Rio - Vou começar contando que já passei fome, para que meu relato seguinte não pareça esnobismo. E deslumbramento diante do que o dinheiro pode comprar. Eu estava voltando de um festival de teatro em Ponta Grossa, no Paraná, vindo para o Rio. Era 1982, eu... eu era magro, tinha 19 anos e uma mala cheia de sonhos. Só tinha o trocado para pegar o ônibus da Rodoviária Novo Rio para Botafogo, onde morava numa vaga. Sentado na cadeira daquele buzum, eu contei segundos pensando em bolacha água e sal ou pão duro, que preenchessem o buraco em minha barriga. Dois reais resolveriam meu problema, e eu não tinha nem 50 centavos. Não consegui dormir, e foram 20 horas de suplício. A fome dói, irrita, destrói.
Depois vocês já sabem, trabalhei que nem um condenado, dei sorte e hoje tenho uma vida bacaninha, o que não me faz esquecer nada, nem me achar melhor que meus semelhantes. Tive acesso a educação melhor, sou esforçado e estava na hora certa e no lugar certo para que Aniz Abraão David e Fabíola me convidassem para virar carnavalesco da Beija-Flor em 1994. Pois bem, agora escrevo sentado num restaurante chamado Caviar House & Prunier, confortável lugar dentro do terminal 5 (“a casa da British Airways”, como disse a aeromoça no voo que me trouxe para cá), no Aeroporto de Heathrow, em Londres.
Bem, se este terminal 5 é pelo menos 4 vezes maior que o Galeão inteiro, com suas duas asas, o que dizer se somarmos todos os terminais? Credo, o querido Galeão é minúsculo! Depois que fiz a somatória de tamanho, comecei a olhar as lojas: Harrod’s, Gucci, Prada, Chanel, Dior e todas as populares, que vendem coisas boas a preços inacreditáveis, e mais duas lojas que vendem produtos lindos das Olimpíadas 2012. Desisti de comparar neste setor de moda. Parti para gastronomia: cafés e restaurantes variados, uma ilha de sushis com uma decoração estonteante, que flutuava sobre os três andares do terminal: borboletas gigantes de LEDs e fibra ótica, alegoria de Carnaval, pois acendiam em sequência mágica.
E o tal Casa do Caviar, onde eu estava. Agradeci a Deus (que para mim é Exu, senhor que abre meus caminhos), e pedi um prato que chama-se “Sabores do Mundo, as três maiores criações do engenho humano para a alimentação: patê de fígado de ganso da França, caviar Malosol da Rússia e salmão das geleiras da Noruega”. Cada um que botava na boca era um gozo. Para o menino que fui e ouviu falar, agora que experimento, confirmo pra vocês: como seria bom se nenhum ser humano jamais passasse fome sobre a face da Terra. E depois, superada esta questão, seria ótimo provar o melhor de cada comida, provenientes de cada lugar do planeta. Viva também o tacacá de meus índios!
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