Rio - Em torno da festa cristã de Corpus Christi, vale lembrar que uma linha vertical divide os seres humanos entre vencedores e vencidos, aliados e inimigos, fiéis e hereges; desce da abstração da linguagem para atingir seu ponto mais cruel: a segregação de corpos.
Uma pessoa é o seu corpo. Morto o corpo, desaparece a pessoa. Contudo, chegamos às portas do Terceiro Milênio num mundo dominado pela cultura da glamourização de corpos aquinhoados por fama, beleza e riqueza, e a exclusão de corpos condenados pela pobreza.
A fome mata muito mais que a Aids. Por que a Aids mobiliza mais? Porque não faz distinção de classe. A fome é problema dos oprimidos e ameaça um terço da humanidade. Os premiados pela loteria biológica, nascidos em famílias que podem se dar ao luxo de comer menos para não engordar, são indiferentes aos famintos.
Açougues virtuais, as bancas de revistas exaltam a exuberância erótica de corpos, sem que haja igual espaço para ideias, valores, espiritualidades e utopias. Menos livrarias, mais academias de ginástica.
A política das nações pode ser justamente avaliada pela maneira como a economia lida com a concretude dos corpos, sem exceção. Num mundo em que os objetos de luxo merecem veneração muito superior ao modo como são tratados milhões de homens e mulheres e o valor do dinheiro se sobrepõe ao de vidas humanas, é hora de nos perguntarmos como é possível corpos tão perfumados com mentalidades e práticas tão hediondas? E por que ideias tão nobres e gestos tão belos floresceram nos corpos assassinados de Jesus, Gandhi, Che Guevara e Chico Mendes?
O limite do corpo humano não é a pele, é a Terra. Resta fazer esta certeza implantar-se na consciência.
Frei Betto é escritor, autor de ‘Conversa sobre a fé e a ciência’, em parceria com Marcelo Gleiser
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