Renan Almeida
Legislação nasceu da mobilização popular contra candidatos 'sujos'
No próximo domingo (7), quando eleitores de todo o país escolherão novos prefeitos e vereadores em todos os municípios brasileiros, estará valendo pela primeira vez a Lei da Ficha Limpa.
Nem por isto, contudo, os eleitores brasileiros se viram livres dos chamados candidatos com a ficha suja. Um levantamento feito pelo site Congresso em Foco junto a todos os tribunais regionais eleitorais mostrou que há centenas de candidatos com alguma irregularidade que se enquadra na lei da Ficha Limpa.
O maior número de candidatos com problemas foi registrado no Ceará, com 209 impugnados. A decisão final sobre alguns desses casos será dada pelo Tribunal Superior Eleitoral, responsável pela análise dos recursos apresentados pelos candidatos. Estes podem continuar suas campanhas enquanto não houver uma decisão definitiva sobre o assunto.
Iniciativa popular
O projeto da Ficha Limpa surgiu em 2010, fruto de iniciativa popular contra a candidatura de pessoas condenadas pela Justiça ou que renunciaram a seus mandatos para escapar de punições.
Em 1999, o Movimento de Combate à Corrupção Eleitoral (MCCE) e a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) se mobilizavam pela aprovação de iniciativa popular nº 9840/99 (Lei da Compra de Votos) que tornou a compra de votos crime possível de cassação.
Cinco anos depois, o desembargador Marcus Faver, então presidente do Tribunal Regional Eleitoral do RJ, buscou impedir que pessoas respondendo por processos criminais se candidatassem no Rio. A tentativa de Faver foi vetada pelo Tribunal Superior Eleitoral por falta de respaldo legal. "Os homens de bem continuarão a viver com criminosos nas casas legislativas”, lamentou à época o ex-deputado federal Antonio Biscaia.
Para transformar o projeto de combate a corrupção eleitoral na Lei da Ficha Limpa, foi preciso uma grande mobilização nacional iniciada por entidades da sociedade civil (MCCE, CNBB, OAB) e outras instituições. Cerca de 46 entidades participaram da iniciativa que recolheu mais de 1,3 milhão de assinaturas e, então, o Projeto de Iniciativa Popular foi levado ao presidente da Câmara, em setembro de 2009.
Depois disso seria necessário a conferência de cada uma das assinaturas, o que demandaria no mínimo mais seis meses. Para agilizar o trâmite, parlamentares de diferentes partidos o encamparam. O ex-deputado Biscaia foi o primeiro a assinar o PLP nº518/2009 que institui a chamada Ficha Limpa: “Essa intolerável realidade precisa ser radicalmente extirpada do mundo político”, observou o ex-deputado no livro Biscaia, insistindo na necessidade de mudança.
O jornalista Moacir Assunção é autor do livro Ficha Limpa – A Lei da Cidadania e durante sua trajetória como repórter político acompanhou de perto toda a mobilização até a aprovação da lei. “Já conhecia o pessoal do MCCE e fiquei sabendo da história da Ficha Limpa. Ninguém acreditava que pegaria e acho que fui um dos primeiros a escrever sobre isso”, conta.
Assunção, que também é professor universitário, diz que percebe uma mudança no comportamento dos eleitores, aparentemente mais atentos aos políticos. Lembra ainda que a lei assume um papel que deveria ser do próprio partido político: “Percebo que os jovens estão mais preocupados. Agora temos um instrumento legal para retirar os corruptos, os picaretas da política. Tarefa que os partidos políticos evidentemente não fazem”, explica.
Durante o recolhimento das assinaturas Moacir Assunção viu situações curiosas que revelam um lado sombrio da política em algumas regiões. Ele revela que na Baixada Fluminense e em algumas cidades de São Paulo o MCCE não conseguia recolher assinaturas de moradores por conta do medo de políticos: “Entrevistei pessoas que diziam claramente que não assinavam por medo do prefeito, do deputado. Nem sempre vemos nos políticos exemplos de democracia”, lamenta.
O jornalista lembra ainda que apesar da lei ter recebido emendas que enfraqueceram um pouco o seu impacto, também houve avanços. No Maranhão, com base na Lei de Acesso à Informação, o juiz Márlon Reis determinou que o nome dos financiadores de campanha e valores fossem divulgados pelos candidatos antes da votação. A decisão motivou juízes de estados como Paraná, Tocantins, Amazonas e Mato Grosso a exigir a medida de transparência em suas Zonas de competência. No Rio, os financiadores são revelados somente após o resultado.
“Seria muito interessante essa determinação de que os políticos revelem quem está financiando. Quero saber se o cara que eu vou eleger é apoiado por figuras estranhas”, comenta Assunção.
Candidatos barrados
No levantamento do site Congresso em Foco não abrange os candidatos de oito estados pois os tribunais do Acre, Alagoas, Bahia, Goiás, Paraná, Piauí, Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte não enviaram as informações.
Nenhum comentário:
Postar um comentário