O Dia
Rio - A teatralidade na qual se transformou o processo político eleitoral nos faz refletir sobre a legitimidade dos eleitos, do processo eleitoral e do próprio papel que desempenha a Justiça Eleitoral no presente momento. Hoje, não mais convivemos com as muitas modalidades de fraudes do tempo do voto de papel, mas não é possível afirmar que a “verdade eleitoral” venha sendo explicitada. O povo vota nos candidatos que lhe são apresentados, com as informações que recebe.
O povo vota, mas não decide. As decisões são tomadas em instâncias que lhe fogem a compreensão. Desde a escolha dos juízes que apreciam os registros das candidaturas, disciplinam a propaganda, concedem tempo no horário eleitoral gratuito, autorizam ou vetam participações, há mecanismos incompreensíveis até mesmo para quem é do seio da magistratura.
O falseamento das instituições democráticas pode decorrer da manipulação da opinião pública, dos votos e das formas de votar. Mas também das contradições entre as promessas de campanhas e das políticas a serem implementadas para satisfação dos interesses dos grupos financiadores ou patrocinadores das campanhas.
A 1ª República trazia em seu seio a negação da ‘verdade eleitoral’ por meio de ausência de lisura dos pleitos, violação do voto e acabrestamento eleitoral. Tudo, sob as vistas dos juízes designados para as questões eleitorais. Tratava-se de juízes ‘escolhidos a dedo’, o que ensejou, quando da criação da Justiça Eleitoral em 1932, que passassem a ser ‘escolhidos’ por sorteio, sem direito à renúncia que pudesse beneficiar outros comprometidos com interesses não republicanos.
Aquele sistema eleitoral — com suas fraudes — preservava os poderosos das deliberações decorrentes da vontade popular, reduzia as incertezas quanto à estabilidade da ordem vigente e dos riscos que poderiam ser propiciados por uma competição política aberta. O atual sistema também tem interesses a preservar, que não são os dos setores populares. O povo insiste na melhor escolha e acerta nas razões para escolher, mesmo quando erra no escolhido.
João Batista Damasceno é doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito.
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