Carta Capital
Manifestações neonazistas ocuparam as ruas de várias cidades alemãs nas últimas semanas, causando reação contrária. "Nazis Raus" significa "Fora Nazistas". Foto: Bonn stellt sich quer
Durante seis meses, um informante que trabalhava para a polícia do Estado federado da Baviera (sul da Alemanha) montou um estande de kebab em Nuremberg para tentar esclarecer misteriosas mortes de pequenos empresários estrangeiros. A partir deste informante, a polícia descobriu no fim de 2011 que os crimes eram de autoria de uma célula neonazista. A informação foi divulgada na quinta-feira 10 por Walter Kimmel, promotor geral de Nuremberg, durante sessão da comissão de investigação da chamada “Célula de Zwickau” no Bundestag, a Câmara Baixa do Parlamento alemão.
A existência dessa célula formada por três neonazistas e também conhecida como o grupo NSU (Nationalsozialistischer Untegrund, ou Nacional-Socialismo Clandestino, em tradução livre) chocou algumas regiões da Alemanha.
O NSU seria responsável pela morte de nove microempresários estrangeiros (oito turcos e um grego) entre 2000 e 2005, e existiu durante quase 13 anos sem que as ligações entre os assassinatos cometidos fossem descobertas. Foi precisamente a negligência em relação ao terror de direita a responsável pelo espanto em toda a Alemanha. O promotor federal do país, Harald Range, descreveu a existência do NSU como “o 11 de setembro alemão”.
Para Michael Sturm, conselheiro na Mobim (sigla em alemão para Centro de Aconselhamento contra o Extremismo de Direita e para a Democracia) em Münster, no oeste da Alemanha, o problema do NSU não é novo e não veio à tona com o grupo. “Nos últimos 20 anos, esse tipo de situação foi recorrente, a exemplo dos ataques incendiários de Solingen (oeste) no início dos anos 1990. Ou então casos de violência que aconteceram em Rostock (nordeste) em 1992, diante de residências de estrangeiros. Foram incidentes que aconteceram diante dos olhos de todos”, lembra.
Sturm aponta que muitas cidades ainda minimizam o crescimento da extrema direita para casos isolados envolvendo jovens. “Existem ameaças, como no caso do NSU, que já partem de grupos muito pequenos”, relata Sturm, para quem os motivos para a “negligência” são vários.
“O governo alemão – independentemente de ser o atual ou as coalizões que dirigiam o país nos anos 1990 – se preocupa com a imagem no exterior, então não faz muito alarde sobre o assunto. Outro aspecto é que a sociedade alemã tem um racismo amplamente difundido no cotidiano. É uma postura de exclusão que não é privilégio de neonazistas. Isso se mostra de várias maneiras, como por exemplo por expressões idiomáticas na mesa de bar, em pontos de ônibus ou em festas populares”, explica.
Modernizar-se para conquistar adeptos nos trabalhadores
No início do mês, decisões de tribunais nas cidades de Hagen e Minden (oeste da Alemanha) autorizaram manifestações do partido de extrema direita Pro-NRW a exibir caricaturas críticas ao Islã. A agremiação política já havia protagonizado uma marcha com as caricaturas no sábado 5 em Bonn, causando reações violentas de radicais islâmicos salafistas.
As manifestações tiveram grande efeito no país. Segundo a polícia, 29 membros das forças de segurança ficaram feridos – dois deles estão em estado grave após levarem facadas. A polícia prendeu 109 pessoas em Bonn.
Os tribunais justificaram que proibiriam as manifestações em Hagen e Bielefeld apenas se houvesse provas suficientes de que haveria atos de violência. Outros já proibiram de antemão.
O temor atual de autoridades na Alemanha é de mais violência envolvendo o partido Pro-NRW. Em várias cidades da Renânia do Norte-Westfália (oeste), os cartazes do Pro-NRW chamam a atenção pela crítica ao Islã. Um deles, avistado pela reportagem em Aachen, na fronteira com a Bélgica e a Holanda, diz: Freiheit statt Islam (Liberdade em vez de Islã) e mostra o desenho de uma mesquita riscada.
Milhares de pessoas protestaram contra ações de grupos neonazistas e também do partido radical de direita NPD (Nationaldemokratische Partei Deutschlands) em várias cidades alemãs no 1º de maio. O objetivo é pegar carona nas reinvindicações trabalhistas dos partidos de esquerda.
Anti-nazistas se articulam
A ação neonazista ganhou uma reação de pessoas que não querem conviver com este fantasma novamente. Patrick Schulze, de 20 anos, participou de manifestação contra uma marcha de neonazistas em Bonn. “Não quero isso aqui nunca mais”, diz, arranjando os óculos de grau que disfarçam seus olhos azuis, arqueando-se para frente. O cabelo, aparentemente curto e loiro, está quase todo escondido debaixo de uma boina de lã. “Não somos culpados pelo que aconteceu lá atrás, na História. Mas isso não pode se repetir”, diz.
Sentada ao lado de Schulze, sua melhor amiga Pia Deeg, 17, mata a fome comendo um prato de batatas fritas com maionese. Ao falar da manifestação, arqueia o corpo para frente e para de mastigar. “Nunca vi uma manifestação tão pacífica e que mobilizou tanta gente contra os neonazistas”, relata, sorrindo. Mas complementa: “Para acabar com os neonazistas, vale qualquer negócio. Não entendi o spray de pimenta, porque não somos violentos como os neonazistas, mas vale desobedecer à lei para impedi-los”, desafia.
O trabalho dos dois jovens ficou mais intenso nos últimos meses quando ficaram sabendo da manifestação. “Engraçado que a polícia avisou que haveria essa manifestação neonazista em fevereiro. Eles sabiam faz tempo”, afirma Patrick.
Neonazistas com nova roupa
Nas faixas que carregaram em Bonn no Dia do Trabalho, os radicais de direita escreveram: “O povo que passa necessidade precisa de trabalho e pão” e “É preciso quebrar os sistemas financeiros” e “Nacionalismo em vez de globalização”.
Com exceção do último, alguns dos slogans podem até lembrar gritos de guerra da esquerda – por isso os sindicatos reclamam sobre a “carona” nas reivindicações sociais. Muitos dos neonazistas que foram a Bonn usavam roupas pretas – mas viam-se igualmente meninas com faixas coloridas nos cabelos e rapazes usando bonés e roupas claras.
Porém, segundo o sociólogo Alexander Häusler, do departamento de pesquisa sobre neonazismo na Faculdade de Düsseldorf, a semelhança dos militantes neonazistas com os de esquerda está mais visual. “A imagem clichê do neonazista alemão, com botas de plataforma, cabelos raspados e jaqueta de couro preta não corresponde mais às imagens reais. Já estão há dez anos se modificando, se modernizaram culturalmente”, afirma.
Mas, enquanto os movimentos de esquerda pregam valores igualitários e anarquia contra o sistema, os chamados “nacionalistas autônomos”, segundo o sociólogo, ainda “têm na cabeça valores de desigualdade, diferenciação, racismo e que ainda idealizam, mais ou menos, o Nacional-Socialismo [de Adolf Hitler]”.
Por outro lado, a mistura de visual apontada por Häusler e também pelos jovens Patrick e Pia dificulta o trabalho, por exemplo, de educadores, que acabam não diferenciando bem os dois lados. A cena neonazista alemã, atualmente, está bastante difusa e presente em toda a Alemanha, segundo Häusler, a exemplo dos “nacionalistas autônomos”, sobre os quais o estudioso escreveu um livro com o autor Jan Schedler.
Em entrevista ao semanário Die Zeit, Häusler deu o exemplo de um grupo de “camaradas neonazistas” atuante em Dortmund, cidade considerada um bastião de neonazistas no oeste da Alemanha. Segundo Schedler, o grupo Resistência Nacional de Dortmund, ou Nationaler Widerstand Dortmund, “é determinante para os chamados nacionalistas autônomos: eles tem uma apresentação moderna, atual, organizam muitos eventos, como shows e comícios”.
Eleitor de extrema direita
Para o analista Alexander Häusler, a cena militante neonazista não representa “perigo” do ponto de vista eleitoral – porque, mesmo que haja, na sociedade alemã, uma “resistência ao estrangeiro”, essa postura não se reflete no comportamento dos eleitores alemães. “É preciso deixar claro que a maior parte militância neonazista aqui na Alemanha não é organizada partidariamente”.
Por outro lado, para o sociólogo, essa militância “é perigosa por causa da pré-disposição à violência. Aqui na Alemanha, o neonazismo não é concebível sem aplicação da violência”.
É para combater essa violência que Pia e Patrick deverão continuar trabalhando, apesar de não terem dormido bem nos últimos meses, preparando a marcha contra os neonazistas. Patrick leva a mão à boca para bocejar, mas os cotovelos do jovem continuam sobre seus joelhos. A postura bélica, diz, ele só abandona “quando não houver mais nazistas no país”. “Daí vou poder sentar para trás e esticar as pernas”, sorri.
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