segunda-feira, 21 de maio de 2012

O que significa mesmo o cuidado?

Leonardo Boff
Jornal do Brasil


Hoje as discussões em torno do desenvolvimento sustentável, um dos temas centrais da Rio+20, sequestraram a categoria de sustentabilidade. Ela não se reduz ao desenvolvimento realmente existente que possui uma lógica contrária à sustentabilidade. Enquanto aquele se rege pela linearidade, pelo crescimento ilimitado que implica exploração da natureza e criação de profundas desigualdades, a sustentabilidade é circular, envolve todos os seres com relações de interdependência e de inclusão, de sorte que todos podem e devem conviver e coevoluir. Sustentável é uma realidade que consegue se manter, se reproduzir, conservar-se à altura dos desafios do ambiente e estar sempre bem. E isso resulta do conjunto das relações de interdependência que mantém com todos os demais seres  e com seus respectivos habitats. A sustentabilidade funda um paradigma que deve se realizar em todos os âmbitos do real. 
Para que a sustentabilidade realmente ocorra, especialmente quando entra o fator humano, capaz de intervir nos processos naturais, não basta o  funcionamento mecânico dos processos de interdependência e inclusão. Faz-se mister uma outra realidade a se compor com a sustentabilidade:  o cuidado. Ele também funda um novo paradigma. 
Antes de mais nada, o cuidado constitui uma constante cosmológica. Se as energias originárias e os elementos primeiros não fossem regidos por um sutilíssimo cuidado para que tudo mantivesse a sua devida proporção, o universo não teria surgido e nós não estaríamos aqui escrevendo sobre o cuidado. Nós mesmos, somos filhos e filhas do cuidado. Se nossas mães não nos tivessem acolhido com infinito cuidado, não teríamos como descer do berço e ir buscar o nosso alimento. O cuidado é aquela condição prévia que permite um ser vir à existência. É o orientador antecipado de nossas ações para que sejam construtivas e não destrutivas.  
Em tudo o que fazemos, entra o cuidado. Cuidamos do que amamos. Amamos o que cuidamos. Hoje, pelos conhecimentos que possuímos acerca dos riscos que pesam sobre a Terra e a vida, se não cuidarmos, surge a ameaça de nosso desaparecimento como espécie, enquanto a Terra, empobrecida, seguirá, pelos séculos afora, seu curso pelo cosmos. Até que, quem sabe, surja um outro ser dotado de alta complexidade e cuidado, capaz de suportar o espírito e a consciência.
Resumindo os vários significados de cuidado construídos a partir de muitas fontes que não cabe aqui referir mas que vêm da mais alta antiguidade, dos gregos, dos romanos, passando por Santo Agostinho e culminando em Martin Heidegger, podemos ver no cuidado a essência mesma do ser humano, no mundo, junto com  os outros e voltado para o futuro. Identificamos quatro grandes sentidos, todos mutuamente implicados. 
Primeiro: Cuidado é uma atitude de relação amorosa, suave, amigável,harmoniosa e protetora para com a realidade, pessoal, social e ambiental.    
Metaforicamente, podemos dizer que o cuidado é a mão aberta que se estende para a carícia essencial, para o aperto das mãos, com os dedos que se entrelaçam com outros dedos para formar uma aliança de cooperação e a união de forças. Ele se opõe à mão fechada e ao punho cerrado para submeter e dominar o outro. 
Segundo: Cuidado é todo tipo de preocupação, inquietação, desassossego, incômodo, estresse, temor e até medo face a pessoas e a realidades com as quais estamos afetivamente envolvidos, e por isso nos são preciosas. 
Esse tipo de cuidado acompanha-nos em cada momento e em cada fase de nossa vida. É o envolvimento com pessoas que nos são queridas ou com situações que nos são caras. Elas nos trazem cuidados e nos fazem viver o cuidado existencial. 
Terceiro: Cuidado é a vivência da relação entre a necessidade de ser cuidado e a vontade e a predisposição de cuidar, criando um conjunto de apoios e  proteções (holding) que torna posível esta relação indissociável, em nível pessoal, social e com todos os seres viventes. 
O cuidado-amoroso, o cuidado-preocupação e o cuidado-proteção-apoio são existenciais, vale dizer, dados objetivos da estrutura de nosso ser no tempo, no espaço e na história, como no-lo tem mostrado Winnicott. São prévios a qualquer outro ato e subjazem a tudo o que empreendermos.  
Quarto: Cuidado-precaução e cuidado-prevenção constituem aquelas atitudes e comportamentos que devem ser evitados por causa das consequências danosas previsíveis (prevenção) e aquelas imprevisíveis pelo insegurança dos dados científicos e pela imprevisibilidade dos efeitos prejudicais ao sistema-vida e  a sistema-Terra (precaução). 
O cuidado-prevenção e precaução nascem de nossa missão de cuidadores de todo o ser. Somos seres éticos e responsáveis, quer dizer, nos damos conta das consequências benéficas ou maléficas de nossos atos, atitudes e comportamentos. 
Como se deduz, o cuidado está ligado a questões vitais que podem significar a destruição de nosso futuro ou a manutenção de nossa vida sobre este pequeno e belo planeta. Só vivendo radicalmente o cuidado garantiremos a sustentabilidade necessária  à nossa Casa Comum e à nossa vida.  
*Leonardo Boff, escritor, é teólogo e filósofo. - lboff@leonardoboff.com 

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