José Antonio Lima
Carta Capital
Nos últimos dias, um grupo de rebeldes conhecido como M23 assumiu o controle de Goma, capital provincial no oeste da República Democrática do Congo, e da cidade vizinha de Sake. Nos próximos dias, deve rumar para Bukavu, outra cidade também na fronteira com Ruanda. O M23 exige que o governo do presidente Joseph Kabila aceite participar de diálogos oficiais a respeito da situação dos membros de sua etnia (a tutsi). Caso Kabila não aceite, o grupo promete cruzar o país e chegar até a capital do Congo, Kinshasa. O confronto tem pouca repercussão política, mas pode acabar modificando o mapa da África. Pode fazer com que a RD Congo deixe de existir.
Oficialmente, Kabila conta com o apoio de Ruanda e Uganda, dois vizinhos importantes. Nesta quarta-feira 22, Kabila e os presidentes desses países, Paul Kagame e Yoweri Museveni, respectivamente, divulgaram um manifesto conjunto dizendo que o M23 deveria recuar e cessar as hostilidades. De forma clandestina, no entanto, Ruanda e, em menor medida, Uganda, financiam os rebeldes. Um relatório divulgado pelas Nações Unidas também nesta quarta-feira acusa o governo de Ruanda de criar o braço político do M23, além de dar armas, tropas e facilitar o recrutamento pelos rebeldes. A ligação entre o governo ruandense e o M23 é tão umbilical que o general James Kabarebe, ministro da Defesa de Ruanda, é tido como a autoridade máxima do M23, segundo a ONU.
A ofensiva de Ruanda e Uganda contra o governo Kabila parece ser a repetição de uma história recente. Paul Kagame, um líder tutsi, mesma etnia do M23, assumiu o governo de Ruanda em 1994, quando suas tropas acabaram com o genocídio de tutsis e hutus moderados realizado por hutus radicais. Em 1996, Kagame invadiu o então Zaire (nome antigo da RD Congo) para combater as milícias que haviam promovido o genocídio. Com apoio de Uganda e outros seis países africanos, Ruanda derrubou o ditador Mobutu Sésé Seko e colocou em seu lugar o líder rebelde Laurent-Désiré Kabila (pai de Joseph Kabila). Em 1998, a guerra na RD Congo foi retomada. Desta vez, no entanto, Ruanda e Uganda se voltaram contra Kabila. O conflito, oficialmente encerrado em 2003, é o mais mortífero desde a Segunda Guerra Mundial. As mortes provocadas pelo conflito e doenças e fome que se seguiram passam de 5 milhões.
Como conta Anjan Sundaram em artigo no site da revista Foreign Policy, Ruanda é a grande força desestabilizadora do leste do Congo. O governo Kagame financiou diversos grupos rebeldes no Congo, entre eles o de Laurent Nkunda, antecessor do M23, responsável por inúmeras atrocidades, entre elas o estupro coletivo de 16 mil mulheres em uma semana em Bukavu. Por trás das ações de Ruanda estão dois interesses: os riquíssimos recursos minerais do leste do RD Congo e uma reivindicação histórica dos territórios que fazem parte do leste do Congo. Segundo muitos em Ruanda, essas regiões foram retiradas de Ruanda durante a colonização realizada pela Bélgica, país que também inventou a separação entre tutsis e hutus.
A instabilidade no leste da RD Congo pode ser apenas o início da fragmentação do país e de mais violência. A insatisfação com a fraqueza demonstrada por Kabila é crescente e há risco de que os militares tentem realizar um golpe militar com o objetivo de combater o M23. Seria algo semelhante ao que ocorreu no Mali recentemente. Soma-se a isso o possível separatismo de outras regiões. Segundo reportagem do jornal The New York Times, a região sul da RD Congo, rica em cobre e cuja maior cidade é Lubumbashi, também pode deixar a república uma vez que o governo central comece a ruir.
E por qual motivo a comunidade internacional não faz nada? Por uma mistura de pragmatismo e peso na consciência, como afirma Timothy Longman, diretor do Centro de Estudos Africanos da Universidade de Boston, à agência Associated Press. O genocídio em Ruanda, que matou 800 mil pessoas em apenas três meses, ocorreu sob o silêncio das grandes potências. O Conselho de Segurança da ONU não autorizou uma intervenção para evitar o massacre e o governo da França, então comandado pelo socialista François Miterrand, apoiava os hutus radicais que cometeram os assassinatos em massa.
Foram as tropas de Kagame que acabaram com a tragédia (também cometendo graves crimes). Mais importante que isso é o papel que Ruanda passou a desempenhar no cenário africano. Sob Kagame, que se tornou uma espécie de ditador, o país africano virou modelo de desenvolvimento e passou a contribuir com missões internacionais, como a que atua em Darfur, no Sudão. Em troca, Ruanda recebe cerca de 1 bilhão de dólares em ajuda externa das grandes potências e de instituições multilaterais.
Outro impedimento de críticas a Ruanda é o fato de o país ocupar hoje uma das dez cadeiras rotativas no Conselho de Segurança da ONU. Recentemente, a entidade fez críticas ao M23, mas nem citou o governo de Paul Kagame. Dificilmente a comunidade internacional buscará uma solução militar para a crise. Está na RD Congo a maior missão de paz da ONU, com mais de 22 mil soldados. Apesar de grande, ela é insuficiente para cuidar do imenso país, o 12º maior do mundo, com área equivalente à dos estados do Pará e do Amazonas juntos ou à de toda a Europa Ocidental. Não há vontade política e econômica para fazer um investimento deste tipo. Ao que tudo indica, os problemas serão resolvidos como sempre são naquela região: por violentos combates, marcados por execráveis violações aos direitos humanos e uma paz provisória que servirá apenas para marcar o tempo até uma nova guerra.
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