto no sítio urbano da cidade de São Paulo e em seus arredores quanto nos distintos lugares do Brasil por onde ele passou.
Ab’Saber obteve reconhecimento também por seus estudos e atuações em favor da causa ambiental. No Brasil, foi um dos primeiros a ser reconhecido como ambientalista por sua obstinação pela preservação das áreas naturais, já prevendo que esse seria um dos grandes problemas que a humanidade enfrentaria no fim do século XX e início deste novo milênio. Quando foi presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), de1993 a1995, conclamava os pesquisadores brasileiros a realizar estudos que tivessem caráter interdisciplinar e lhes chamava a atenção para nossas riquezas naturais. Foi, nesse sentido, um defensor da Amazônia e do uso racional dos seus recursos naturais e da preservação dos modos de vida das populações dessa região. Com essa mesma ênfase defendeu, nos anos1990, anão privatização da Companhia Vale do Rio Doce, um patrimônio da sociedade brasileira que estava sendo usurpado pelos representantes do neoliberalismo, sem que esses esboçassem qualquer compromisso pelo bem-estar da nossa população.
O professor Ab’Saber pertencia a um grupo de expoentes intelectuais que não via a academia apenas como um lugar de produção de conhecimento destinada a uma parcela privilegiada da população ou de poucas empresas hegemônicas. Antes, acreditava que a universidade deveria cumprir o seu papel social, de produzir conhecimento também para os excluídos, exatamente os que mais necessitam dos avanços conquistados pela academia. Por isso, pregava uma democratização desse espaço de produção do conhecimento, rompendo os seus muros e irradiando o conhecimento gerado para os diversos cantos do País.  Essa democratização, entretanto, passa também, segundo avaliava, pelo acesso dos pobres à universidade e, nesse sentido, foi um incansável defensor de melhorias nas escolas públicas do Ensino Básico, por achar que essa seria a melhor alternativa para que o Brasil verdadeiramente se transformasse numa nação. Foi com esse espírito humanista que ele também se juntou aos movimentos sociais, buscando apoiá-los em suas manifestações, especialmente naquelas que lhes davam mais possibilidades de exercer a sua cidadania.
O acesso das pessoas ao livro, por exemplo, foi uma das suas buscas obstinadas. Para ele, a leitura permitia ao ser humano alcançar novas descobertas e se emancipar das amarras das classes dominantes. Por isso, empreendeu uma luta para ampliar os canais de leitura nas periferias das grandes cidades, especialmente do estado de São Paulo.
A Geografia em sala
A mesma dedicação que possuía em relação à pesquisa, ao trabalho de difundir as atividades de leitura ou de defender a nossa biodiversidade, também demonstrava em relação ao ensino de Geografia. Preocupou-se sempre em fazer mais acessível às pessoas os seus estudos, produzindo material didático que pudesse ser utilizado no ensino da disciplina. Como professor, não fazia distinção se o local era uma universidade renomada ou um pequeno salão coberto por lona, se era para alunos de pós-graduação ou pré-vestibulandos da periferia, a postura sempre foi a mesma e com o mesmo entusiasmo discutia seus apontamentos.
A erudição era ponto de destaque em suas aulas, entretanto, sem que a análise de uma teoria se transformasse em algo que pudesse caminhar para a incompreensão de seus alunos e/ou ouvintes. Ab’Saber possuía uma didática invejável. Nas suas exposições eram transmitidos os conceitos de determinados fenômenos físicos ou humanos com todo o rigor acadêmico, mas também para ensiná-los recorria a situações do cotidiano, contadas frequentemente com muito humor.
Essa maneira de ensinar do professor Ab’Saber, combinada com o seu amplo conhecimento teórico e empírico das dinâmicas geográficas, especialmente do território brasileiro, fazia com que as salas de aula, os anfiteatros ou qualquer outro recinto estivessem sempre lotados por distintos tipos de público, especialmente por jovens estudantes que viam no discurso do velho professor a proposição de questões muito atuais sobre os problemas do mundo contemporâneo.

As recomendações da Rio+20


Luis Nassif

Carta Capital

Pelo modelo adotado na Rio+20, na semana passada houve uma série de seminários preparatórios, visando selecionar recomendações aos chefes de Estado.
Coordenei o grupo “Recomendações do Desenvolvimento Sustentável como uma Resposta às Crises Econômicas e Financeiras”.
A primeira recomendação do grupo foi selecionada a partir de votações pela Internet.
Venceu a proposta: promover reformas fiscais que incentivem a proteção ambiental e beneficiar os pobres.
A segunda recomendação surgiu de votação do próprio plenário – cerca de mil pessoas com aparelhos de votação online. Foi escolhida a recomendação: criar imposto sobre transações financeiras internacionais, visando contribuir para um Fundo Verde, responsável pela promoção de empregos decentes e tecnologias limpas.
A terceira recomendação surgiu das discussões dos dez especialistas – cada qual de um país do globo -, ao longo de duas horas e meia de debates.
Propôs a adoção, por todo o mundo, de objetivos compartilhados de desenvolvimento sustentável, a serem adotados por empresas, sociedade civil e poderes públicos.
As metas incluirão métricas inovadoras, divulgação pública, conscientização pública, educação em todos os níveis e resolução de problemas do nível local ao global, poara mapear os caminhos necessários para alcançar os objetivos em cinco áreas críticas:
  1. Capacitar todos os países do mundo para garantir que sejam atendidas as necessidades básicas de saúde, água potável, saneamento e vida digna a todos os indivíduos;
  2. sistema de energia sustentável para o desenvolvimento;
  3. abastecimento alimentar sustentável local e globalmente;
  4. ambientes urbanos sustentáveis, incluindo iniciativas em sistemas de água, esgoto e infraestrutura inteligente;
  5. e indústria sustentável, comprometida a limpar os resíduos produzidos por sua atividade.
Segundo a recomendação, esses objetivos de desenvolvimento sustentável serão perseguidos através de um conjunto comum de princípios e métodos a serem aplicados para todos, incluindo impostos, o que abre uma possibilidade muito forte para orientar a economia para a direção certa. Sugere também uma reforma financeira com financiamento inovador para o desenvolvimento verde e para o aprimoramento das tecnologias sustentáveis em geral.
Entre os debatedores, houve um consenso amplo em torno da importância de novos indicadores para medir a sustentabilidade, tanto para orientar consumidores como para orientar governantes.
Hoje em dia, há muita confusão de conceitos e formas de medição.
Por exemplo, o carro elétrico é visto como não poluente. Mas a energia que o alimenta pode provir de fonte poluente – tudo depende da matriz energética.
Outra discussão, sobre o etanol. Depois de produzido, é energia limpa. E no preparo, o que se gasta em combustível dos tratores, em insumos ou em queimadas?
Até a energia hidrelétrica tem sido alvo dessas contas. É a energia mais limpa que se produz, renovável, mas quando se encobre florestas, há a produção de gás metano, poluente. Qual a soma final?
Daí a importância da criação e padronização de novos indicadores.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Cerca de 2 mil protestam na Urca contra torturador da ditadura

O Dia

Rio -  Manifestantes da Articulação Nacional pela Memória Verdade e Justiça realizaram um protesto na Urca, na Zona Sul, na manhã desta terça-feira, contra um suposto torturador que atuou na ditadura militar. De acordo com a PM, cerca de 2 mil pessoas, a maioria estudantes, participaram da manifestação. O grupo pedia punição ao militar reformado.
Manifestantes pedem reabertura de arquivos da Ditadura | Foto: Alessandro Costa / Agência O Dia
Manifestantes pedem reabertura de arquivos da Ditadura | Foto: Alessandro Costa / Agência O Dia

Guardas municipais e policiais militares do Batalhão de Choque reforçaram a segurança. Em frente ao número 96 da Avenida Lauro Muller, que ficou parcialmente interditada por policiais, os manifestantes exibiram um cartaz onde se lia "Aqui mora um torturador". Homens do Batalhão de Choque isolaram a área e até moradores tiveram dificuldade em acessar os prédios.
Grupos que participam da Cúpula dos Povos, evento paralelo à Rio+20, que acontece no Aterro do Flamengo, também estiveram na manifestação. Devido à manifestação, o trânsito nas ruas da Zona Sul ficou bastante complicado na manhã desta terça-feira. Os manifestantes ocuparam uma faixa da Avenida Pasteur na altura da Praia da Urca, e seguiram pela  Avenida Venceslau Brás e Avenida Lauro Muller, onde se concentraram. Houve reflexos na Avenida Atlântica, em Copacabana, na pista sentido Botafogo. Agentes da CET-Rio, PMs e guardas municipais estiveram no local acompanhando os manifestantes. 
Foto: Leitor @ferasdoasfalto
Foto: Leitor @ferasdoasfalto

'Esculachos'
No mês passado, cerca de cem pessoas protestaram em frente ao prédio onde mora o tenente-coronel reformado Maurício Lopes Lima, que foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) como torturador. Integrantes do grupo Levante Popular da Juventude, que organiza os atos conhecidos como "esculachos", disseram ter recebido informações de que o ex-militar, chamado de "torturador da presidenta Dilma", estaria em casa, mas ele não se manifestou. O protesto teve início às 10h e durou uma hora, em frente ao edifício do tenente-coronel no Guarujá, litoral de São Paulo. 

Milton Cunha: Como posso estar?

O Dia


Rio -  Nem na melhor nem na pior, apenas incomodado. É assim que me sinto, é assim que vivo. Tenho existido neste desconforto que é saber da incompletude humana, da injustiça, de alguns submetidos às maiores atrocidades.

Tudo começou quando postei uma foto minha, de palhaçada, no Facebook: na banheira de mármore de um quarto chic em Las Vegas, eu flutuava na espuma com uma toalha branca enrolada na cabeça e um lindo óculos escuro, de grife, na cara. Deboche, sarcasmo: eu, gorda figura, entre bolinhas de sabão. Uma diva de quinta categoria, risível. De todo lado pipocaram comentários, bobagens internéticas. Mas veio de um jovem a exclamação sincera que me assombra. Ele postou: “E me disseram que você estava na pior; se isto é estar na pior, não sei mais nada...”. Portanto, falamos de um mundo onde se você está num hotel bom você nunca estará na pior. Só está ruim provavelmente quem mora numa casa de subúrbio ou do interior. Ah, este mundo de posses materiais, de poses e parescências.

Estar na pior deve ser não ter dinheiro para viajar, não poder ostentar. Imagina se esta gente vai se perguntar se quem está na banheira iluminada é feliz! Se está lá, está na melhor e pronto. Como alguém pode estar na melhor, vivendo neste mundo em que vivemos? Agora mesmo, nas citações de que nas Olimpíadas de Munique os terroristas arrancaram o pênis do treinador judeu para colocar bastante medo nos atletas sequestrados, que depois viriam todos a morrer, inocentes nas mãos de facínoras. Como posso eu estar na melhor, se sou da mesma espécie deste tipo de humano? Só um louco, um egoísta total, para acreditar que está na melhor só porque pode pagar uma diária internacional. É pouco, quase ridículo diante da luz que deveria morar em cada espírito: fora a banheira, você tem um amor, você respeita seus empregados, você dá bom dia, você estuda, você melhora a cada ano que passa, faz um trabalho voluntário? Talvez estar na melhor seja estar em paz com sua consciência, mas isto não deve fazer o menor sentido para esta gente que passa a vida classificando quem está na melhor ou na pior.

Preciso dizer para ele, iludido: querido, acredite em quem te falou que eu estou na pior, pois me debato em culpas de ter acesso ao consumo. Odeio este mundo injusto, e sou feliz apenas entre um momento e outro de absurda consciência de que meu mundo vai mal. Acho que apenas finjo de vez em quando que sou feliz, porque por dentro há remorso de ter o que todos deveriam possuir: mínimo de discernimento.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Xuxa e o abuso sexual

RAYMUNDO DE LIMA*
Revista Espaço Acadêmico


O desabafo da Xuxa no programa Fantástico/TV Globo causou polêmica até nas escolas e universidades. Não pretendo aqui discutir o passado da loura apresentadora, nem desqualificar o seu desabafo com a suspeita que ter sido um ato de espetacularização da sua intimidade, ou jogada de marketing para aumentar a audiência a TV, etc.
Sem dúvida, seu desabafo abriu caminho para muita gente sofrida com abuso sexual, que, agora, se autoriza denunciar o crime, conversar sobre o assunto, buscar tratamento.  Haja vista que as denúncias cresceram 30% após seu depoimento, divulgou a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. (O Disque100 é para denunciar violações aos direitos de crianças, adolescentes, idosos, deficientes, grupos em situação de vulnerabilidade, ou para obter informações. A pessoa não precisa se identificar).
Abusos sexuais praticados por adultos contra crianças sempre existiram, infelizmente. Mas hoje o estado de direito garante segurança a pessoa que denuncia o crime. Enfim, a sociedade atual parece sensibilizada pelo sofrimento das vítimas, geralmente menor de idade e indefesas. Mesmo assegurado este direito, é um momento delicado para ela denunciar o agente do abuso sexual (incesto e pedofilia), porque indiretamente termina denunciando outro adulto que se omitiu ao socorro.  Convenhamos: é muito pesado para uma criança, adolescente ou na idade da Xuxa, tomar a decisão de denunciar abuso sexual cometido por um membro da família ou conhecido. Se a denúncia é dirigida para um membro da família, como poderia esta sobreviver? Também pesará no íntimo da vítima dúvidas do tipo: Por que isso aconteceu comigo? Tomei a decisão certa de denunciar agora ou deveria ter feito logo no início? Como será meu futuro daqui pra frente? Devo perdoar?
Ouso fazer um alerta: por um lado, a denúncia de abusos sexuais de adultos contra crianças, especialmente de pais contra filhos/as, contribui tanto para encorajar mais denúncias ‘reais’. Grifo ‘reais’ porque muitas denúncias são falsas. Não raro, denúncias alardeadas pela mídia criam um clima ‘denuncista’, que é a reação histérica daqueles que jamais sofreram abuso contra inocentes. Ou seja, o denuncismo e a denuncia ‘vazia’ pode destruir a vida social e moral de pessoas inocentes, como aconteceu na Escola Base,em São Paulo, fechada em 1994, quando seus proprietários foram injustamente acusados de abuso sexual contra uma aluna.
Lembro-me do filme “Acusação” que relata um caso nos Estados Unidos que destruiu a vida psíquica, social e moral dos donos de uma escola acusados de abuso sexual contra alunos. Induzidas por uma profissional da escola as crianças imaginaram “coisas feias” que nunca ocorreram Esse fenômeno psíquico é denominado de “falsa memória”.
Por definição, falsas memórias são informações armazenadas na memória sem um estímulo real objetivo, mas que são recordadas como se tivessem sido efetivamente vivenciadas pelo sujeito. A memória falsificada pode ter sido induzida por sugestão intencional ou não intencional, ou mesmo por acontecimentos do cotidiano que impressionam a pessoa fragilizada. As crianças são mais propensas a falsificação de memória, porque são mais sugestionáveis do que os adultos.
A falsa memória também ocorre em adultos em estado de estresse e em momentos psicóides. A atmosfera coletiva também influencia muito para falsificar acontecimentos. Por exemplo, nos Estados Unidos, nas regiões onde predomina o fundamentalismo cristão é frequente crianças se lembrarem de sua participação em cultos satânicos. Costumam ser declarações ricas em detalhes[1], por exemplo, afirmam ter visto no culto satânico as pessoas comendo bebês, fazendo sexo com animais, e assassinatos horríveis. Este fenômeno é denominado “inflação da imaginação”, foi descrito pela psicóloga norte-americana Elizabeth Loftus: “depois de fazer a mente imaginar os detalhes do ‘evento’, a certeza de que ele de fato ocorreu tende a aumentar (fonte: http://www.cemp.com.br/artigos.asp?id=58).
Em2011, apsicóloga Elizabeth Loftus foi agraciada com o Prêmio Liberdade e Responsabilidade Científica da Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAAS). Suas pesquisas científicas evitaram a condenação de um sem-número de inocentes, portanto o sistema judiciário dos Estados Unidos hoje está mais prudente com as provas testemunhais.
É no processo de investigação de crimes que a falsa memória pode causar danos irreversíveis. Por isso mesmo que a “a falsa memória deve sempre ser vista com cautela durante as investigações”, alerta a psicóloga forense e professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Lilian Milnitsky Stein, autora do livro Falsas Memórias: Fundamentos científicos, aplicações clínicas e jurídicas (Ed. Artmed).
O leitor pode ver no Youtube o documentário “Falsas lembranças” ou “Falsas Memórias de Abusos Sexuais” (do canal People & Arts – Discovery), que analisa vários casos de jovens e adultos terem sido vítimas de abusos sexuais. Desse modo, famílias inocentes foram destruídas pela onda denuncista, filhos se afastaram definitivamente dos pais porque estavam convictos de terem sido abusados por eles. Mesmo depois comprovada inocência dos genitores persistiu a dúvida e o constrangimento familiar e na sociedade até o final de suas vidas.
O caso da Escola Base passou a ser referência obrigatória de análise e discussão nos cursos sobre Ética do Jornalismo e de Direito, especialmente quanto tratam dos temas “calúnia”, “difamação”, “injúria”, “danos morais”, “denúncia premiada” etc. Seminários e congressos discutem esse caso alertando para a necessária prudência, serenidade e responsabilidade dos profissionais envolvidos em ondas de denúncia ou delação. O fenômeno psíquico “histeria coletiva”, “transe coletivo”, “falsa lembrança” ou “falsa memória” ainda são assuntos pouco pesquisados nos cursos de Psicologia, Psicopatologia, Psiquiatria, Sociologia, Filosofia-Ética. Obs.: Vale a pena consultar o livro “Falsas Memórias: Fundamentos científicos, aplicações clínicas e jurídicas” de Lilian Milnitsky Stein (Ed. Artmed), e “O Caso Escola Base – Os Abusos da Imprensa”, livro de Alex Ribeiro (Ed. Ática, 1995).

* RAYMUNDO DE LIMA é Professor do Departamento de Fundamentos da Educação (DFE/UEM) e Doutor em Educação (USP)
[1] “A ensaísta americana Susan Sontag escreveu que “pelo menos o passado é seguro”, referindo-se a suas memórias. Não é mais o caso. O artista espanhol Salvador Dali (1904-1989) foi mais presciente quando disse que ‘a diferença entre falsas memórias e as verdadeiras é a mesma entre as jóias: são sempre as falsas que parecem mais reais, mais brilhantes’” (Folha de São Paulo, 23/08/98).

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Fernando Molica: O pato, o marreco e a desculpa do senador

O Dia

Rio - 'Oi, pato!’ Todo vestido de vermelho, encapuzado — chuviscava naquela manhã de domingo —, o menino de uns dois anos de idade acenava para a ave preta com faixa encarnada na testa que nadava na Lagoa Rodrigo de Freitas. Seu pai ainda tentou corrigi-lo: “É um marreco, meu filho”, mas o menino continuou a chamar de pato aquilo que ele considerava ser um pato.
Indiferente, o bicho parecia envolvido com questões mais urgentes, como arrumar o que comer. Até porque a discussão daqueles dois humanos não fazia o menor sentido para ele. Ambas as denominações lhe eram externas; a ave era o que era, não tinha a menor ideia do que os outros diziam sobre o que deveria ser. O menino também não se importava com a soberba do bichinho, que não dava a menor bola para seus gritos e acenos. Seu pai é que parecia preocupado em tentar viabilizar uma comunicação entre o filho e a ave — talvez acreditasse que o animal reagiria aos estímulos se chamado pela supostamente correta classificação de marreco.
Palavras são fundamentais para que possamos entender o mundo. Ao dar um nome ou apelido a uma coisa, a um bicho ou a uma pessoa, nos tornamos como seus proprietários. Quando, num gesto autoritário e necessário, batizamos um filho, conferimos àquele nenenzinho uma identidade pela qual será conhecido pela vida inteira — e ele, coitado, não tem como recusá-la (com o passar dos anos, João pode virar Joana ou Bernadete, mas esta é outra história). Quando apelidamos a mulher amada estamos, no fundo, trazendo-a mais para perto, nos apropriando um pouco mais dela, conferindo-lhe uma identificação própria, única, particular. Para o resto da humanidade ela continuará a ser Maria, Hermengarda, Juliana, Rosyanne — mas para nós será Mozinho, Neguinha, Fofura: o amor tem uma capacidade ilimitada de perdoar o ridículo.
Imperdoável é o uso de palavras para se mudar uma realidade evidente. É quando o governo norte-americano chama tortura de “técnicas aprimoradas de interrogatório”. Ou quando um senador se agarra a minúcias legais e tenta convencer a Justiça a desconsiderar o que ele mesmo falou ao telefone. É como se dissesse que nenhuma daquelas gravações é válida porque ele não é pato, mas marreco: desculpa que, se vingar, fará com que todos nós sejamos os grandes patos dessa história.
Fernando Molica é jornalista e escritor | E-mail: fernando.molica@odianet.com.br

terça-feira, 12 de junho de 2012

Milton Cunha: O sagrado é um só

O Dia

Rio - Atraído pela exuberância das vestimentas, eu não podia perder o belo ‘Globo Repórter’ de sexta, sobre a recôndita tribo dos índios do Mato Grosso que preservam (graças a Deus!) seus sete meses de rituais por ano. Fazem isso porque sabem que precisam respeitar a natureza, pois dela vem tudo. É maravilhoso ver como estes, considerados primitivos, indígenas amazônicos ( e os africanos, e os papuas), sempre bateram na tecla de que é preciso preservar a floresta, as águas. Agora vem os caras pálidas, gastando milhões, fazendo um carnaval com a Rio+20, para concluir o mesmo, como se tivessem descoberto a pólvora. Meus amores, enquanto vocês não souberem ouvir a voz que vem do imemorial tempo, não adianta ser rico, sendo surdo. É preciso sensibilidade para enxergar as relações sustentáveis dos grupos sempre menosprezados, que sobreviveram sem ganância. A curto prazo, o melhor é os donos do mundo arrancarem seus paletós e terninhos, pintarem seus corpos de urucum e fazer uma pajelança.

Foi aí que ouvi o narrador do programa dizer: “Estes índios acreditam no sobrenatural, que são os espíritos da floresta que mandam as doenças...” Para o mundo que eu quero descer: olha Chapelin e o redator, não são só eles que acreditam no sobrenatural, não. Quando vocês vão a missa comungar, achando que hóstia é corpo de Cristo, quando vocês celebram a Páscoa e a ressurreição, vocês também estão no campo do sobrenatural, meus amores. Ah, como é? Quer dizer que os espíritos dos pobrezinhos dos indiozinhos são piores, ou menores, que o Deus católico de vocês? Foi por isso então que o Pastor chutou a Santinha de vocês, né? Porque ele a considera sobrenatural, menor, menos importante, desprovida de respeitabilidade.

O homem branco sempre colocou o sobrenatural fora dele. Esta é a desgraça. Sobrenatural é o vodu, macumba, candomblé, tupã. Natural é tocar sineta em Missa, andar sobre as águas do Oriente Médio em milagres que são superaceitáveis. Inaceitável é a gente da floresta querendo convencer que a mata verdejante tem seus espíritos.

De um lado primeiros-ministros, presidentes, chefes de estado: a voz que manda naturalmente. De outro lado a Cúpula dos povos — mulheres, índios, pescadores da Sibéria: a voz que desobedece. Enquanto a gente continuar dizendo que sobrenatural é o do vizinho, não teremos dado nenhum passo para a solução.
Milton Cunha é carnavalesco e Doutor em Ciência da Literatura pela UFRJ. E-mail: chapa@odianet.com.br

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Economia verde versus Economia solidária

Jornal do Brasil


Leonardo Boff 
O Documento Zero da ONU para a Rio+20 é ainda refém do velho paradigma da dominação da natureza para extrair dela os maiores benefícios possíveis para os negócios e para o mercado. Através dele e nele o ser humano deve buscar os meios de sua vida e subsistência. A economia verde radicaliza esta tendência, pois como escreveu o diplomata e ecologista boliviano Pablo Solón “ela busca não apenas mercantilizar a madeira das florestas mas, também, sua capacidade de absorção de dióxido de carbono”. Tudo isso pode se transformar em bônus negociáveis  pelo mercado e pelos bancos. Destarte o texto se revela definitivamente antropocêntrico como se tudo se destinasse ao uso exclusivo dos humanos e a Terra tivesse criado somente a eles e não a outros seres vivos que exigem também sustentabilidade das condições ecológicas para a sua permanência neste planeta. 
Resumidamente: O futuro que queremos, lema central do documento da ONU, não é outra coisa que o prolongamento do presente. Este  se apresenta ameaçador e nega um futuro de esperança. Num contexto destes, não avançar é retroceder e fechar as portas para o novo. 
Há outrossim um agravante: todo o texto gira ao redor da economia. Por mais que a pintemos de marron ou de verde, ela guarda sempre sua lógica interna que se formula nesta pergunta: quanto posso ganhar no tempo mais curto, com o investimento menor possível, mantendo forte a concorrência? Não sejamos ingênuos: o negócio da economia vigente é o negócio. Ela não propõe uma nova relação para com a natureza, sentindo-se parte dela e responsável por sua vitalidade e integridade. Antes, move-lhe uma guerra total, como denuncia o filósofo da ecologia Michel Serres. Nesta guerra não possuímos nenhuma chance de vitória. Ela ignora nossos intentos. Segue seu curso, mesmo sem a nossa presença. Tarefa da inteligência é decifrar o que ela nos quer dizer (pelos eventos extremos, pelos tsunâmis etc), defender-nos de efeitos maléficos e colocar suas energias a nosso favor. Ela nos oferece informações mas não nos dita comportamentos. Estes devem ser inventados por nós mesmos. Eles somente serão  bons caso estiverem  em conformidade com seus ritmos e ciclos. 
Como alternativa a esta economia de devastação, precisamos, se queremos ter futuro, opor-lhe outro paradigma de economia de preservação, conservação e sustentação de toda a vida. Precisamos produzir, sim, mas a partir dos bens e serviços que a natureza nos oferece gratuitamente, respeitando o alcance e os limites de cada  biorregião, destribuindo com equidade os frutos alcançados, pensando nos direitos das gerações futuras e nos demais seres da comunidade de vida. Ela ganha corpo hoje através da economia biocentrada, solidária, agroecológica, familiar e orgânica. Nela cada comunidade busca garantir  sua soberania alimentar. Produz o que consome, articulando produtores e consumodres numa verdadeira democracia alimentar. 
A Rio+92 consagrou o conceito antropocêntrico e reducionista de desenvolvimento sustentável, elaborado pelo relatório  Brundland de 1987 da ONU. Ele se transformou num dogma professado pelos documentos oficiais, pelos Estados e empresas sem nunca ser submetido a uma crítica séria. Ele sequestrou a sustentabilidade só para  seu campo, e assim distorceu as relações para com a natureza. Os desastres que causava nela eram vistos como externalidades que não cabia considerar. Ocorre que estas se tornaram ameaçadoras, capazes de destruir as bases físico-químicas que sustentam a vida humana e grande parte da biosfera. Isso não é superado pela ecocomia verde. Ela configura uma armadilha dos países ricos, especialmente da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), que produziu o texto teórico do Pnuma, Iniciativa da economa verde. Com isso, astutamente  descartam a discussão sobre a sustentabilidade, a injustiça social e ecológica, o aquecimento global, o modelo econômico falido e a mudança de olhar sobre o planeta  que possa projetar um  real futuro para a Humanidade e para a Terra. 
Junto com a Rio+20 seria um ganho  resgatar também a Estocolmo+40. Nesta primeira conferência mundial da ONU de 5-15 de julho de1972, em Estocolmo, na Suécia,  sobre o Ambiente humano, o foco central não era o desenvolvimento mas o cuidado e a responsabilidade coletiva por tudo o que nos cerca e que está em acelerado processo de degradação, afetando a todos e especialmente aos países pobres. Era uma perspectiva humanística e generosa. Ela se perdeu com a cartilha fechada do desenvolvimento sustentável e agora com a economia verde.
Leonardo Boff, teólogo e filósofo, é autor de 'Sustentabilidade: O que é e o que não é' (Vozes, 2012) e membro da Comissão Iniciativa da Carta da Terra. -  lboff@leonardoboff.com

domingo, 10 de junho de 2012

Luiz Martins: Aumento de carga horária nas escolas

O Dia


Rio -  O Ministério da Educação (MEC) preparou uma proposta direcionada ao Congresso Nacional com o objetivo de aumentar a jornada escolar. A meta é, em cinco anos, ampliar a duração da carga diária de aulas de quatro para cinco horas; em 10 anos, para seis, e em 15 anos, para sete. Paralelamente, o Plano Nacional de Educação propõe que 50% das instituições públicas de Educação Básica ampliem sua jornada até 2020.
Diante dessa demanda, se o projeto não for cuidadosamente planejado, pode haver risco de as crianças receberem um atendimento meramente assistencialista, fora do projeto pedagógico da escola e, às vezes, fornecido por quem não possui formação para lecionar. Além disso, há também as questões de aproveitamento do espaço e do tempo disponíveis.
O trabalho docente requer formação e qualificação na área de Educação, não deve ser exercido por profissionais de outras áreas ou por pessoas envolvidas em projetos de apoio à escola. Isso desqualifica os processos educacionais e a profissão de professor.
Consequência da proposta do MEC é a inserção de novas atividades educacionais nesse tempo extra. Portanto, pode ser necessária a contratação de profissionais não docentes. É imprescindível a integração constante entre estes, os professores e os demais membros da equipe pedagógica, de forma a garantir o desenvolvimento dos temas geradores, a continuidade do trabalho pedagógico e o alcance de seus objetivos.
Além disso, é importante reorganizar e reestruturar o espaço e o tempo, contemplando as atividades tradicionais e as que serão introduzidas no currículo.
O projeto poderá trazer muitos benefícios, pois, ao aumentar a permanência na escola, trará mais atividades que contribuirão para o enriquecimento da formação desses estudantes.
Deputado estadual pelo PDT e membro da Comissão de Educação da Alerj

Comentário do blog: isto parece até piada, pois, nestes 22 anos de profissão o que mais tenho visto é falta de profissionais nas escolas. Ano após ano há turmas que "passam" de ano sem terem tido aulas, ora de matemática, ora de português, etc.. Neste ano mesmo, na escola municipal na qual trabalho há turmas de 6°ano sem professores de português e geografia.

Frei Betto: O candidato ingênuo

O Dia


Rio -  Candidato, palavra que deriva de cândido, íntegro. Quem dera a maioria correspondesse a essa etimologia... A ingenuidade de muitos candidatos a vereador se desfaz quando, convidado a concorrer às eleições, acredita que, se eleito, não será ‘como os outros’ e prestará excelente serviço ao município.
O que poucos candidatos desconfiam é que servem de escada para a vitória eleitoral de políticos que eles criticam. Para se eleger vereador ou deputado estadual ou federal, é preciso obter quociente eleitoral — e aqui reside o pulo do gato.
Cândidos eleitores imaginam que são empossados os candidatos que recebem mais votos. Ledo engano. É muito difícil um único candidato obter, sozinho, votos suficientes para preencher o quociente eleitoral. A Justiça Eleitoral soma os votos de todos os candidatos do mesmo partido, mais os votos dados apenas ao partido, sem indicação de candidato.
Ora, se você pensa em ser candidato, fique de olho. Pode ser que esteja servindo de degrau para a ascensão de candidatos cuja prática política você condena, como a falta de ética. Enquanto não houver reforma política, o sistema eleitoral funciona assim: muitos novos candidatos reelegem os mesmos políticos de sempre!
Como alerta o sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira, “mais frequentes são a derrota e a frustração de pessoas bem-intencionadas, mas desinformadas. Ao se apresentar como candidatas, elas mobilizam familiares, amigos e vizinhos para a campanha. Terminadas as eleições, percebem que sua votação só serviu para engordar o quociente eleitoral do partido ou da coligação... Descobrem, tarde demais, que eram apenas ‘candidatos alavancas’”.
Convém ter presente que o nosso voto vai, primeiro, para o partido e, depois, para o candidato.
Escritor, autor de ‘A mosca azul: reflexão sobre o poder’

Aos prolixos, excluídos e solitários que publicam na rede


WALTER PRAXEDES*
Os prolixos
É difícil percebermos quando nos tornamos prolixos. No dia de sua diplomação o nosso novo presidente até reconheceu que nunca havia falado por apenas cinco minutos. Foi uma exceção.
Escrever também pode tornar-se uma obsessão. Isso ocorre quando as palavras que digitamos e aparecem na tela não fazem concessão e exigem sempre mais. Cobram intermináveis complementações, esclarecimentos, adequações, aquela expressão exata. Muitas vezes tudo isso é desnecessário, pois o leitor vai sempre preencher os brancos do texto que lê com a sua imaginação e o seu discernimento. Mas não, o autor prolixo considera como essencial emendar, fundamentar e ilustrar até que o leitor se canse e descubra a verdade do mouse.
Pela escrita podemos fugir da realidade com o pretexto de investigá-la. É assim que suplantamos os limites do existente. Analisar, descrever, interpretar e explicar se revelam, então, vícios incorrigíveis.
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Os excluídos

No Brasil dos anos trinta, apenas algumas centenas de escritores publicavam nos jornais e revistas de norte a sul do país. Agora são centenas de milhares de escritores que reclamam o direito de expressão pública.
Tudo indica que a rede será transformada em um veículo perene, uma vez que vem crescendo o número de pessoas que escrevem, enquanto os canais de divulgação mais prestigiosos tendem para a centralização.
Escrever e publicar na Internet faz esquecermos que os veículos mais lidos e tomados a sério estão fechados para a turba de digitadores implacáveis que compomos.
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Os solitários
Quando publicamos na rede lançamos inúmeras garrafas ao mar com um pedido de socorro. Esta imagem pode ser usual, mas me parece irresistível e apropriada. Desde o instante em que lançamos a primeira garrafa passamos a cultivar a esperança de que alguém a encontre. Isso quase aconteceu comigo quando uma leitora enviou-me uma mensagem instigante: “Li o seu artigo sobre o professor universitário e achei-o muito interessante numa primeira leitura”. Não é fácil se entregar a um desconhecido, reconheço.
Quando compramos um livro, podemos conferir a procedência da obra, a credibilidade da editora, o currículum do autor. Nas grandes editoras os autores são mais conhecidos. Acho impensável um raciocínio do tipo: “Li o livro de Saramago e achei-o muito interessante numa primeira leitura”. Simplesmente confiamos. Podemos ser efusivos, amar ou odiar um texto de um escritor célebre desde a primeira leitura das primeiras linhas. Quanto aos desconhecidos que habitam o mundo virtual é preciso evitar um engano. Nunca se sabe quem está do outro lado da rede.
Mas ocorre também de uma de nossas garrafas virtuais ser encontrada. Então, uma resposta que recebemos e interpretamos como sincera, substitui os leitores anônimos, sem rosto ou opinião que desconhecemos ou que nunca conquistaremos, nos livrando da sensação de esquecimento por algum tempo. Por isso continuamos lançando garrafas ao mar.

* WALTER PRAXEDES é Doutor em Educação (USP), Sociólogo e Professor da Universidade Estadual de Maringá (DCS/UEM). Publicado na REA, nº 20, janeiro de 2003, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/020/20wlap.htm