domingo, 18 de março de 2012

Reflexão sobre a morte

Antonio Ozai
Fonte: http://antoniozai.wordpress.com/

Em memória do companheiro Virgilio de Almeida

      Vivemos como se fossemos eternos. Ilusão que alimentamos das mais diversas maneiras: desde a recusa, consciente ou inconsciente, de pensar na morte à crença religiosa na ressurreição, no arrebatamento, etc. O interessante é que mesmo os crentes mais fervorosos não querem morrer. Claro, há os suicidas que se imaginam mártires a serem recompensados no além. De qualquer forma, exceto os fanáticos que encontram autojustificava para se matarem e ceifarem a vida dos demais, e os suicidas em geral, o ser humano parece temer a morte. E, paradoxalmente, ele é o único animal que tem consciência da finitude.
      Vivemos o cotidiano e a vida parece em ordem, receamos o caos. No fundo, tudo o que queremos é que os dias se sucedam como sempre. Sentimo-nos seguros com o reproduzir do dia-a-dia. Agimos no presente, realizamos atividades, nos relacionamos com as pessoas com a certeza de que as veremos amanhã e que elas nos verão. Fazemos projetos, cultivamos utopias e até sonhamos que um outro mundo é possível. Os dias parecem reproduzir-se na ordem natural das coisas e do viver. Lemos, ouvimos e vemos notícias sobre mortes, mas tudo parece muito distante de nós. Se pararmos para pensar, perceberemos o quão frágil é a sensação de estarmos seguro, de que o amanhã naturalmente nos pertence. Então, nos recusamos a refletir e afastamos de nós qualquer pensamento que tumultue, nos apegamos ao agora como se fosse eterno.
      Há dias que parecem ser apenas mais um dia na vida. O viver não apresenta surpresas que desequilibrem e, apesar de tudo, nos imaginamos no controle. Mas eis que a morte se aproxima e nem a percebemos. Seu abraço mortal se propaga e a sentimos tão presente que desfalecemos. A sensação de impotência diante do destino manifesto toma conta do ser, torna-se cada vez mais nítido o quanto frágil somos. Eis que tudo parece sem sentido, pois de que adiantam preocupações, projetos e esperanças, se não escaparemos da sua sentença? Se partirmos, e partiremos, o que fica? Qual é o nosso legado? Mas por que se preocupar se estaremos mortos?
      A morte nos faz pensar sobre nós mesmos, os que conhecemos e o ser humano em geral. Ela nos ensina e mostra o quanto é risível a arrogância humana! Será que o arrogante percebe o ridículo da sua atitude? Talvez seja uma forma de mascarar os medos mais profundos que habitam a mente e a alma. Talvez a prepotência seja a expressão da insegurança psíquica e uma maneira do indivíduo sentir-se ou parecer seguro. A mente humana oculta mistérios indecifráveis! Não obstante, nem mesmo o humano mais poderoso está isento dos sofrimentos da alma. A face decrépita do poder não tarda a se mostrar e a morte espreita.
      O paradoxo do viver não é a morte, o morrer. Talvez seja mais sensato encará-la como natural e preparar-se da melhor forma para recebê-la. A sabedoria, como ensina Montaigne, está em aprender a não ter medo de morrer. Meditar sobre a morte, aprender a conviver e aceitá-la é parte do aprendizado de viver bem.[1] O que é paradoxal não é a morte em si – até porque ao morremos cessam todos os dilemas – mas o fato de que, quanto mais vivemos mais a morte se apresenta a nós na forma de sofrimento e pesar pela partida dos que amamos, temos laços de amizade e admiração. Sim, porque a longevidade é testemunha do viver e do morrer.
      A natureza nos prega peças trágicas. Imaginamos que os filhos devem enterrar os pais – assim deveria ser o ciclo da vida. Já testemunhei situação em que o pai velava o filho adolescente e nunca esqueci seu abraço trêmulo de emoção. Não há palavras que expressem tamanha dor. Há mortes que não compreendemos, que são inaceitáveis. Há situações em que os vivos gostariam de estar no lugar dos mortos.
      Há dias em que a morte nos surpreende e nos recusamos a acreditar na realidade. Fica a tristeza, a saudade e a certeza de que compartilhamos o mesmo destino. Talvez Montaigne esteja certo e o maior desafio da vida seja aprender a aceitar a morte! Contudo, se concluirmos pela razão, sabemos pelo sentir o quanto é difícil aceitá-la.

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[1] Ver “Que filosofar é aprender a morrer”, in MONTAIGNE. Os Ensaios. São Paulo: Companhia das Letras, 2010, p.59-83.

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