terça-feira, 2 de outubro de 2012

Milton Cunha: Na lata

O Dia


Rio -  Aprendi com Hebe que a sinceridade espontânea na TV é um inestimável tesouro, capaz de passar confiabilidade para o telespectador sobre tudo o que o apresentador diz, porque ele ou ela é uma daquelas pessoas que dizem sem raciocinar, e pronto. Chitãozinho e Xororó, no auge da popularidade, agradeceram no ar a um empresário de rodeios, dizendo ‘o nosso amigo’.
Nisso, sem papas na língua, a loura completou, desancando a dupla estrelar: “Não, meu amor, ele é amigo de vocês; meu ele não é amigo mesmo...” Hebe continuou o seu programa, deixando-nos a impressão de que aquele empresário não era boa bisca. Certamente, ali ela era mais à vontade que em seu lar, porque foi diante das câmeras que a divina era mais feliz.
A socialite adorável, coberta de joias e se fazendo de boba pra ir comendo pelas beiradas, foi uma mulher que, subindo degraus ano a ano, não se deixou enjaular pelas etiquetas pasteurizantes da cartilha de boas maneiras da telinha. Desconcertante, parecia traduzir o desejo das senhorinhas que repetiam em coro que também comeriam Roberto Carlos quando a Camargo esquentou o tempo com o nosso Rei da canção.
Caetano Veloso devoraria Leonardo de Caprio (isso ele declarou em entrevista ao Jô, aí Djavan pegou a frase e botou na música) e Hebe devoraria os caracóis de Roberto. Antropofagia de primeira. Será que Hebe tinha noção de representar uma parcela substancial do nosso querer brasileiro? Acho que sim.
E, claro, eu não morreria sem tê-la conhecido: anos 80, eu, bichinha recém-chegada de pau de arara de Belém do Pará, fui chamado pelo estilista Evandro Junior para produzir o desfile que ele anualmente apresentava no programa de Hebe. Éramos um grupo alegre e barulhento; as manequins eram Marlene, Veluma, Sandra Brea, Maria Rosa, Monique Lafond, Maria Helena Dias, e eu ali, no meio das famosas, vivendo os meus dias de ‘O Diabo Veste Prada’. Ensaiamos de tarde e nos preparamos para esperar ao vivo, de noite.
Foi quando, no camarim, disseram que tínhamos que ir ao palco. Fomos e, de repente, ela surgiu por entre as enormes paredes azuis claras do cenário. Deusa, ela estava no céu e vestida de pantera (usava um robe esvoaçante de estampa de bicho, em tecido nobre, brilhoso). Esfreguei meus olhos, ela não era real.
Não andava, deslizava, flutuando entre panos finíssimos. E seu cabelo: bem, o que era o cabelo de Hebe? Quantas horas passavam arrumando fio a fio? Que arquitetura era aquela? Será que Oscar Niemeyer já tinha visto aquilo? Sim, porque as cúpulas do Congresso Nacional em Brasília eram tributárias do topete de Hebe. Havia faísca naquele olhar, havia luz naquele sorriso eterno em lábios que só repetiam ‘gracinha’ porque ela não conseguia decorar tantos nomes. Hebe e Dercy, cara e coroa do país da galhofa. 

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