Médica de MSF fala sobre a implementação da quimioprofilaxia para tratar a malária sazonal (SMC) no Mali e no Chade.
25 de agosto de 2012 - Desde julho, MSF tem utilizado o método da quimioprofilaxia para tratar a malária sazonal (SMC) pela primeira vez em dois países da região do Sahel, Mali e Chade. Os resultados iniciais são encorajadores, notadamente devido aos números de ocorrências evitadas. A Dra. Estrella Lasry, especialista em malária de MSF, faz uma reflexão sobre os diferentes aspectos e previsão futura da estratégia na entrevista abaixo. Confira.
Quais são as principais considerações ao implementar essa estratégias?
É a primeira intervenção deste tipo que fazemos e, por isso, tivemos de ficar imersos em publicações médicas e operacionais e ler estudos sobre o assunto, bem como a recomendação publicada em março pela Organização Mundial da Saúde (OMS).
Como primeiro passo, tivemos que selecionar o tratamento antimalária que iríamos utilizar. A combinação de amodiaquina e sulfadoxina/pirimetamina (Fansidar®) é conhecida como uma das mais efetivas, já que causa menos efeitos colaterais em crianças e garante uma cobertura de longo prazo, em média de 28 dias.
Então, decidimos que nosso público-alvo seriam crianças com idades entre três meses e cinco anos. O sistema imunológico está menos desenvolvido até essa idade e, por isso, crianças mais novas são particularmente vulneráveis à doença.
Por fim, identificamos as áreas mais fortemente indicadas para dar andamento ao trabalho. A OMS recomenda a SMC como estratégia de prevenção para a malária em países em que a doença é sazonal; mais de 60% dos casos anuais ocorrem a cada quatro meses ou menos. Esse é o caso da área que se estende do Senegal à República Centro-Africana.
Foi então que optamos pelo Mali e pelo Chade, países onde a malária é a causa mais frequente de consultas e de mortalidade infantil.
Que resultados vocês estavam esperando?
Estudos realizados em diversos países da África Ocidental mostram que a SMC pode prevenir até 80% dos casos de malária simples e 70% dos severos. Não temos referências para comparação com nossos projetos no Mali e no Chade porque esta é a primeira vez que utilizamos a estratégia em campo, sob condições reais.
Mas os resultados iniciais parecem compatíveis: observamos uma redução de 65% no número de casos simples de malária no Mali na semana seguinte à administração do tratamento. Além disso, o número de internações com causas relacionadas à malária despencou de 247 para 84 por semana, o equivale a uma redução de 70%.
Esses resultados são encorajadores e agora temos de mensurar seu impacto com a ajuda de institutos de pesquisa e epidemiologistas.
Há esperança de que a malária seja erradicada com a SMC?
É muito cedo para dizer. Isso implicaria tratamento periódico de toda a população, incluindo adultos, porque o parasita é transmitido de pessoa para pessoa pela mordida de certos mosquitos. Por ora, estamos concentrando esforços na redução do número de mortes associadas à malária. Cerca de 15% das crianças infectadas desenvolvem formas severas da doença. Se elas não recebem cuidados a tempo, estão quase que fadadas à morte. E mesmo quando recebem tratamentos adequados, a taxa de letalidade da malária severa ainda é de cerca de 15%. Se quisermos reduzir a mortalidade associada à malária, temos de tentar reduzir o número de ocorrências da doença entre o grupo mais vulnerável: crianças.
Por que não introduzir a SMC em todas as regiões onde a malária é endêmica?
Do modo como a situação está, a natureza sazonal da malária em alguns países nos permite determinar nossas intervenções. É inviável administrar tratamentos durante todo o ano. E mesmo que os resultados sejam promissores, por ora, devemos exercitar a cautela. É um tratamento relativamente oneroso que pode causar efeitos colaterais; a amodiaquina, por exemplo, uma das duas moléculas utilizadas, pode ser rejeitada pelo organismo ou levar a criança a vomitar. A sufadoxina/pirimetamina pode também despertar reações alérgicas, como a síndrome Stevens-Johnson. É raro – 1,2 casos em cada 100 mil exposições à medicação -, mas, de toda forma, demanda monitoramento. Também temos de monitorar a evolução da resistência às moléculas que utilizamos, que pode crescer em um período de três a quatro anos.
Por último, o custo do tratamento está atualmente em US$ 0,5 mensais por criança. O montante parece pouco quando considerado individualmente, mas aumenta drasticamente quando distribuído em escala nacional. Para resumir, devemos ser cautelosos; precisamos avaliar o impacto da estratégia, mesmo que os resultados iniciais sejam incríveis e nos motivem a replicar o projeto mundo afora.
Mas ao menos temos a perspectiva de termos encontrado uma verdadeira arma na luta contra essa doença, que mata centenas de milhares de pessoas todos os anos.
MSF está realizando projetos que envolvem o tratamento e a prevenção das doenças mais letais para jovens crianças no Mali e no Chade. Desde o início de 2012, mais de 12 mil pessoas receberam tratamento ambulatorial contra a malária e 3.500 crianças doentes e/ou com desnutrição severa foram internadas no distrito de Koutiala e no sul do Mali. No distrito de Moïssala, no Chade, mais de 18 mil pessoas receberam tratamento para malária em instalações apoiadas por MSF ou em vilarejos, com a ajuda de agentes de saúde comunitários treinados por MSF.
O programa de quimeoprevenção começou a ser implementado nos projetos de MSF em julho e perduraram até outubro, época de pico da transmissão da malária. Cerca de 165 mil crianças no Mali e 10 mil no Chade foram medicadas. Crianças que já estavam com malária não participaram do programa e foram medicadas com tratamento à base de artemisinina. Antes de o programa ter início, a resistência à SMC foi testada em regiões do Mali e do Chade e nenhuma resistência foi encontrada. Outros métodos de prevenção da malária, como a distribuição de mosquiteiros e inseticidas, além de diagnósticos adequados e controle da malária, devem ser apoiados e implementados nos países endêmicos. A OMS estima que a malária cause a morte de cerca de 650 mil pessoas por ano. Aproximadamente 90% dos casos ocorrem na África Subsaariana, principalmente entre as crianças mais novas.
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