quinta-feira, 12 de julho de 2012

O risco da relitoralização


Luiz Antonio Cintra

Entrevista - Clélio Campolina

Carta Capital

Um dos mais respeitados especialistas em desenvolvimento regional do País, o economista Clélio Campolina Diniz, hoje reitor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), fala na entrevista a seguir sobre o risco de o desenvolvimento brasileiro concentrar-se nas próximas décadas novamente na faixa litorânea, a partir da exploração do pré-sal e da chamada Amazônia Azul.
Na região de Macaé, a população cresceu 50% na década e os helicópteros povoam os céus Foto: Dario De Dominicis

Nos últimos anos, Campolina participou ativamente de iniciativas dentro do governo federal para colocar o desenvolvimento regional na agenda, mas considera que essa foi uma batalha que se perdeu nos gabinetes de Brasília, sempre ocupados com a administração do curto prazo.
CartaCapital: O senhor já falou inclusive no Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social (CDES), ligado à Presidência da República, que o País vive o risco da relitoralização nas próximas décadas. A que o senhor se refere? 
Clélio Campolina Diniz: A primeira coisa importante é ver o papel do território no desenvolvimento econômico. O território não é um elemento passivo, mas contem atributos naturais, históricos, culturais, econômicos.  É construído, não é apenas algo natural. Mas é construído a partir dos atributos que possui ou que vai construindo. Isso é muito importante para não vermos o território apenas como o recorte do mapa. Toda a fundamentação teórica do pós-guerra, os trabalhos do Henri Lefebvre em torno do espaço, de região, toda a visão mais crítica dá ideia de uma geografia mais ativa, na linha que era a do professor Milton Santos, da Geografia da USP. Outro ponto importante é que estamos vivendo uma profunda mudança na geografia econômica e política do mundo, com uma crise profunda do capitalismo mais consolidado, na Europa e mesmo nos EUA. E a emergência de um conjunto de novas regiões ou países. A China é o destaque que todo mundo apresenta, mas tem a Índia, o Brasil etc. E para ter nova posição no cenário mundial, é preciso ter território, base econômica e população. Tanto é que quando se fala em BRICs, um conceito que não tem muita base econômica da integração, mas é pela sinalização que esses países contêm, eles têm território grande, população grande e base econômica. Por que a Coreia do Sul não pertence aos BRICs? A Coreia é um sucesso econômico, mas tem território de 100 mil quilômetros quadrados, população de 49 milhões de habitantes, então ela não tem escala nem territorial nem populacional nem econômica. Nesse novo cenário mundial, o Brasil emerge como uma das possibilidades, ainda que estejamos diante de muitos riscos. É um país que contem população, somos quase 200 milhões de habitantes, com base econômica, embora muito heterogênea, mas com várias fronteiras de modernidade, não só na base econômica, como na cultural e na científica. Muitos cientistas e universidades brasileiras estão nas fronteiras mundiais. Isso tudo é muito importante. Uma quarta questão é que pensar o território hoje significa pensar o conjunto da região e a rede urbana, que estrutura e comanda o território. Isso é muito importante porque tradicionalmente os economistas vinham tratando da região, e os urbanistas tratavam das cidades de forma separada. Bati muito nessa tecla com a Ermínia Maricato, que foi secretária-executiva do Ministério das Cidades. Eu falava para ela: “Erminia, não trata a cidade separada do território”. Também ia lá e falava para o Ciro (Gomes, então ministro da Integração Nacional), “não trata território separado da cidade”. A cidade estrutura o território, principalmente hoje com a modernidade dos meios de comunicação. O que aconteceu com o Brasil nas últimas décadas? Tínhamos um país formado como uma ex-colônia, que pela exclusividade do comércio, as regiões se veiculavam diretamente à metrópole, então não era um país integrado. Tanto é que não tivemos um sistema de transporte que integrasse o País. O sistema que foi construído tinha a função de ligar as várias regiões aos portos.
CC: Como isso evolui mais recentemente?
O economista Clélio Campolina Diniz, hoje reitor da UFGM. Foto: Ipea
CCD: A primeira grande mudança nesse cenário foi Brasília, um marco da territorialidade brasileira. Ao construir a nova capital como sede política do País, foram reorientadas a malha de transportes e viária. O Plano de Metas (e tudo o que vem depois) é uma nova territorialidade, construída a partir da nova capital e do sistema de transporte rodoviário, aliás, infelizmente o rodoviário. Então Brasília é o primeiro elemento da mudança, o segundo também está articulado a Brasília, que é a modernização do sistema de transportes, aí fundamentalmente rodoviário, com muitas mazelas daí decorrentes, mas cujo resultado foi a integração do Brasil pela via rodoviária. Essa foi a verdadeira integração do País. Um terceiro elemento extremamente importante é a mobilidade da fronteira agrícola, com base em novas tecnologias, principalmente que permitiram a incorporação do Cerrado, que até a década de 1960 eram consideradas terras de baixa qualidade. As mudanças tecnológicas – e aí é Brasil mesmo, porque essa é uma questão brasileira – de adaptação para o uso do Cerrado, como a correção do solo, toda a mecanização, toda a parte da química, a questão dos adubos. Então existiam terras planas, relativamente baratas, o que deu no boom da fronteira agrícola, que ocorreu no Cerrado. E hoje o Mato Grosso é o maior celeiro do Brasil de produção de cereais, de algodão… A cana-de-açúcar está movendo o Cerrado, que ricocheteou… Hoje o Oeste da Bahia, o Sudoeste do Piauí, o Sudoeste do Maranhão, com Mato Grosso do Sul, Goiás, Tocantins, um pedaço de Minas Gerais, tudo isso constituiu essa nova fronteira agrícola. A ela se pode adicionar o início dos projetos de agricultura irrigada. Hoje os supermercados têm frutas no ano inteiro, antigamente existiam as safras. Inclusive hoje se colhe uvas no Nordeste duas vezes e meia por ano em cada parreira, enquanto o Rio Grande do Sul colhe uma. A agricultura teve um papel central nisso. O quarto elemento tem a ver com o crescimento industrial, que inicialmente foi muito contido em São Paulo. Em 1970, o estado de São Paulo chegou a ter 58% da produção industrial do País, sendo que 44% da produção industrial brasileira estava na região metropolitana de São Paulo. E há aí um processo de desconcentração industrial que decorre de vários elementos. O primeiro é uma competição intercapitais, que movem-se para ocupar as fronteiras, aí a fronteira nacional, não a agrícola. Da mesma maneira que os capitais internacionais se movem no espaço para buscar oportunidades no mundo, os capitais brasileiros também se movem no espaço atrás de oportunidades. O segundo elemento é a melhora da infraestrutura, inclusive da rede urbana que coloca outras oportunidades vocacionais. E um terceiro elemento é o sistema de incentivos fiscais, que cumprem um papel importante, principalmente no Nordeste. A expansão industrial nordestina é resultado de um processo que a rigor começou com a Sudene, muito criticada mas deixou resultado, estruturas de transportes e telecomunicações, além de ser o melhor diagnóstico da região. Mas o transporte é o elemento central, conforme mostra a literatura a respeito, inclusive as demais estruturas são parcialmente condicionadas pelas malhas de transporte. Não é à toa que a União Europeia, apesar da crise, mantem toda a sua política de coesão territorial, com a parte central disso sendo o sistema de transporte. E por outro lado há o aumento dos custos relativos nas regiões de ocupação mais densa, como era o caso do Rio de Janeiro e posteriormente de São Paulo. Tudo isso facilitou a desconcentração relativa da indústria. Aliás, não sou um adepto da tese da desindustrialização, acredito que o que está havendo é uma desconcentração relativa. O conceito da desindustrialização foi criado teoricamente e empiricamente a partir das experiências do Noroeste da Inglaterra e do Nordeste dos EUA, regiões onde a perda da indústria foi seguida da perda em todos os demais setores, inclusive pela migração da população, o que não aconteceu no Brasil. Aqui o fenômeno é um pouco mais complexo.
CC: Essa questão da desconcentração relativa aparece bem no mapa das cidades com mais de 5 mil empregos industrias, na comparação entre 1985 e 2010.
CCD: Ela aparece bem e com duas grandes dimensões macrossociais. Uma é a da reaglomeração espacial naquilo que chamei de polígono industrial no Brasil, que inclui Belo Horizonte, Uberlândia, Londrina, Porto Alegre, Florianopólis e novamente Belo Horizonte, um trabalho que fiz em 1993, mostrando que a indústria iria sair de São Paulo e iria se reaglomerar nesse macroespaço. Os mapas mostram bem isso. E o segundo fenômeno é a expansão industrial do Nordeste brasileiro. Um terceiro, de menor peso, são as indústrias vinculadas ao setor agropecuário, que estão acompanhando a fronteira agrícola, seja de beneficiamento ou a de insumos e as de bens não-duráveis de consumo que acompanha a urbanização. Esses são os fenômenos básicos. A ideia convencional é pensar a área geográfica do território, mas hoje é preciso acrescentar a ela a chamada Amazônia Azul, que é a plataforma continental, com aproximadamente 4,5 milhões de quilômetros quadrados e que as tecnologias do futuro poderão encontrar oportunidades. O pré-sal é uma coisa mais imediata, muito próxima e que será um sucesso, por isso é que digo que o pré-sal, dependendo da dimensão que ele assuma, pode ter uma força de relitoralização. Veja por exemplo o que está acontecendo no estado do Rio, o crescimento urbano do litoral norte-fluminense, exatamente em função das atividades relacionadas à exploração do petróleo. No caso do Nordeste, também o turismo. Por outro lado, também existe a busca da interiorização, ou seja, temos forças contraditórias, cujo resultante ainda não temos muita clareza sobre qual será. E nessa perspectiva uma questão muito importante é que, se há uma intencionalidade política brasileira, de ampliar a integração com a América Latina, particularmente a América do Sul, então essa integração econômica passa também por uma integração territorial. O futuro da malha de transportes precisa responder a essa intenção de integração. É por isso que quando fizemos o mapa do Brasil policêntrico, trabalho que coordenei por encomenda do Ministério do Planejamento, surgiu a ideia de novas centralidades, para não ficarmos com a centralidade muito concentrada em São Paulo. São Paulo é a centralidade brasileira, é a cidade para integrar com o mundo. Mas, dada a dimensão do Brasil, é preciso pensarmos em outras centralidades complementares, daí escolhermos três macropolos no Oeste do Brasil, exatamente para integrar com o restante da América do Sul. Sem desconhecer uma questão de altíssima importância que é a região amazônica. O Brasil precisa identificar um novo padrão produtivo para a Amazônia que seja capaz de combinar o aproveitamento da biodiversidade sem a antropização da região.
CC: O senhor poderia falar mais sobre esses macropolos regionais?
CCD: A criação desses macropolos regionais evitaria o risco da relitoralização, atenuaria um pouco a continuação da megaconcentração em São Paulo, que começa a criar desfuncionalidades. Outro dia vi que São Paulo tinha tido 200 e tantos quilômetros de engarrafamentos, isso não é uma sociedade para se viver. O mercado tem a sua lógica, não está preocupado com a construção de um país mais justo e solidário. O mercado busca lucro, então é preciso construir pontes entre o setor público e a sociedade civil com a lógica do mercado. O Estado existe para isso, mas não é algo simples. São questões estruturais que apontam para o médio e o longo prazo. Portanto, há uma dificuldade política para implementar políticas cujos resultados não são imediatos. Também não dá para radicalizar, contrariar o mercado em todas as instâncias, é preciso que haja intermediações. Seria preciso escolher as linhas de política prioritárias. Os polos foram escolhidos com base em critérios geográficos, econômicos e potencialidades, não queremos construir catedrais no deserto. O governo precisaria ter um planejamento de médio e longo prazo para reorientar a malha de infraestrutura, principalmente de transportes, que orienta o sentido dos fluxos. Isso para viabilizar o fortalecimento desses macropolos. Também precisaria haver a descentralização de vários serviços públicos já existentes, particularmente dois: o educacional e o de saúde pública, além da infraestrutura de pesquisa. Esses elementos formariam a mão pública, do governo, que se supõe criam as condições para o investimento privado. Não se trata, portanto, de um confronto entre as políticas públicas e privadas, mas de condicionar e estimular o investimento privado.
CC: O senhor propõe um redesenho das regiões administrativas, a partir de novas categorias que não a dos estados. Como seria isso?
CCD: Seria uma nova regionalização do País para efeito de políticas públicas, algo que tromba no federalismo brasileiro. O País é federado, com três entes: a União, os estados e municípios. O Brasil é atípico, aliás, aqui o município é um ente da federação, mas em outros países não é assim. E há ainda uma anomalia, as grandes aglomerações humanas, regiões metropolitanas ou não, compostas por vários municípios. No Brasil, não existe um ente institucional que possa gerir essas aglomerações na escala metropolitana. Nos EUA existe o condado, mas aqui não. Agora estão criando consórcios entre as cidades, mas eles não têm força institucional. A proposta é dividir o País em cinco grandes regiões geográficas, a partir das forças e das homogeneidades. Daí surgiu a proposta de dividir o País em 118 subrregiões, agrupando-as com tipologias que indicassem semelhanças e diferenças, o que daria maior consistência às políticas públicas. A política de incentivos, por exemplo, não precisaria ser para todo o Nordeste, mas poderia ser para um grupo de regiões de determinadas características, mas poderia incluir o Vale do Ribeira, em São Paulo, ou o sul do Rio Grande do Sul, que é uma região estagnada. Seria uma forma de dar consistência nacional às políticas regionais. Aliás, as políticas regionais não podem ser formuladas de maneira isolada, têm de ser nacionais. Eu falava para o Ciro Gomes quando ele era ministro: “Ciro, para de pensar o Nordeste, tem de pensar o Brasil, pô!”. O Brasil aprendeu a fazer planejamento, a partir da Segunda Guerra Mundial, criando uma burocracia pública no sentido positivo, weberiana, muito qualificada e especializada. Depois houve um diagnóstico crítico de que o planejamento era muito autoritário, por ser do regime ditatorial. Em seguida veio a onda neoliberal, segundo a qual o Estado era maléfico. O governo Collor afastou a boa burocracia, que no momento está sendo recriada. A máquina pública está sendo modernizada após décadas, pré-condição para o planejamento regional. Além disso, houve as privatizações, que em determinado momento foram exageradas.
CC: Está discussão sobre o desenvolvimento regional ocorre hoje no governo federal?
CCD: Infelizmente acho que não. Houve um esforço, eu mesmo participei desse trabalho, no início do primeiro mandato do Lula, quando fizemos um grande esforço para pensar o Brasil. Coordenei um grupo de 9 professores da UFMG que trabalharam ao longo de dois anos, fizemos muitos trabalhos. Depois houve um novo momento, com o Ministério de Planejamento, quando nasceu a proposta policêntrica. Mas eu disse insistentemente que, se isso não entrar na agenda do presidente da República, não dá em nada, vira lixo. O País não está pensando nisso, infelizmente. Falta pensar com uma visão macroestrutural de longo prazo.

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Feito inédito, galáxias em fase inicial de formação são localizadas

Jornal do Brasil


O Observatório Europeu do Sul (ESO) divulgou nesta quarta-feira, 11 de julho, que foram encontradas pela primeira vez galáxias escuras - uma fase inicial da formação de galáxias prevista teoricamente mas que até agora nunca tinha sido observada. Estes objetos são essencialmente galáxias ricas em gás, mas sem estrelas. Utilizando o Very Large Telescope, uma equipe internacional detectou estes objetos evasivos observando-os brilhando ao serem iluminados por um quasar.
As galáxias escuras são galáxias pequenas ricas em gás do Universo primordial, muito pouco eficazes em formar estrelas. São previstas pelas teorias de formação de galáxias e pensa-se que são os blocos constituintes das atuais galáxias brilhantes ricas em estrelas. Os astrônomos pensam que estes objetos devem ter alimentado as galáxias maiores com o gás que posteriormente deu origem às estrelas que existem atualmente.
Uma vez que são essencialmente desprovidas de estrelas, estas galáxias escuras não emitem muita radiação, o que as torna muito difíceis de detectar. Durante anos, os astrônomos tentaram desenvolver novas técnicas para confirmar a existência destas galáxias. Pequenos decréscimos em absorção nos espectros de fontes luminosas de fundo apontavam para a sua existência. No entanto, este novo estudo marca a primeira vez que estes objetos foram vistos diretamente.
Imagem mostra a região do céu em torno do quasar HE 0109-3518, marcado com um círculo vermelho.  As imagens de 12 galáxias escuras estão marcadas com círculos azuis
Imagem mostra a região do céu em torno do quasar HE 0109-3518, marcado com um círculo vermelho.  As imagens de 12 galáxias escuras estão marcadas com círculos azuis
"A nossa abordagem do problema de detectar uma galáxia escura foi simplesmente iluminá-la com uma luz brilhante", explica Simon Lilly (ETH Zurich, Suíça), co-autor do artigo científico que descreve o resultado. "Procuramos o brilho fluorescente do gás em galáxias escuras quando estas são iluminadas pela radiação ultravioleta de um quasar próximo muito brilhante. A radiação do quasar ilumina as galáxias escuras num processo semelhante ao das lâmpadas ultravioletas que iluminam as roupas brancas numa discoteca."
A equipe utilizou o instrumento FORS2 para mapear a região do céu em torno do quasar brilhante HE 0109-3518, à procura da radiação ultravioleta que é emitida pelo hidrogênio gasoso quando sujeito a radiação intensa. Devido à expansão do Universo, esta radiação é, na realidade, observada com uma tonalidade de violeta quando chega ao VLT.
"Depois de vários anos de tentativas para detectar a emissão fluorescente das galáxias escuras, os nossos resultados demonstram o potencial deste método para descobrir e estudar estes fascinantes objetos previamente invisíveis," diz Sebastiano Cantalupo (Universidade da Califórnia, Santa Cruz), autor principal do estudo.
A equipe detectou quase 100 objetos gasosos que se situam num raio de alguns milhões de anos-luz do quasar. Depois de uma análise detalhada com o intuito de excluir objetos nos quais a emissão possa ser oriunda de formação estelar interna nas galáxias, em vez da radiação do quasar, o número de objetos diminuiu para 12. São as identificações mais convincentes até hoje de galáxias escuras no Universo primordial.
Os astrônomos conseguiram determinar também algumas das propriedades das galáxias escuras. Estimam que a massa do gás nestes objetos seja de cerca de um bilhão de vezes a do Sol, típica de galáxias de pequena massa ricas em gás, existentes no Universo primordial. A equipe conseguiu também estimar que a eficiência da formação estelar é suprimida de um fator maior que 100 relativamente a galáxias típicas com formação estelar encontradas em fases semelhantes na história cósmica.
"As nossas observações com o VLT mostram evidências da existência de nuvens escuras compactas e isoladas. Com este estudo demos um importante passo em frente no sentido de revelar e compreender as fases iniciais da formação de galáxias e de como as galáxias adquirem o seu gás", conclui Sebastiano Cantalupo.
O espectrógrafo de campo integral MUSE, que chegará ao VLT em 2013, será uma ferramenta extremamente poderosa no estudo destes objetos.

terça-feira, 10 de julho de 2012

Outubro Está Chegando

SÓ DE SACANAGEM
Elisa Lucinda



Meu coração está aos pulos! 

Quantas vezes minha esperança será posta à prova? 

Por quantas provas terá ela que passar? Tudo isso que está aí no ar, malas, cuecas que voam entupidas de dinheiro, do meu, do nosso dinheiro que reservamos duramente para educar os meninos mais pobres que nós, para cuidar gratuitamente da saúde deles e dos seus pais, esse dinheiro viaja na bagagem da impunidade e eu não posso mais. 

Quantas vezes, meu amigo, meu rapaz, minha confiança vai ser posta à prova? 

Quantas vezes minha esperança vai esperar no cais? 

É certo que tempos difíceis existem para aperfeiçoar o aprendiz, mas não é certo que a mentira dos maus brasileiros venha quebrar no nosso nariz. 

Meu coração está no escuro, a luz é simples, regada ao conselho simples de meu pai, minha mãe, minha avó e os justos que os precederam: "Não roubarás", "Devolva o lápis do coleguinha", "Esse apontador não é seu, minha filha". Ao invés disso, tanta coisa nojenta e torpe tenho tido que escutar. 

Até habeas corpus preventivo, coisa da qual nunca tinha visto falar e sobre a qual minha pobre lógica ainda insiste: esse é o tipo de benefício que só ao culpado interessará. Pois bem, se mexeram comigo, com a velha e fiel fé do meu povo sofrido, então agora eu vou sacanear: mais honesta ainda vou ficar. 

Só de sacanagem! Dirão: "Deixa de ser boba, desde Cabral que aqui todo mundo rouba" e vou dizer: "Não importa, será esse o meu carnaval, vou confiar mais e outra vez. Eu, meu irmão, meu filho e meus amigos, vamos pagar limpo a quem a gente deve e receber limpo do nosso freguês. Com o tempo a gente consegue ser livre, ético e o escambau." 

Dirão: "É inútil, todo o mundo aqui é corrupto, desde o primeiro homem que veio de Portugal". Eu direi: Não admito, minha esperança é imortal. Eu repito, ouviram? Imortal! Sei que não dá para mudar o começo mas, se a gente quiser, vai dar para mudar o final!

segunda-feira, 9 de julho de 2012

O que quebrará o País?


Vladimir Safatle

Carta Capital

O ministro da Fazenda, Guido Mantega, afirmou nos últimos dias que a elevação dos gastos com a educação ao patamar de 10% do Orçamento nacional poderia quebrar o País. Sua colocação vem em má hora. Ele deveria dizer, ao contrário, que a perpetuação dos gastos em educação no nível atual quebrará a Nação.
Alunos de universidades públicas de todo país se reúnem em frente ao Museu Nacional da República para reivindicar uma audiência o ministro da Educação, Aloizio Mercadante. Foto: Agência Brasil
Neste exato momento, o Brasil assiste a praticamente todas as universidades federais em greve. Uma greve que não pede apenas melhores salários para o quadro de professores e funcionários, mas investimentos mais rápidos em infraestrutura. Com a expansão do ensino universitário federal, as demandas de recurso serão cada vez mais crescentes e necessárias. Isto se quisermos ficar apenas no âmbito das universidades públicas.
Por trás de declarações como as do ministro, esconde-se a incompreensão do que é o próximo desafio do desenvolvimento nacional. Se o Brasil quiser oferecer educação pública e de qualidade para todos precisará investir mais do que até agora foi feito. Precisamos resolver, ao mesmo tempo, problemas do século XIX (como o analfabetismo e o subletrismo) e problemas do século XXI (como subvenção para laboratórios universitários de pesquisa e internacionalização de sua produção acadêmica). Por isto, nada adianta querer comparar o nível de gasto do Brasil com o de países com sistema educacional consolidado como Alemanha, França e outros. Os desafios brasileiros são mais complexos e onerosos.
O investimento em educação é, além de socialmente importante, economicamente decisivo. O governo ainda não compreendeu que o gasto das famílias com educação privada é um dos maiores freios para o desenvolvimento econômico. Vivemos em um momento no qual fica cada vez mais clara a necessidade de repactuação salarial brasileira. A maioria brutal dos empregos gerados nesses últimos anos oferece até um salário mínimo e meio. A proliferação de greves neste ano apenas indica a consciência de que tais salários não podem garantir uma vida digna com possibilidade de ascensão social.
Há duas maneiras de aumentar a capacidade de compra dos salários: aumento direto de renda ou eliminação de custos. Nesse último quesito, os custos familiares com educação privada são decisivos. A criação de um verdadeiro sistema público de educação seria o maior aumento direto de salário que teríamos.
O governo teima, no entanto, em não perceber que o modelo de desenvolvimento conhecido como “lulismo” está se esgotando. Lula notou que havia margem de distribuição de renda no Brasil sem a necessidade de acirrar, de maneira profunda, conflitos de classe. De fato, sua intuição demonstrou-se correta. Mas o sucesso momentâneo tende a cegar o governo para os limites do modelo.
Com a ascensão social da nova classe média, as exigências das famílias aumentaram. Elas querem agora fornecer aos filhos condições para continuar o processo de ascensão, o que atualmente passa por gastos em escola privada. Esses gastos corroem os salários, além de pagar serviços de baixa qualidade. A escola brasileira, além de cara comparada a qualquer padrão mundial, é ruim.
É fato que o aumento exponencial dos gastos em educação coloca em questão o problema do financiamento do Estado. Ele poderia ser resolvido se o governo tivesse condição política para impor uma reforma tributária capaz de taxar grandes fortunas, transações financeiras, heranças e o consumo conspícuo para financiar a educação. Lembremos que, com o fim da CPMF, o sistema de saúde brasileiro viu postergado para sempre seus sonhos de melhora.
Tais condições exigiriam um tipo de política que está fora do espectro do lulismo, com suas alianças políticas imobilizadoras e sua tendência em não acirrar conflitos de classe. O Brasil paulatinamente compreende a necessidade de passar a outra etapa e, infelizmente, poucos são os atores políticos dispostos a isto.

domingo, 8 de julho de 2012

Frei Betto: Democracia falsificada

O Dia


Rio -  Você compraria uísque ou bolsa Louis Vuitton contrabandeados do Paraguai? Com certeza desconfiaria da qualidade. Isso vale para a ‘nova democracia’ imposta pelo golpe que derrubou o presidente Fernando Lugo.
O país foi governado, durante 61 anos, pelo Partido Colorado, ao qual pertencia o general Stroessner, e a que também se filia o atual presidente golpista, Federico Franco. Após 35 anos sob a ditadura Stroessner, o povo elegeu Lugo presidente, em abril de 2008. Havia esperança de que o país reduzisse a desigualdade social.
O novo governo tornou-se vulnerável ao não cumprir importantes promessas de campanha, como a reforma agrária, e ao se distanciar dos movimentos sociais. Apenas 20% dos proprietários rurais do país são donos de 80% das terras, entre eles os ‘brasilguaios’, grileiros brasileiros que expulsaram pequenos agricultores de suas terras para expandir ali seus latifúndios.
Em rito sumaríssimo, a 22 de junho o Congresso paraguaio destituiu Lugo, sem assegurar-lhe amplo direito de defesa. É o chamado ‘golpe constitucional’, adotado pelos EUA em Honduras e, agora, no Paraguai.
É o segundo sacerdote católico eleito presidente de um país no continente americano. O primeiro foi Jean-Bertrand Aristide, que governou o Haiti. Os dois decepcionaram suas bases de apoio. Não souberam levar à prática o discurso da ‘opção pelos pobres’. Receosos diante das elites, a quem fizeram concessões, não confiaram nas organizações populares.
A primavera democrática em que vive a América Latina pode se transformar em longo inverno, caso os governos progressistas e suas instituições como Unasul, Mercosul e Alca não se convençam de que fora do povo mobilizado e organizado não há salvação.
Escritor, autor de ‘A mosca azul – reflexão sobre o poder’

Computadores infectados em todo o mundo serão desligados da web nesta segunda


Seis mil serão afetados no Brasil 

Agência Brasil

O FBI (Escritório Federal de Investigação, na tradução livre), a polícia federal norte-americana, irá desconectar da internet computadores que foram infectados com o vírus DNSChanger (em tradução livre: trocador de DNS) nesta segunda-feira (9). Com a medida, milhares de pessoas podem ficar sem acesso à internet. O número é estimado em 350 mil.
O Brasil é o décimo terceiro país com máquinas infectadas, com 6.074 no total. Em primeiro lugar, vem os Estados Unidos, com 69.517, seguido da Itália, com 26.494. Os dados são do site www.dcwg.org, um grupo de trabalho que tem procurado alertar as pessoas do problema e é citado pelo FBI em seu comunicado.
O desligamento dos computadores acontece após decisão da Justiça e por causa do DNSChanger. A solução é temporária e permitirá que as vítimas de computadores afetados pelo vírus providenciem a limpeza dos seus computadores e restaurem a configuração normal do DNS de sua máquina.
O vírus de computador foi criado para direcionar os internautas para páginas falsas no lugar das verdadeiras na internet. O FBI conseguiu prender fraudadores por esse tipo de crime, mas as máquinas foram mantidas ativas por um tempo para não prejudicar as pessoas e serão desligadas amanhã.  
O DNS (Domain Name System, Serviço de Nomes de Domínio em português) é importante porque funciona como um tradutor para a comunicação em rede de computadores. Na rede, cada endereço representa um conjunto de números que permitem que os computadores estabeleçam uma comunicação entre si.
Ou seja, quando as pessoas digitam um endereço como o de um banco, o DNS interpreta o link como um conjuntos de números conhecidos como IP (Internet Protocol) para transmitir os dados para as máquinas. Isso evita também que as pessoas tenham que ficar decorando grupos de números, muito mais complicados do que palavras e siglas.
Por outro lado, entre os computadores, os números facilitam a comunicação e agregam várias informações, como localização, rede, entre outras coisas. Por exemplo, se o primeiro conjunto de números for 200, significa que a máquina está no Brasil.
Várias medidas vêm sendo tomadas por provedores de acesso à internet. Sites e redes sociais também têm procurado alertar os internautas sobre o problema.
Consultado pela Agência Brasil, a Google confirmou que a empresa tem enviado alerta às pessoas do mundo todo sobre o trojan DNSChanger. Sempre que alguém realizar uma pesquisa no site, automaticamente, recebe a informação do risco, informou a Google.
Existem vários endereços na internet de empresas de segurança que permitem o internauta fazer o teste para verificar se corre o risco de ser direcionado para páginas falsa na internet por meio do DNSChanger.
O FBI indica o próprio  www.dcwg.org como alternativa. Outro link divulgado pelo órgão de segurança dos Estados Unidos é o https://forms.fbi.gov/check-to-see-if-your-computer-is-using-rogue-DNS . Caso encontre problemas, o usuário do computador deve procurar a empresa que fornece o serviço de acesso para receber orientações.

terça-feira, 3 de julho de 2012

Aprovação é qualidade em educação???

Esta semana estourou a pressão em cima dos professores das escolas estaduais do Rio de Janeiro com a publicação da lista das 350 "melhores" escolas do Estado, critério este baseado no quantitativo de alunos aprovados no ano passado.

Qual é a realidade nas escolas? Por mais que muitos se esforcem para denegrir a imagem do profissional da educação, basta alguém de bom senso e boas intenções frequentar qualquer escola pública no Brasil para ver o esforço dos professores para desempenharem suas funções, mesmo muitas escolas não proporcionando acesso aos laboratórios de informática (quando tem), biblioteca atualizada e com livros em número suficiente para trabalho com as turmas, mapas, etc.. Temos ainda salas superlotadas com uma média de 40 alunos em salas nas quais 30 já lotam o espaço. Há falta de inspetores de pátio e corredor em número suficiente, Há falta de famílias interessadas em cobrar dos seus filhos o mínimo interesse pelo estudo (em minha escola os professores já desistiram , faz tempo, de exercícios de casa, pois ninguém faz), com alunos entrando sempre no segundo horário (se o professor chegar no segundo horário é falta no dia, mas o aluno é sempre cheio de direitos que prejudicam sua formação para o futuro), matando aula, recusando-se a fazer provas, testes, atividades para nota- "não esquenta, professora, que eu deixei sua matéria para "independência". Ah, esta é outra aberração da educação brasileira: o aluno tem direito a perder em até 2 matérias, que ele "leva" para a série seguinte. Há falta de profissionais em sala de aula, portanto, não há profissionais para ministrar a tal dependência de forma decente. Assim, cabe aos professores "quebrarem este galho", e os alunos malandros se vangloriam de não estudar para fazer trabalhinho na dependência e passar. Ralar para quê?

E a grande esquizofrenia disto tudo é querer bons resultados destes alunos no SAERJ, na Prova Brasil, ENEM, etc.. Pior é conseguir bom desempenho na vida, pois o aluno é o "intocável" na escola pelas graças do ECA e sua má interpretação. Quem não aprende a ter disciplina e respeito pelos outros na família e na escola vai aprender onde?

Mas nada disto dito até aqui vale de alguma coisa, pois os grandes "experts" da educação são os burocratas, não nós, profissionais com anos e anos de prática.

Para encerrar...


segunda-feira, 2 de julho de 2012

A escrita e o cuidado de si

Blog do Ozaí


Antonio Ozaí da Silva




Há muito tenho o costume de anotar. É uma forma de conversar comigo mesmo. Não imaginava que um dia teria a possibilidade de fazer um diário virtual. De onde vem essa necessidade de registrar sensações, acontecimentos e coisas que nem sempre podem ser compartilhadas? Por que não deixar que a mente faça o seu trabalho e sobrevivam apenas as memórias que selecionou? Por que o apego ao passado? Sim, porque registrar é tornar possível o acesso às lembranças que o pensamento já deletou.
Por outro lado, anotações podem ser um perigo. Como escreveu Dostoiévski, há segredos que não contamos nem para nós mesmos. As palavras têm o poder de ferir e abrir feridas que parecem cicatrizadas. Há, porém, vantagens em anotar. Uma delas, quem sabe a mais importante, é aprender com as próprias reflexões. Ao escrever somos obrigados a estabelecer um diálogo interno e, assim, aprender racional e sentimentalmente. É também uma forma de dar vazão a algo que oprime.
Há idéias, pensamentos, etc., que surgem no cotidiano. Anotar é uma maneira de poder retomá-los e desenvolvê-los. O sociólogo Wright Mills, a propósito, sugere que devemos cultivar o hábito de fazer anotações: registros de idéias, notas pessoais, excertos de livros, delineamentos de projetos, etc.[1] Manter um arquivo é, de certa forma, uma produção intelectual, mas é importante retornar às notas, ao “banco de idéias”. Talvez elas contribuam para o desenvolvimento de reflexões mais extensas. A prática de si implica a leitura, mas sem a escrita esta corre o risco de se tornar estéril. Como alerta Michel Foucault:
“Quando se passa incessantemente de livro a livro, sem jamais se deter, sem retornar de tempos em tempos à colméia com sua provisão de néctar, sem consequentemente tomar notas, nem organizar para si mesmo, por escrito, um tesouro de leitura, arrisca-se a não reter nada, a se dispersar em pensamentos diversos, e a se esquecer de si mesmo”. [2]
Mills objetiva contribuir para a reflexão sobre a práxis da pesquisa sociológica. Ele pretende estimular a imaginação do sociólogo. Mas o exercício da escrita também pode ser uma maneira de refletir sobre a vida individual, afinal o intelectual é um ser humano como outro qualquer e, portanto, sujeito às dores e alegrias da condição humana. Anotar pode significar, simplesmente, a necessidade de registro da vida cotidiana, o cuidado de si. Já os antigos tinham o costume de manter arquivos com anotações sobre a vida pessoal, pública, etc., aos quais denominavam hupomnêmata. Segundo Michel Foucault:
“Os hupomnêmata, no sentido técnico, podiam ser livros de contabilidade, registros públicos, cadernetas individuais que serviam de lembrete. Sua utilização como livro de vida, guia de conduta parece ter se tornado comum a todo um público culto. Ali se anotavam citações, fragmentos de obras, exemplos e ações testemunhadas ou cuja narrativa havia sido lida, reflexões ou pensamentos ouvidos ou que vieram à mente. eles constituíam uma memória material das coisas lidas, ouvidas ou pensadas; assim era oferecidos como um tesouro acumulado para releitura e meditação posteriores. Formavam também uma matéria prima para a redação de tratados mais sistemáticos, nos quais eram dados os argumentos e meios para lutar contra uma determinada falta (como a cólera, a inveja, a tagarelice, a lisonja) ou para superar alguma circunstância difícil (um luto, um exílio, a ruína, a desgraça”. [3]
Escrever é se conhecer melhor. As vezes, na solidão da existência, a leitura e a escrita tornam-se as únicas aliadas, uma forma de terapia. “Não é possível cuidar de si sem se conhecer”. [4] Como cuidar dos outros se não estamos bem? Por mais que sublimemos, estamos irremediavelmente sós em nossa própria consciência. Portanto, quanto mais e melhor nos conhecermos, maior a possibilidade de aceitarmos as limitações e as dores inerentes ao viver. Talvez seja o começo da superação…

[1] Ver o apêndice Do Artesanato Intelectual, in: MILLS, C. Wright. A imaginação sociológica. RJ, Zahar, 1982, p. 211-243.
[2] FOUCAULT, M. A escrita de si. In: MOTTA, Manoel Barros da (Org.). Ética, Sexualidade, Política: Michel Foucault. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2006, p. 150.
[3] Idem, p. 147-148.
[4] Idem, p.269.

O efeito bumerangue de uma fotografia

Blog da Revista Espaço Acadêmico


JOSÉ DE SOUZA MARTINS*
A problemática fotografia de Lula, Haddad e Maluf (feita por Adriana Spaca, da Brazil Photo Press) confraternizando sorridentes é, seguramente, um dos mais interessantes temas desta penúltima semana, de junho de 2012, como material de análise no campo da Sociologia Visual. Mas o é, também, na perspectiva de realidades que Henri Lefebvre define como analisadoras-reveladoras, aquelas situações que contém em si mesmas funções metodológicas, as que, ao se proporem, já decompõem o real, expondo seus conteúdos propriamente interpretativos, reveladores de contradições e significações que, normalmente, são desvendadas através da análise sociológica.
Política e historicamente adversários radicais, a fotografia desmente valores profundamente inscritos na consciência social, tanto de adeptos de Lula quanto de adeptos de Maluf. A fotografia, inesperadamente, deu imagem e personagens para um dito que há anos corre de boca em boca, o de que certas pessoas seguem, na política, a lógica de Colombo: indo pela direita, um dia chegarão à esquerda.
Vale a pena dar uma olhada neste vídeo para rememorar a construção do imaginário de antagonismos irremediáveis que essa fotografia desconstroi e, em consequência, as perplexidades que provoca e as reavaliações morais e políticas que suscita:
A fotografia é apenas a explosão do retrocesso histórico dos valores do PT desde a campanha que levou Lula à Presidência em 2003. Consciente de que sem recuos ideológicos e éticos não chegaria ao poder e nele não ficaria, a história tanto do PT quanto de seu fiel aliado, o PCdoB, desde então, vem sendo uma história de laboriosa construção da cumplicidade em relação a ideias e metas do que historicamente a retórica desses partidos definiu como direita. Dez anos passados desde quando o recuo começou a se tornar público, nenhum efeito dramático teve entre petistas, simpatizantes e aliados, mantido que foi nas abstrações próprias da distância entre o percebido e o visto. O retrocesso explodiu quando ganhou uma imagem que lhe deu visibilidade nos prosaicos gestos e expressões da vida cotidiana: o cúmplice polegar levantado de Maluf, o sorriso camarada dos três, o afago de Maluf em Haddad, as expressões de alegria e satisfação, que arrancam a política de seus bastidores e esconderijos e, maquiavelicamente, a jogam na cara do cidadão e do eleitor.
Erundina sabia do trato? Não podia deixar de saber. Não sabia da fotografia. Mas Erundina se viu nos olhos dos que viam a fotografia. Melhor conhecedora do povo do que os três personagens do ato fotográfico, sabe ver-se nos olhos do outro. Ela se viu no que era visto e não no que ela própria via. E viu que os que viam a fotografia a viam nela, embora nela não estivesse. Há liames simbólicos poderosos atados nessa foto comprometedora. Todos estão vendo muito mais do que a foto quer mostrar, porque, na verdade, a foto contém muito mais do que o mero retrato.
Essa foto é emblemática, é um contrato entre opostos e supostamente adversários. É um ato de rendição incondicional do vencido, até porque não foi feita em território neutro, mas nos jardins da casa de Maluf, o adversário que, até mais do que ideológico, supunha-se que fosse um adversário moral, a ser combatido e vencido no terreno da ética e dos bons costumes. A foto documenta uma transgressão de Lula, de seu candidato, de seu partido. Esse é o motivo pelo qual a foto foi o assunto da semana, não necessariamente os fotografados. Transgressão é uma abstração que, normalmente, pode ser percebida, mas não pode ser vista. Neste caso excepcional, a fotografia permitiu que a transgressão, ética e política, se tornasse visível.
A foto documenta que nada visível separa os dois supostos lados do sistema de antagonismos em que o PT ganhou vida. Que não há entre eles separação, diferença, mesmo que haja. A diferença era intuitiva, não era factual. Existia não porque fosse factual, mas porque as pessoas acreditavam nela. A fotografia destroça o âmbito do crer, do julgamento subjetivo, porque o crido sucumbe ao que é visível. Mesmo que o visível seja, como ocorre frequentemente, enganoso, fantasioso, puramente imaginário, mesmo quando verdadeiro.
As imagens de uma foto não estão apenas no papel. Estão no imaginário de quem a vê. Erundina viu que estava sendo vista na impropriedade da fotografia alarmante. Por isso, resolveu abandonar a candidatura já combinada de vice-prefeita para retirar-se não da campanha, mas da fotografia. É essa uma evidência interessante ao menos do medo ao poder da fotografia e da imagem.
Quando fiz o curso de Ciências Sociais, a Psicologia Social era disciplina obrigatória do currículo. Um dos autores que líamos, Solomon Asch, falava em efeito bumerangue das ações, como no caso da propaganda, da qual a fotografia é coadjuvante quase obrigatório, o efeito oposto ao pretendido. Advertência para que estivéssemos atentos às motivações ocultas na leitura da informação publicitária, com significações opostas às pretendidas pelo autor da mensagem. O curso das significações pode até mesmo ser alterado por evento inesperado. Lembro-me de famoso produto achocolatado de grande empresa internacional, cujo mote publicitário era: “Gostoso como uma tarde no circo”. Num domingo de 1961, um pavoroso incêndio provocado criminosamente, destruiu um circo em Niteroi e matou 500 pessoas, muitas delas crianças. A empresa produtora do achocolatado mandou suspender sua propaganda logo que a notícia se difundiu. A ocorrência inverteria a pauta de significações de leitura de sua publicidade. O que era bom poderia passar a ser visto como muito ruim.
O mesmo ocorre com a fotografia. Desde seu nascimento, a fotografia passou a ter funções inesperadas nos acontecimentos históricos, sociais e políticos. Polissêmica, é ela hoje a conexão com o entendimento que dos fatos e acontecimentos podem ter as pessoas comuns. A célebre fotografia do hasteamento da bandeira americana em Iwo Jima (1945), feita por J. Rosenthal, na verdade uma foto quase posada num intervalo de almoço de soldados que descansavam, deu uma imagem às aspirações de heroismo dos americanos, como se fosse um ato de bravura e determinação, o que não era. O fotógrafo não teve essa intenção ao fazer a fotografia. Estava ali, com a câmera, e aproveitou para fotografar o levantamento do mastro com a bandeira.
As fotografias posadas de Hitler construíram a imagem pública de um condutor messiânico, em contraste com sua insignificância cotidiana e sua personalidade arredia e problemática, como se vê nas anotações de seus auxiliares mais próximos: o oposto das fotografias. Mussolini também foi objeto de fotografias que procuravam expô-lo como condutor de um povo altivo. Mas a pose excessiva, arrogantemente fascista, tornava-o uma figura bufa, o que não será percebido pela multidão de seus seguidores porque na fotografia viam o que ele não era.
Pio XII, com relativa frequência, teatralizou momentos solenes e rituais das cerimônias de que participava, o que era próprio da cultura política daquela época. Em particular no chamado “gesto magno”, que sugeria intensa e particular comunicação com o sagrado. Esse gesto, registrado em várias fotografias do Pontífice, foi significativamente trabalhado numa gravura de capa de edição do jornal La Domenica del Corriere, de 1951, alusiva a uma visão que o Papa teria tido, nos jardins do Vaticano, em outubro de 1950, do sol girando sobre si mesmo e convertendo-se num disco de prata, do qual emanavam feixes de luz. Mesma visão que teriam tido, tempos antes, os moradores de Fátima, em Portugal, lugar de aparecimento da Virgem.
A pesquisa de John Cornwell sobre Pio XII e o acesso que teve aos arquivos do Vaticano e ao processo de sua beatificação mostram indícios que Pacelli, nos gestos desse tipo, preparava intencionalmente o caminho de sua própria canonização. É célebre a fotografia tirada de dentro do Palácio Apostólico, por trás do Pontífice que dava a bênção no balcão, ao povo reunido na Praça de São Pedro, quando uma pomba branca entrou na cena da foto. A imagem foi lida como manifestação do Espírito Santo e da santidade do Papa. No entanto, as indagações da comissão encarregada do processo sugerem dúvidas que são, na verdade, as dúvidas suscitadas pela polissemia da fotografia e da imagem decorrente, relativa ao episódio.
Um efeito oposto é o da famosa fotografia de Ernesto Che Guevara, feita pelo fotógrafo cubano Alberto Korda para simbolizar o militante altivo da Revolução Cubana, uma ruptura no viso servil do latinoamericano subdesenvolvido. Correu mundo como retrato simbólico da juventude revolucionária do fim dos anos cinquenta e começo dos anos sessenta, não apenas a juventude comunista, mas a juventude rebelde de todas as nações, os inconformados do mundo do pós-guerra, polarizado em primeiro mundo e terceiro mundo.  Na leitura contemporânea da foto, já havia muito mais do que o contido na Revolução Cubana e na própria ação política de Che Guevara.
Com a morte do Che, a ascensão política da teologia da libertação e o advento das ditaduras latinoamericanas e com elas a tortura, os assassinatos e os desaparecimentos políticos, o código de leitura da fotografia se inverteu. O Che da foto passou a ser visto como um mártir de todas as injustiças do imperialismo e do capitalismo, objeto de uma verdadeira veneração religiosa. O lugar de sua execução passou a ser até mesmo lugar de romaria, misto de política e religião, no teor da nova religiosidade do fim do milênio e mesmo da nova política do pós-Guerra Fria. Essa fotografia teve um papel decisivo na “beatificação” política de Che Guevara, tornando-o um materialista aceitável pelos militantes da esquerda católica em ascensão. Um ícone admissível no mesclado panteão da religiosidade politizada e pós-moderna da América Latina. Na foto, tornou-se reprodutível, polissêmico, objeto de consumo, meio santo e meio mercadoria. A fotografia, no fim das contas, despojou-o do carisma.
Todas essas encenações não eliminaram elementos desconstrutivos contidos nas próprias imagens. A do Papa, porque carregada de indícios de que era fotografia planejada. As de Hitler porque têm excessivo conteúdo de pose ensaiada. As de Mussolini porque a mais ligeira descontextualização mostra-o personagem bufo e desproporcional, muito aquém do poder da massa que se postava diante dele. A fotografia de seu linchamento em Milão, num posto de gasolina, pendurado de cabeça para baixo, é um poderoso documento visual da imagem que já estava na cabeça de muitos italianos, muito antes de que fosse capturado e morto. Foi executado pelas costas e exposto ao escárnio de ponta-cabeça, exatamente o contrário das fotografias que serviram de instrumento de sua consagração pública.
Nesse jogo de imagens, temos uma das mais interessantes expressões da modernidade: os próprios eventos dramáticos e trágicos da história humana antes de serem realidade da história são irrealidade do imaginário. São ficção provisória, tocaia do acontecer, significações ocultas prontas a substituir as visíveis e compreensíveis, predador invisível à espera de oportunidade para atacar e devorar desempenhos, personagens e significações.
A célebre fotografia da menininha vietnamita, nua, correndo da explosão de bombas de napalm, em sua aldeia, feita por Nick Ut, em 1972, foi decisiva para a criação e difusão de um imaginário favorável ao fim da guerra. Ao contrário das referências acima, neste caso a inocência da criança desamparada e em fuga acrescentou significações imaginárias à compreensão que da foto podia ter uma sociedade carregada de culpa em relação a um conflito cuja motivação pouco ou nada tinha a ver com os americanos.
O mesmo, e ao inverso, se observa em relação ao autêntico. Assim como a fotografia confere autenticidade ao que autenticidade não tem, pode tirar autenticidade do que é autêntico, simplesmente porque é fotografia. Portanto, impregnada das incertezas próprias do polissêmico. É o caso da célebre fotografia da morte do miliciano, na Guerra Civil espanhola, feita Robert Capa, em 1936. Ele fazia uma sequência de fotos dos milicianos que acompanhava quando, no exato momento de clicar, o miliciano no qual focava sua objetiva foi atingido por um tiro fatal. Embora a morte tenha sido comprovada, ocorrida naquele dia e instante, a foto de Capa continua cercada de debate e incerteza por conta do que é próprio da fotografia e não do fato.
Não é à toa que políticos e figuras públicas se esforcem todo o tempo para sair sorrindo nas fotografias, como nessa foto de Lula, Haddad e Maluf. Raramente se dão conta de que na imagem entram elementos desconstrutivos involuntários, pequenos detalhes imobilizados no contraponto do fingimento, que comprometem o sorriso e comprometem a imagem que o fotografado gostaria de difundir. Sorrisos imperceptíveis e suspeitos de apresentadores de noticiários de TV, quando anunciam uma ocorrência funesta, dramática ou trágica, arruinam a informação visual e, muitas vezes, a própria carreira do apresentador.
Nesta semana tivemos esse episódio político que foi arruinado por uma fotografia: a de um Lula sorridente confraternizando, cúmplice, com um Maluf mais sorridente ainda em apoio do escolhido do PT para a disputa da Prefeitura de São Paulo, posando no jardim da casa de Maluf. Exigência feita por Maluf, de que sua casa fosse o lugar do encontro, para selar seu apoio ao candidato de Lula, a de ser visitado pelo ex-presidente que seria, assim, “homenageado”. O afã de poder de Lula e Haddad os fez cair na armadilha. Esqueceram-se de que, para a população, a busca do poder tem limites éticos e de coerência, mesmo sob o risco da perda de uma eleição. Em consequência, Haddad perdeu seu plano B para a periferia, Luiza Erundina, candidata a vice, compensação para a Marta arredia e relutante, expressão de um PT abatido pelos desmandos do poder pessoal de Lula. Um desastre para a candidatura do apadrinhado do ex-presidente. Os mascaramentos e ocultações da teatralidade política de um partido, neste caso, do PT, vão sendo invadidas pelos segredos e ocultações dos bastidores, fantasmas que o poder pessoal não tem como abater e exorcizar.
O íntegro Helio Bicudo, que já foi figura proeminente do PT, vice-prefeito de Marta em São Paulo, que do partido se afastou, fez uma síntese devastadora, numa das leituras possíveis da fotografia: “Aqueles que são iguais, que têm o mesmo estofo, se cumprimentam.” Provavelmente, sem o saber, Helio Bicudo vale-se de uma premissa sociológica de Karl Marx, em O Capital, um autor que já foi uma referência fundante para o PT: a troca de mercadorias, isto é, as relações sociais por elas mediadas, torna-as equivalentes. Cria, aliás, o equivalente geral, o dinheiro, por meio do qual as coisas trocadas perdem sua diferença e se tornam outra coisa, uma coisa só. Apertos de mãos, fotografados ou não, têm sociologicamente, o mesmo efeito, reduzem os diferentes e antagônicos à homogeneidade de uma mesma coisa, induzem interpretações sobre o que agora se vê e estava oculto, desfazem trajetórias e histórias, dão o que pensar.

* JOSÉ DE SOUZA MARTINS é sociólogo e Professor Emérito da Faculdade de Filosofia da USP. Dentre outros livros, autor de A Política do Brasil Lúmpen e Místico (Contexto, 2011); Uma Arqueologia da Memória Social – Autobiografia de um moleque de fábrica, (Ateliê Editorial), 2011; A Sociedade Vista do Abismo, (Vozes, 2010); Exclusão Social e a Nova Desigualdade, (Paulus, 2009). Texto de 21 de junho de 2012.