terça-feira, 26 de julho de 2011

O Brasil surdo, cego, mudo

Milton Cunha, jornal O Dia

      Por enquanto, duas orelhas arrancadas: a do líder na floresta (levada pelo pistoleiro como prova do assassinato há meses atrás), e agora a orelha do pai parecido com gay (como é isso?). Já estou esperando olhos e línguas retiradas na marra. Meu Brasil brasileiro, capaz de produzir três pérolas da loucura humana moderna: “Tocamos fogo no índio Galdino porque pensamos que ele fosse um mendigo; foi brincadeira...”; “jogamos ovo nela porque ela é só uma puta de beira de avenida na Barra da Tijuca”; “batemos neles porque pensamos que eram gays”. Mais do que ódio aos gays, a desaprovação social do que pode parecer o amor. Uma sociedade que admite o primeiro lugar de assassinatos contra homossexuais terá que permitir o espancamento do abraço “aviadado”. Tudo começa quando pequenininhos ouvíamos que não era normal ser assim. Semente que vai crescendo no coração dos desajuizados (que linda palavra, Juízo) até ser frondosa árvore de vontade de arrancar pedaço da carne.
      O pai atacado faz fretes, vende sapatos, gosta de música sertaneja e tem 4 filhos adolescentes. Simples, o sujeito gosta de abraçar carinhosamente os filhos rapazes. Aperta-os contra o peito e afaga os cabelos, beijando-lhes a fronte. Um pai na grandeza da denominação, que ama, protege, ensina afeto. É quando um pé voa na feira agropecuária rumo às costas dele e o joga desacordado no chão. O homem-fera avança com a mandíbula rumo à orelha do “viado”, arrancando um pedaço de carne. “Viado, viado, viado”, gritos caninos entre baba, sangue, grama, lama, ódio. Os espancadores representam o pensamento do desamor, da condenação do afeto. Melhor espancar que amar um do mesmo sexo. A barraqueira do churrasquinho espera os agressores irem embora, a multidão vai abrindo caminho, incapaz de frear os vampiros. “Arrancaram um pedaço da sua orelha, meu Deus. Mas pra que que vocês foram se abraçar?”. Estamos todos perdidos entre perguntas do que pode e do que não pode, pois a violência retirou de nós o poder de ser aquilo que somos: humanos. Desde quando vestido curto justifica estupro? Quem disse que criança agitada tem que ser tratada com perna amarrada no pé da cama?
      Neste exercício de “pensar” (verbo que significa o oposto desta noção) a unidade está no desprezo à vida do semelhante que em algo, a nós não se assemelha. Gordo, cadeirante, imigrantes da Europa, todos merecem a dor humilhante. Como outrora negros, mulheres, judeus. Interminável lista histórica da intolerância. Mais que julgar, vamos ter que nos unir contra o desprezo ao diferente. O desvio não poderá estar na explicação.

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