quarta-feira, 20 de junho de 2012

As recomendações da Rio+20


Luis Nassif

Carta Capital

Pelo modelo adotado na Rio+20, na semana passada houve uma série de seminários preparatórios, visando selecionar recomendações aos chefes de Estado.
Coordenei o grupo “Recomendações do Desenvolvimento Sustentável como uma Resposta às Crises Econômicas e Financeiras”.
A primeira recomendação do grupo foi selecionada a partir de votações pela Internet.
Venceu a proposta: promover reformas fiscais que incentivem a proteção ambiental e beneficiar os pobres.
A segunda recomendação surgiu de votação do próprio plenário – cerca de mil pessoas com aparelhos de votação online. Foi escolhida a recomendação: criar imposto sobre transações financeiras internacionais, visando contribuir para um Fundo Verde, responsável pela promoção de empregos decentes e tecnologias limpas.
A terceira recomendação surgiu das discussões dos dez especialistas – cada qual de um país do globo -, ao longo de duas horas e meia de debates.
Propôs a adoção, por todo o mundo, de objetivos compartilhados de desenvolvimento sustentável, a serem adotados por empresas, sociedade civil e poderes públicos.
As metas incluirão métricas inovadoras, divulgação pública, conscientização pública, educação em todos os níveis e resolução de problemas do nível local ao global, poara mapear os caminhos necessários para alcançar os objetivos em cinco áreas críticas:
  1. Capacitar todos os países do mundo para garantir que sejam atendidas as necessidades básicas de saúde, água potável, saneamento e vida digna a todos os indivíduos;
  2. sistema de energia sustentável para o desenvolvimento;
  3. abastecimento alimentar sustentável local e globalmente;
  4. ambientes urbanos sustentáveis, incluindo iniciativas em sistemas de água, esgoto e infraestrutura inteligente;
  5. e indústria sustentável, comprometida a limpar os resíduos produzidos por sua atividade.
Segundo a recomendação, esses objetivos de desenvolvimento sustentável serão perseguidos através de um conjunto comum de princípios e métodos a serem aplicados para todos, incluindo impostos, o que abre uma possibilidade muito forte para orientar a economia para a direção certa. Sugere também uma reforma financeira com financiamento inovador para o desenvolvimento verde e para o aprimoramento das tecnologias sustentáveis em geral.
Entre os debatedores, houve um consenso amplo em torno da importância de novos indicadores para medir a sustentabilidade, tanto para orientar consumidores como para orientar governantes.
Hoje em dia, há muita confusão de conceitos e formas de medição.
Por exemplo, o carro elétrico é visto como não poluente. Mas a energia que o alimenta pode provir de fonte poluente – tudo depende da matriz energética.
Outra discussão, sobre o etanol. Depois de produzido, é energia limpa. E no preparo, o que se gasta em combustível dos tratores, em insumos ou em queimadas?
Até a energia hidrelétrica tem sido alvo dessas contas. É a energia mais limpa que se produz, renovável, mas quando se encobre florestas, há a produção de gás metano, poluente. Qual a soma final?
Daí a importância da criação e padronização de novos indicadores.

terça-feira, 19 de junho de 2012

Cerca de 2 mil protestam na Urca contra torturador da ditadura

O Dia

Rio -  Manifestantes da Articulação Nacional pela Memória Verdade e Justiça realizaram um protesto na Urca, na Zona Sul, na manhã desta terça-feira, contra um suposto torturador que atuou na ditadura militar. De acordo com a PM, cerca de 2 mil pessoas, a maioria estudantes, participaram da manifestação. O grupo pedia punição ao militar reformado.
Manifestantes pedem reabertura de arquivos da Ditadura | Foto: Alessandro Costa / Agência O Dia
Manifestantes pedem reabertura de arquivos da Ditadura | Foto: Alessandro Costa / Agência O Dia

Guardas municipais e policiais militares do Batalhão de Choque reforçaram a segurança. Em frente ao número 96 da Avenida Lauro Muller, que ficou parcialmente interditada por policiais, os manifestantes exibiram um cartaz onde se lia "Aqui mora um torturador". Homens do Batalhão de Choque isolaram a área e até moradores tiveram dificuldade em acessar os prédios.
Grupos que participam da Cúpula dos Povos, evento paralelo à Rio+20, que acontece no Aterro do Flamengo, também estiveram na manifestação. Devido à manifestação, o trânsito nas ruas da Zona Sul ficou bastante complicado na manhã desta terça-feira. Os manifestantes ocuparam uma faixa da Avenida Pasteur na altura da Praia da Urca, e seguiram pela  Avenida Venceslau Brás e Avenida Lauro Muller, onde se concentraram. Houve reflexos na Avenida Atlântica, em Copacabana, na pista sentido Botafogo. Agentes da CET-Rio, PMs e guardas municipais estiveram no local acompanhando os manifestantes. 
Foto: Leitor @ferasdoasfalto
Foto: Leitor @ferasdoasfalto

'Esculachos'
No mês passado, cerca de cem pessoas protestaram em frente ao prédio onde mora o tenente-coronel reformado Maurício Lopes Lima, que foi denunciado pelo Ministério Público Federal (MPF) como torturador. Integrantes do grupo Levante Popular da Juventude, que organiza os atos conhecidos como "esculachos", disseram ter recebido informações de que o ex-militar, chamado de "torturador da presidenta Dilma", estaria em casa, mas ele não se manifestou. O protesto teve início às 10h e durou uma hora, em frente ao edifício do tenente-coronel no Guarujá, litoral de São Paulo. 

Milton Cunha: Como posso estar?

O Dia


Rio -  Nem na melhor nem na pior, apenas incomodado. É assim que me sinto, é assim que vivo. Tenho existido neste desconforto que é saber da incompletude humana, da injustiça, de alguns submetidos às maiores atrocidades.

Tudo começou quando postei uma foto minha, de palhaçada, no Facebook: na banheira de mármore de um quarto chic em Las Vegas, eu flutuava na espuma com uma toalha branca enrolada na cabeça e um lindo óculos escuro, de grife, na cara. Deboche, sarcasmo: eu, gorda figura, entre bolinhas de sabão. Uma diva de quinta categoria, risível. De todo lado pipocaram comentários, bobagens internéticas. Mas veio de um jovem a exclamação sincera que me assombra. Ele postou: “E me disseram que você estava na pior; se isto é estar na pior, não sei mais nada...”. Portanto, falamos de um mundo onde se você está num hotel bom você nunca estará na pior. Só está ruim provavelmente quem mora numa casa de subúrbio ou do interior. Ah, este mundo de posses materiais, de poses e parescências.

Estar na pior deve ser não ter dinheiro para viajar, não poder ostentar. Imagina se esta gente vai se perguntar se quem está na banheira iluminada é feliz! Se está lá, está na melhor e pronto. Como alguém pode estar na melhor, vivendo neste mundo em que vivemos? Agora mesmo, nas citações de que nas Olimpíadas de Munique os terroristas arrancaram o pênis do treinador judeu para colocar bastante medo nos atletas sequestrados, que depois viriam todos a morrer, inocentes nas mãos de facínoras. Como posso eu estar na melhor, se sou da mesma espécie deste tipo de humano? Só um louco, um egoísta total, para acreditar que está na melhor só porque pode pagar uma diária internacional. É pouco, quase ridículo diante da luz que deveria morar em cada espírito: fora a banheira, você tem um amor, você respeita seus empregados, você dá bom dia, você estuda, você melhora a cada ano que passa, faz um trabalho voluntário? Talvez estar na melhor seja estar em paz com sua consciência, mas isto não deve fazer o menor sentido para esta gente que passa a vida classificando quem está na melhor ou na pior.

Preciso dizer para ele, iludido: querido, acredite em quem te falou que eu estou na pior, pois me debato em culpas de ter acesso ao consumo. Odeio este mundo injusto, e sou feliz apenas entre um momento e outro de absurda consciência de que meu mundo vai mal. Acho que apenas finjo de vez em quando que sou feliz, porque por dentro há remorso de ter o que todos deveriam possuir: mínimo de discernimento.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Xuxa e o abuso sexual

RAYMUNDO DE LIMA*
Revista Espaço Acadêmico


O desabafo da Xuxa no programa Fantástico/TV Globo causou polêmica até nas escolas e universidades. Não pretendo aqui discutir o passado da loura apresentadora, nem desqualificar o seu desabafo com a suspeita que ter sido um ato de espetacularização da sua intimidade, ou jogada de marketing para aumentar a audiência a TV, etc.
Sem dúvida, seu desabafo abriu caminho para muita gente sofrida com abuso sexual, que, agora, se autoriza denunciar o crime, conversar sobre o assunto, buscar tratamento.  Haja vista que as denúncias cresceram 30% após seu depoimento, divulgou a Secretaria de Direitos Humanos da Presidência da República. (O Disque100 é para denunciar violações aos direitos de crianças, adolescentes, idosos, deficientes, grupos em situação de vulnerabilidade, ou para obter informações. A pessoa não precisa se identificar).
Abusos sexuais praticados por adultos contra crianças sempre existiram, infelizmente. Mas hoje o estado de direito garante segurança a pessoa que denuncia o crime. Enfim, a sociedade atual parece sensibilizada pelo sofrimento das vítimas, geralmente menor de idade e indefesas. Mesmo assegurado este direito, é um momento delicado para ela denunciar o agente do abuso sexual (incesto e pedofilia), porque indiretamente termina denunciando outro adulto que se omitiu ao socorro.  Convenhamos: é muito pesado para uma criança, adolescente ou na idade da Xuxa, tomar a decisão de denunciar abuso sexual cometido por um membro da família ou conhecido. Se a denúncia é dirigida para um membro da família, como poderia esta sobreviver? Também pesará no íntimo da vítima dúvidas do tipo: Por que isso aconteceu comigo? Tomei a decisão certa de denunciar agora ou deveria ter feito logo no início? Como será meu futuro daqui pra frente? Devo perdoar?
Ouso fazer um alerta: por um lado, a denúncia de abusos sexuais de adultos contra crianças, especialmente de pais contra filhos/as, contribui tanto para encorajar mais denúncias ‘reais’. Grifo ‘reais’ porque muitas denúncias são falsas. Não raro, denúncias alardeadas pela mídia criam um clima ‘denuncista’, que é a reação histérica daqueles que jamais sofreram abuso contra inocentes. Ou seja, o denuncismo e a denuncia ‘vazia’ pode destruir a vida social e moral de pessoas inocentes, como aconteceu na Escola Base,em São Paulo, fechada em 1994, quando seus proprietários foram injustamente acusados de abuso sexual contra uma aluna.
Lembro-me do filme “Acusação” que relata um caso nos Estados Unidos que destruiu a vida psíquica, social e moral dos donos de uma escola acusados de abuso sexual contra alunos. Induzidas por uma profissional da escola as crianças imaginaram “coisas feias” que nunca ocorreram Esse fenômeno psíquico é denominado de “falsa memória”.
Por definição, falsas memórias são informações armazenadas na memória sem um estímulo real objetivo, mas que são recordadas como se tivessem sido efetivamente vivenciadas pelo sujeito. A memória falsificada pode ter sido induzida por sugestão intencional ou não intencional, ou mesmo por acontecimentos do cotidiano que impressionam a pessoa fragilizada. As crianças são mais propensas a falsificação de memória, porque são mais sugestionáveis do que os adultos.
A falsa memória também ocorre em adultos em estado de estresse e em momentos psicóides. A atmosfera coletiva também influencia muito para falsificar acontecimentos. Por exemplo, nos Estados Unidos, nas regiões onde predomina o fundamentalismo cristão é frequente crianças se lembrarem de sua participação em cultos satânicos. Costumam ser declarações ricas em detalhes[1], por exemplo, afirmam ter visto no culto satânico as pessoas comendo bebês, fazendo sexo com animais, e assassinatos horríveis. Este fenômeno é denominado “inflação da imaginação”, foi descrito pela psicóloga norte-americana Elizabeth Loftus: “depois de fazer a mente imaginar os detalhes do ‘evento’, a certeza de que ele de fato ocorreu tende a aumentar (fonte: http://www.cemp.com.br/artigos.asp?id=58).
Em2011, apsicóloga Elizabeth Loftus foi agraciada com o Prêmio Liberdade e Responsabilidade Científica da Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAAS). Suas pesquisas científicas evitaram a condenação de um sem-número de inocentes, portanto o sistema judiciário dos Estados Unidos hoje está mais prudente com as provas testemunhais.
É no processo de investigação de crimes que a falsa memória pode causar danos irreversíveis. Por isso mesmo que a “a falsa memória deve sempre ser vista com cautela durante as investigações”, alerta a psicóloga forense e professora da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, Lilian Milnitsky Stein, autora do livro Falsas Memórias: Fundamentos científicos, aplicações clínicas e jurídicas (Ed. Artmed).
O leitor pode ver no Youtube o documentário “Falsas lembranças” ou “Falsas Memórias de Abusos Sexuais” (do canal People & Arts – Discovery), que analisa vários casos de jovens e adultos terem sido vítimas de abusos sexuais. Desse modo, famílias inocentes foram destruídas pela onda denuncista, filhos se afastaram definitivamente dos pais porque estavam convictos de terem sido abusados por eles. Mesmo depois comprovada inocência dos genitores persistiu a dúvida e o constrangimento familiar e na sociedade até o final de suas vidas.
O caso da Escola Base passou a ser referência obrigatória de análise e discussão nos cursos sobre Ética do Jornalismo e de Direito, especialmente quanto tratam dos temas “calúnia”, “difamação”, “injúria”, “danos morais”, “denúncia premiada” etc. Seminários e congressos discutem esse caso alertando para a necessária prudência, serenidade e responsabilidade dos profissionais envolvidos em ondas de denúncia ou delação. O fenômeno psíquico “histeria coletiva”, “transe coletivo”, “falsa lembrança” ou “falsa memória” ainda são assuntos pouco pesquisados nos cursos de Psicologia, Psicopatologia, Psiquiatria, Sociologia, Filosofia-Ética. Obs.: Vale a pena consultar o livro “Falsas Memórias: Fundamentos científicos, aplicações clínicas e jurídicas” de Lilian Milnitsky Stein (Ed. Artmed), e “O Caso Escola Base – Os Abusos da Imprensa”, livro de Alex Ribeiro (Ed. Ática, 1995).

* RAYMUNDO DE LIMA é Professor do Departamento de Fundamentos da Educação (DFE/UEM) e Doutor em Educação (USP)
[1] “A ensaísta americana Susan Sontag escreveu que “pelo menos o passado é seguro”, referindo-se a suas memórias. Não é mais o caso. O artista espanhol Salvador Dali (1904-1989) foi mais presciente quando disse que ‘a diferença entre falsas memórias e as verdadeiras é a mesma entre as jóias: são sempre as falsas que parecem mais reais, mais brilhantes’” (Folha de São Paulo, 23/08/98).

quarta-feira, 13 de junho de 2012

Fernando Molica: O pato, o marreco e a desculpa do senador

O Dia

Rio - 'Oi, pato!’ Todo vestido de vermelho, encapuzado — chuviscava naquela manhã de domingo —, o menino de uns dois anos de idade acenava para a ave preta com faixa encarnada na testa que nadava na Lagoa Rodrigo de Freitas. Seu pai ainda tentou corrigi-lo: “É um marreco, meu filho”, mas o menino continuou a chamar de pato aquilo que ele considerava ser um pato.
Indiferente, o bicho parecia envolvido com questões mais urgentes, como arrumar o que comer. Até porque a discussão daqueles dois humanos não fazia o menor sentido para ele. Ambas as denominações lhe eram externas; a ave era o que era, não tinha a menor ideia do que os outros diziam sobre o que deveria ser. O menino também não se importava com a soberba do bichinho, que não dava a menor bola para seus gritos e acenos. Seu pai é que parecia preocupado em tentar viabilizar uma comunicação entre o filho e a ave — talvez acreditasse que o animal reagiria aos estímulos se chamado pela supostamente correta classificação de marreco.
Palavras são fundamentais para que possamos entender o mundo. Ao dar um nome ou apelido a uma coisa, a um bicho ou a uma pessoa, nos tornamos como seus proprietários. Quando, num gesto autoritário e necessário, batizamos um filho, conferimos àquele nenenzinho uma identidade pela qual será conhecido pela vida inteira — e ele, coitado, não tem como recusá-la (com o passar dos anos, João pode virar Joana ou Bernadete, mas esta é outra história). Quando apelidamos a mulher amada estamos, no fundo, trazendo-a mais para perto, nos apropriando um pouco mais dela, conferindo-lhe uma identificação própria, única, particular. Para o resto da humanidade ela continuará a ser Maria, Hermengarda, Juliana, Rosyanne — mas para nós será Mozinho, Neguinha, Fofura: o amor tem uma capacidade ilimitada de perdoar o ridículo.
Imperdoável é o uso de palavras para se mudar uma realidade evidente. É quando o governo norte-americano chama tortura de “técnicas aprimoradas de interrogatório”. Ou quando um senador se agarra a minúcias legais e tenta convencer a Justiça a desconsiderar o que ele mesmo falou ao telefone. É como se dissesse que nenhuma daquelas gravações é válida porque ele não é pato, mas marreco: desculpa que, se vingar, fará com que todos nós sejamos os grandes patos dessa história.
Fernando Molica é jornalista e escritor | E-mail: fernando.molica@odianet.com.br

terça-feira, 12 de junho de 2012

Milton Cunha: O sagrado é um só

O Dia

Rio - Atraído pela exuberância das vestimentas, eu não podia perder o belo ‘Globo Repórter’ de sexta, sobre a recôndita tribo dos índios do Mato Grosso que preservam (graças a Deus!) seus sete meses de rituais por ano. Fazem isso porque sabem que precisam respeitar a natureza, pois dela vem tudo. É maravilhoso ver como estes, considerados primitivos, indígenas amazônicos ( e os africanos, e os papuas), sempre bateram na tecla de que é preciso preservar a floresta, as águas. Agora vem os caras pálidas, gastando milhões, fazendo um carnaval com a Rio+20, para concluir o mesmo, como se tivessem descoberto a pólvora. Meus amores, enquanto vocês não souberem ouvir a voz que vem do imemorial tempo, não adianta ser rico, sendo surdo. É preciso sensibilidade para enxergar as relações sustentáveis dos grupos sempre menosprezados, que sobreviveram sem ganância. A curto prazo, o melhor é os donos do mundo arrancarem seus paletós e terninhos, pintarem seus corpos de urucum e fazer uma pajelança.

Foi aí que ouvi o narrador do programa dizer: “Estes índios acreditam no sobrenatural, que são os espíritos da floresta que mandam as doenças...” Para o mundo que eu quero descer: olha Chapelin e o redator, não são só eles que acreditam no sobrenatural, não. Quando vocês vão a missa comungar, achando que hóstia é corpo de Cristo, quando vocês celebram a Páscoa e a ressurreição, vocês também estão no campo do sobrenatural, meus amores. Ah, como é? Quer dizer que os espíritos dos pobrezinhos dos indiozinhos são piores, ou menores, que o Deus católico de vocês? Foi por isso então que o Pastor chutou a Santinha de vocês, né? Porque ele a considera sobrenatural, menor, menos importante, desprovida de respeitabilidade.

O homem branco sempre colocou o sobrenatural fora dele. Esta é a desgraça. Sobrenatural é o vodu, macumba, candomblé, tupã. Natural é tocar sineta em Missa, andar sobre as águas do Oriente Médio em milagres que são superaceitáveis. Inaceitável é a gente da floresta querendo convencer que a mata verdejante tem seus espíritos.

De um lado primeiros-ministros, presidentes, chefes de estado: a voz que manda naturalmente. De outro lado a Cúpula dos povos — mulheres, índios, pescadores da Sibéria: a voz que desobedece. Enquanto a gente continuar dizendo que sobrenatural é o do vizinho, não teremos dado nenhum passo para a solução.
Milton Cunha é carnavalesco e Doutor em Ciência da Literatura pela UFRJ. E-mail: chapa@odianet.com.br

segunda-feira, 11 de junho de 2012

Economia verde versus Economia solidária

Jornal do Brasil


Leonardo Boff 
O Documento Zero da ONU para a Rio+20 é ainda refém do velho paradigma da dominação da natureza para extrair dela os maiores benefícios possíveis para os negócios e para o mercado. Através dele e nele o ser humano deve buscar os meios de sua vida e subsistência. A economia verde radicaliza esta tendência, pois como escreveu o diplomata e ecologista boliviano Pablo Solón “ela busca não apenas mercantilizar a madeira das florestas mas, também, sua capacidade de absorção de dióxido de carbono”. Tudo isso pode se transformar em bônus negociáveis  pelo mercado e pelos bancos. Destarte o texto se revela definitivamente antropocêntrico como se tudo se destinasse ao uso exclusivo dos humanos e a Terra tivesse criado somente a eles e não a outros seres vivos que exigem também sustentabilidade das condições ecológicas para a sua permanência neste planeta. 
Resumidamente: O futuro que queremos, lema central do documento da ONU, não é outra coisa que o prolongamento do presente. Este  se apresenta ameaçador e nega um futuro de esperança. Num contexto destes, não avançar é retroceder e fechar as portas para o novo. 
Há outrossim um agravante: todo o texto gira ao redor da economia. Por mais que a pintemos de marron ou de verde, ela guarda sempre sua lógica interna que se formula nesta pergunta: quanto posso ganhar no tempo mais curto, com o investimento menor possível, mantendo forte a concorrência? Não sejamos ingênuos: o negócio da economia vigente é o negócio. Ela não propõe uma nova relação para com a natureza, sentindo-se parte dela e responsável por sua vitalidade e integridade. Antes, move-lhe uma guerra total, como denuncia o filósofo da ecologia Michel Serres. Nesta guerra não possuímos nenhuma chance de vitória. Ela ignora nossos intentos. Segue seu curso, mesmo sem a nossa presença. Tarefa da inteligência é decifrar o que ela nos quer dizer (pelos eventos extremos, pelos tsunâmis etc), defender-nos de efeitos maléficos e colocar suas energias a nosso favor. Ela nos oferece informações mas não nos dita comportamentos. Estes devem ser inventados por nós mesmos. Eles somente serão  bons caso estiverem  em conformidade com seus ritmos e ciclos. 
Como alternativa a esta economia de devastação, precisamos, se queremos ter futuro, opor-lhe outro paradigma de economia de preservação, conservação e sustentação de toda a vida. Precisamos produzir, sim, mas a partir dos bens e serviços que a natureza nos oferece gratuitamente, respeitando o alcance e os limites de cada  biorregião, destribuindo com equidade os frutos alcançados, pensando nos direitos das gerações futuras e nos demais seres da comunidade de vida. Ela ganha corpo hoje através da economia biocentrada, solidária, agroecológica, familiar e orgânica. Nela cada comunidade busca garantir  sua soberania alimentar. Produz o que consome, articulando produtores e consumodres numa verdadeira democracia alimentar. 
A Rio+92 consagrou o conceito antropocêntrico e reducionista de desenvolvimento sustentável, elaborado pelo relatório  Brundland de 1987 da ONU. Ele se transformou num dogma professado pelos documentos oficiais, pelos Estados e empresas sem nunca ser submetido a uma crítica séria. Ele sequestrou a sustentabilidade só para  seu campo, e assim distorceu as relações para com a natureza. Os desastres que causava nela eram vistos como externalidades que não cabia considerar. Ocorre que estas se tornaram ameaçadoras, capazes de destruir as bases físico-químicas que sustentam a vida humana e grande parte da biosfera. Isso não é superado pela ecocomia verde. Ela configura uma armadilha dos países ricos, especialmente da OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico), que produziu o texto teórico do Pnuma, Iniciativa da economa verde. Com isso, astutamente  descartam a discussão sobre a sustentabilidade, a injustiça social e ecológica, o aquecimento global, o modelo econômico falido e a mudança de olhar sobre o planeta  que possa projetar um  real futuro para a Humanidade e para a Terra. 
Junto com a Rio+20 seria um ganho  resgatar também a Estocolmo+40. Nesta primeira conferência mundial da ONU de 5-15 de julho de1972, em Estocolmo, na Suécia,  sobre o Ambiente humano, o foco central não era o desenvolvimento mas o cuidado e a responsabilidade coletiva por tudo o que nos cerca e que está em acelerado processo de degradação, afetando a todos e especialmente aos países pobres. Era uma perspectiva humanística e generosa. Ela se perdeu com a cartilha fechada do desenvolvimento sustentável e agora com a economia verde.
Leonardo Boff, teólogo e filósofo, é autor de 'Sustentabilidade: O que é e o que não é' (Vozes, 2012) e membro da Comissão Iniciativa da Carta da Terra. -  lboff@leonardoboff.com

domingo, 10 de junho de 2012

Luiz Martins: Aumento de carga horária nas escolas

O Dia


Rio -  O Ministério da Educação (MEC) preparou uma proposta direcionada ao Congresso Nacional com o objetivo de aumentar a jornada escolar. A meta é, em cinco anos, ampliar a duração da carga diária de aulas de quatro para cinco horas; em 10 anos, para seis, e em 15 anos, para sete. Paralelamente, o Plano Nacional de Educação propõe que 50% das instituições públicas de Educação Básica ampliem sua jornada até 2020.
Diante dessa demanda, se o projeto não for cuidadosamente planejado, pode haver risco de as crianças receberem um atendimento meramente assistencialista, fora do projeto pedagógico da escola e, às vezes, fornecido por quem não possui formação para lecionar. Além disso, há também as questões de aproveitamento do espaço e do tempo disponíveis.
O trabalho docente requer formação e qualificação na área de Educação, não deve ser exercido por profissionais de outras áreas ou por pessoas envolvidas em projetos de apoio à escola. Isso desqualifica os processos educacionais e a profissão de professor.
Consequência da proposta do MEC é a inserção de novas atividades educacionais nesse tempo extra. Portanto, pode ser necessária a contratação de profissionais não docentes. É imprescindível a integração constante entre estes, os professores e os demais membros da equipe pedagógica, de forma a garantir o desenvolvimento dos temas geradores, a continuidade do trabalho pedagógico e o alcance de seus objetivos.
Além disso, é importante reorganizar e reestruturar o espaço e o tempo, contemplando as atividades tradicionais e as que serão introduzidas no currículo.
O projeto poderá trazer muitos benefícios, pois, ao aumentar a permanência na escola, trará mais atividades que contribuirão para o enriquecimento da formação desses estudantes.
Deputado estadual pelo PDT e membro da Comissão de Educação da Alerj

Comentário do blog: isto parece até piada, pois, nestes 22 anos de profissão o que mais tenho visto é falta de profissionais nas escolas. Ano após ano há turmas que "passam" de ano sem terem tido aulas, ora de matemática, ora de português, etc.. Neste ano mesmo, na escola municipal na qual trabalho há turmas de 6°ano sem professores de português e geografia.

Frei Betto: O candidato ingênuo

O Dia


Rio -  Candidato, palavra que deriva de cândido, íntegro. Quem dera a maioria correspondesse a essa etimologia... A ingenuidade de muitos candidatos a vereador se desfaz quando, convidado a concorrer às eleições, acredita que, se eleito, não será ‘como os outros’ e prestará excelente serviço ao município.
O que poucos candidatos desconfiam é que servem de escada para a vitória eleitoral de políticos que eles criticam. Para se eleger vereador ou deputado estadual ou federal, é preciso obter quociente eleitoral — e aqui reside o pulo do gato.
Cândidos eleitores imaginam que são empossados os candidatos que recebem mais votos. Ledo engano. É muito difícil um único candidato obter, sozinho, votos suficientes para preencher o quociente eleitoral. A Justiça Eleitoral soma os votos de todos os candidatos do mesmo partido, mais os votos dados apenas ao partido, sem indicação de candidato.
Ora, se você pensa em ser candidato, fique de olho. Pode ser que esteja servindo de degrau para a ascensão de candidatos cuja prática política você condena, como a falta de ética. Enquanto não houver reforma política, o sistema eleitoral funciona assim: muitos novos candidatos reelegem os mesmos políticos de sempre!
Como alerta o sociólogo Pedro Ribeiro de Oliveira, “mais frequentes são a derrota e a frustração de pessoas bem-intencionadas, mas desinformadas. Ao se apresentar como candidatas, elas mobilizam familiares, amigos e vizinhos para a campanha. Terminadas as eleições, percebem que sua votação só serviu para engordar o quociente eleitoral do partido ou da coligação... Descobrem, tarde demais, que eram apenas ‘candidatos alavancas’”.
Convém ter presente que o nosso voto vai, primeiro, para o partido e, depois, para o candidato.
Escritor, autor de ‘A mosca azul: reflexão sobre o poder’

Aos prolixos, excluídos e solitários que publicam na rede


WALTER PRAXEDES*
Os prolixos
É difícil percebermos quando nos tornamos prolixos. No dia de sua diplomação o nosso novo presidente até reconheceu que nunca havia falado por apenas cinco minutos. Foi uma exceção.
Escrever também pode tornar-se uma obsessão. Isso ocorre quando as palavras que digitamos e aparecem na tela não fazem concessão e exigem sempre mais. Cobram intermináveis complementações, esclarecimentos, adequações, aquela expressão exata. Muitas vezes tudo isso é desnecessário, pois o leitor vai sempre preencher os brancos do texto que lê com a sua imaginação e o seu discernimento. Mas não, o autor prolixo considera como essencial emendar, fundamentar e ilustrar até que o leitor se canse e descubra a verdade do mouse.
Pela escrita podemos fugir da realidade com o pretexto de investigá-la. É assim que suplantamos os limites do existente. Analisar, descrever, interpretar e explicar se revelam, então, vícios incorrigíveis.
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Os excluídos

No Brasil dos anos trinta, apenas algumas centenas de escritores publicavam nos jornais e revistas de norte a sul do país. Agora são centenas de milhares de escritores que reclamam o direito de expressão pública.
Tudo indica que a rede será transformada em um veículo perene, uma vez que vem crescendo o número de pessoas que escrevem, enquanto os canais de divulgação mais prestigiosos tendem para a centralização.
Escrever e publicar na Internet faz esquecermos que os veículos mais lidos e tomados a sério estão fechados para a turba de digitadores implacáveis que compomos.
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Os solitários
Quando publicamos na rede lançamos inúmeras garrafas ao mar com um pedido de socorro. Esta imagem pode ser usual, mas me parece irresistível e apropriada. Desde o instante em que lançamos a primeira garrafa passamos a cultivar a esperança de que alguém a encontre. Isso quase aconteceu comigo quando uma leitora enviou-me uma mensagem instigante: “Li o seu artigo sobre o professor universitário e achei-o muito interessante numa primeira leitura”. Não é fácil se entregar a um desconhecido, reconheço.
Quando compramos um livro, podemos conferir a procedência da obra, a credibilidade da editora, o currículum do autor. Nas grandes editoras os autores são mais conhecidos. Acho impensável um raciocínio do tipo: “Li o livro de Saramago e achei-o muito interessante numa primeira leitura”. Simplesmente confiamos. Podemos ser efusivos, amar ou odiar um texto de um escritor célebre desde a primeira leitura das primeiras linhas. Quanto aos desconhecidos que habitam o mundo virtual é preciso evitar um engano. Nunca se sabe quem está do outro lado da rede.
Mas ocorre também de uma de nossas garrafas virtuais ser encontrada. Então, uma resposta que recebemos e interpretamos como sincera, substitui os leitores anônimos, sem rosto ou opinião que desconhecemos ou que nunca conquistaremos, nos livrando da sensação de esquecimento por algum tempo. Por isso continuamos lançando garrafas ao mar.

* WALTER PRAXEDES é Doutor em Educação (USP), Sociólogo e Professor da Universidade Estadual de Maringá (DCS/UEM). Publicado na REA, nº 20, janeiro de 2003, disponível em http://www.espacoacademico.com.br/020/20wlap.htm