quarta-feira, 28 de março de 2012

A fome e a contradição

Jornal do Brasil
Sergio Sebold

      A Cáritas, instituição católica de ajuda aos mais necessitados, sem distinção de raça ou credo, sem qualquer exigência em troca, alerta que milhões de pessoas mais uma vez enfrentam uma grave crise alimentar em toda a região africana do Sahel, onde o regime irregular e escasso de chuvas nos últimos meses vem assolando com grandes perdas a produção agrícola. Sahel é uma faixa de terra intermediária entre o grande deserto do Saara e as áreas úmidas da linha equatorial da África. Uma faixa ligando o Atlântico ao Mar Vermelho. É uma região de transição, que por inconstância do clima da terra, apresenta variações climáticas de secas severas e outros períodos de boas chuvas.
      Por ser uma região muito pobre, sem grandes recursos, o regime econômico é essencialmente agrícola. A colheita de cereais é a sua alimentação básica. A seca dos anos recentes levou a uma produção (2011) muito aquém das necessidades da população. Alguns países como o Chade e a Mauritânia, menos castigados, estão com estoques apenas para os três próximos meses, enquanto os demais da região no máximo para dois meses. A partir daí, se não houver uma ajuda internacional de grande escala, haverá fome generalizada.
      A situação se torna crítica, quando muitas famílias se obrigam a vender ou comer o pouco gado que ainda possuem, e muitos a própria semente armazenada para o próximo plantio. Vislumbra-se, se não ocorrerem novas chuvas, uma catástrofe humana sem paralelo começando pela desnutrição infantil e a morte dramática pela fome. Homem com barriga vazia não consegue produzir nada para si mesmo.
      Enquanto tudo isto está acontecendo, a mídia internacional só mostra a “tragédia” que os europeus estão sofrendo pela queda das bolsas, com perdas de rios de dinheiro na bolha especulativa. Uma tragédia para o mundo capitalista. Mas lá não está acontecendo pessoas morrendo de fome e os que morrem de frio do atual inverno, — com respeito ao sofrimento humano — estatisticamente não tem qualquer significado, mas é mostrado em letras garrafais para mostrar o “desastre”. Em outros termos, gozam de um padrão de vida tal que até para morrer de frio estão bem protegidos. Enquanto os europeus que pilharam e espoliaram nossos irmãos na África durante séculos estão preocupados apenas com seu umbigo, não estão nem aí pelos acontecimentos na África. Alguns até dizem “não é da nossa conta”. Mas foram a conta dos seus ancestrais, sim. Estes não foram para lá ensinar técnicas agrícolas ou outras tecnologias que viessem tirar a região do atraso milenar. Foram pilhar suas riquezas naturais para enfeitar com ostentação o luxo de seus palácios, que hoje hipocritamente nos maravilham através dos planos turísticos. Pior de tudo ainda, são todos países cristãos. Ainda não assimilaram as verdades do Evangelho. Quanta contradição!



Sergio Sebold é economista e professor



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