terça-feira, 19 de junho de 2012

Milton Cunha: Como posso estar?

O Dia


Rio -  Nem na melhor nem na pior, apenas incomodado. É assim que me sinto, é assim que vivo. Tenho existido neste desconforto que é saber da incompletude humana, da injustiça, de alguns submetidos às maiores atrocidades.

Tudo começou quando postei uma foto minha, de palhaçada, no Facebook: na banheira de mármore de um quarto chic em Las Vegas, eu flutuava na espuma com uma toalha branca enrolada na cabeça e um lindo óculos escuro, de grife, na cara. Deboche, sarcasmo: eu, gorda figura, entre bolinhas de sabão. Uma diva de quinta categoria, risível. De todo lado pipocaram comentários, bobagens internéticas. Mas veio de um jovem a exclamação sincera que me assombra. Ele postou: “E me disseram que você estava na pior; se isto é estar na pior, não sei mais nada...”. Portanto, falamos de um mundo onde se você está num hotel bom você nunca estará na pior. Só está ruim provavelmente quem mora numa casa de subúrbio ou do interior. Ah, este mundo de posses materiais, de poses e parescências.

Estar na pior deve ser não ter dinheiro para viajar, não poder ostentar. Imagina se esta gente vai se perguntar se quem está na banheira iluminada é feliz! Se está lá, está na melhor e pronto. Como alguém pode estar na melhor, vivendo neste mundo em que vivemos? Agora mesmo, nas citações de que nas Olimpíadas de Munique os terroristas arrancaram o pênis do treinador judeu para colocar bastante medo nos atletas sequestrados, que depois viriam todos a morrer, inocentes nas mãos de facínoras. Como posso eu estar na melhor, se sou da mesma espécie deste tipo de humano? Só um louco, um egoísta total, para acreditar que está na melhor só porque pode pagar uma diária internacional. É pouco, quase ridículo diante da luz que deveria morar em cada espírito: fora a banheira, você tem um amor, você respeita seus empregados, você dá bom dia, você estuda, você melhora a cada ano que passa, faz um trabalho voluntário? Talvez estar na melhor seja estar em paz com sua consciência, mas isto não deve fazer o menor sentido para esta gente que passa a vida classificando quem está na melhor ou na pior.

Preciso dizer para ele, iludido: querido, acredite em quem te falou que eu estou na pior, pois me debato em culpas de ter acesso ao consumo. Odeio este mundo injusto, e sou feliz apenas entre um momento e outro de absurda consciência de que meu mundo vai mal. Acho que apenas finjo de vez em quando que sou feliz, porque por dentro há remorso de ter o que todos deveriam possuir: mínimo de discernimento.

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