Este ano é de eleições municipais. Elas costumam ser mais empolgantes do que algumas presidenciais. Estimuladas pela proximidade dos problemas, as pessoas acompanham mais, opinam mais e pedem mais mudanças.
Não dá para prever uma eleição com base na anterior, pois, assim como as batalhas militares, eleições não se repetem. O momento é de satisfação econômica e desânimo com a política. Mas a crise das metrópoles assusta, como se viu na cracolândia, em São Paulo, ou na queda de três prédios no centro do Rio.
O desenvolvimento econômico resolve muitos problemas, mas agrava alguns e cria outros. Por mais que a imagem dos políticos tenha decaído, é temerário fechar os olhos para as eleições municipais.
Existe algo a favor: nunca os meios tecnológicos para uma gestão inteligente foram tão desenvolvidos como agora. E uma das primeiras grandes contradições está precisamente entre o avanço desses meios e a cabeça de grande parte dos políticos.
Vi de perto duas experiências que merecem ser avaliadas: nas cidades de Curitiba e do Rio de Janeiro foram montados centros de controle e tomada de decisão capazes de recolher grande número de dados, monitorar câmeras, expor mapas - enfim, um aparato capaz de reunir o maior número de informações para uma tomada de decisão. O centro no Rio foi montado com a ajuda da IBM, no seu programa global de cidades inteligentes. O de Curitiba é mais antigo, mas desenvolveu mais a interação com os moradores.
O sistema paranaense dispôs-se a responder a qualquer reclamação em 48 horas. Os moradores são atendidos e convidados a se inscrever como colaboradores. Quando há uma intervenção urbana com repercussão na vida da comunidade, o governo já tem geoprocessados os colaboradores da área, que são consultados sobre o projeto.
No caso do Rio, a energia maior está concentrada na gestão de desastres naturais e na intervenção num trânsito cada vez mais lento por causa das grandes obras. A recente queda dos três prédios levantou o problema da fragilidade da fiscalização, que só pode ser superada com o esforço coletivo.
Buenos Aires viveu um desastre semelhante e encontrou uma solução inteligente: pôr à disposição, na internet, todas as licenças de obras na cidade. Isso abre a possibilidade de cada indivíduo se informar a respeito de alguma obra que tenha repercussão na sua vida e na de sua família. Se não houver licença, ele pode notificar as autoridades.
No caso de prédios caídos, o sistema ajuda também a definir responsabilidades. A notificação de uma obra sem licença, em caso de desastre, é uma prova contra o governo. Em zonas urbanas degradadas, como a cracolândia, a interação com moradores é igualmente vital para avaliar a teoria da janela quebrada: segundo ela, se não a consertamos, a tendência é que as outras janelas sejam quebradas também.
Um dos problemas que os novos prefeitos encontrarão é exatamente dar resposta rápida ao surgimento dessas áreas degradadas. As eleições terão de abordar outros temas além dos que se destacaram neste início de ano. Em todos eles, principalmente no da sustentabilidade, a escolha estratégica por uma cidade inteligente deveria ser levada em conta.
Os governos encontram em 2012 uma nova realidade social. Milhões de moradores das metrópoles têm acesso à internet e se integram em redes sociais. Não se deve temê-los por desejarem ter acesso aos dados do governo, mesmo porque os que querem transparência já venceram no plano legal, somente esperam que o governo se organize para cumprir a lei. Deve-se é respeitá-los, pelo potencial de contribuição, sobretudo nos momentos caóticos, em que as metrópoles se tornam grandes e complexas demais para os recursos mentais do governo.
Faz alguns anos que se repete a tese de que, numa região metropolitana, uma cidade, sozinha, não resolve os seus problemas. Mas não se avança na construção de uma governabilidade mais ampla. Os novos instrumentos podem contribuir para o primeiro passo: a troca de dados. Que pode evoluir para operações mais complexas, como, por exemplo, a compra conjunta de remédios, com potencial de reduzir o seu custo em 20%.
Claro que a corrupção sempre ronda projetos desse gênero. Mas, embora não seja uma panaceia, o novo instrumento é o mais indicado para se obter a transparência. Essa necessidade de transparência poderá ser um tema importante em cidades como Campinas, Teresópolis e Friburgo, onde prefeitos foram afastados, acusados de corrupção.
Traumas urbanos, traumas éticos. Certamente as cidades que comparecem às urnas estão mais amadurecidas para participar de um tipo mais inteligente de governo. Inteligente não apenas porque utiliza instrumentos tecnológicos, mas porque se enriquece com a inteligência social.
Isso pode parecer ingenuamente otimista. Diante desse argumento, só posso responder com as condições combinadas: problemas urbanos cada vez mais complexos, novos e poderosos instrumentos tecnológicos de gestão e uma sociedade mais ligada. Ignorar essa conjunção, representa quase o mesmo que ignorar nos programas para as cidades litorâneas a tendência à elevação do nível do mar. Aliás, nas cidades pernambucanas de Paulista, Jaboatão e Recife, de certa forma, o futuro já chegou: o avanço do mar é visível há alguns anos.
Que vengan los toros. Mas depois do carnaval. É quando se começa a notar a presença dos candidatos. E avaliar como se comportam diante de novas realidade, como os desastres climáticos, por exemplo. Palco de um debate indispensável sobre o destino de suas cidades, o Brasil abriga ainda em 2012 a Rio+20. Sua agenda - combate à miséria, economia verde, sustentabilidade, proteção dos mares - pode entrelaçar-se com o debate metropolitano.
Há muito que esperar do processo eleitoral de 2012, embora um morador do Rio tenha ainda de se guardar para as visitas do Sobrenatural de Almeida, o personagem de Nelson Rodrigues. E ele não respeita fronteiras.
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