domingo, 11 de novembro de 2012

A experiência da dor!

Antonio Ozai


A dor começou sem aviso prévio. Insidiosa, despontou quando ele se dirigia para mais uma atividade acadêmica considerada importante, especialmente, pelos organizadores. Ele não costuma faltar, independente do referencial teórico e dos interesses envolvidos. Aliás, ele não compreende a prática de uns e outros de comparecer apenas nos eventos da confraria com a qual se identifica. Ele não queria faltar. Poderiam imaginar que ele ‘boicotou’. Por que será que ele se preocupa com as maledicências? Talvez tenha levado muito a sério o conselho do florentino sobre a necessidade de manter as aparências. Mas, pensando bem, ele não é do tipo maquiavélico!
A dor se intensificou e, com ela, a certeza de que não poderia ficar no evento. De volta a casa, na esperança de que a medicação já costumeira lhe daria alívio, a dor atormentava-o. Finalmente, chegou e, para seu desalento, viu que estava só. A dor lombar indicava que poderia ser a coluna, nervo ciático. Já catedrático em dores nesta região do corpo, imaginou que se tratava de mais uma crise conhecida. Automedicou-se e aquietou-se na esperança de que a dor cedesse. A dor persistia. Não encontrava posição que a tornasse suportável e o relaxante muscular não surtia efeito. Deitou de bruços, de barriga para cima, de lado, em posição fetal… Não adiantou! A dor insistia e tornava-se insuportável.
Cerca de quatro horas depois que ela dera os primeiros sinais de que aquela noite seria inesquecível em sua vida, levaram-no ao hospital. O corpo contorcido e a expressão de dor não comoveram a funcionária e ele precisou aguardar os procedimentos formais burocráticos. Ele esperava e, ainda que a dor o torturasse, recordou dos ensinamentos de Max Weber sobre a burocracia. A dor humana não se sobrepõe às exigências da organização burocrática. Ainda que sofra, é preciso esperar. Em sua dor, ele compreendia o apego profissional da atendente. Afinal, a dor é parte do seu cotidiano. Sua atitude é impessoal e funcional.
Finalmente, o chamaram. Mas ainda não era o alívio que ele esperava, ou seja, a consulta médica e, de acordo com o procedimento padrão, a aplicação de um coquetel de medicamentos por aplicação endovenosa. Enganou-se, não chegara o socorro almejado. Numa situação de dor intensa tudo que se quer é a sua atenuação e eliminação. Em vez disso, a enfermeira mediu a pressão e disse que estava normal. Ainda bem! Como um pedido, educadamente, ela mandou-o de volta à sala de espera e disse que aguardasse o médico chamar.
A espera parecia uma eternidade. A dor teimava em atormentar o corpo e a alma. Finalmente, o doutor pronunciou o seu nome. Ele adentrou ao consultório e até sentiu-se melhor diante da possibilidade iminente de aliviar a dor. Contou ao médico o que sentia e até lembrou-se de detalhes que antecederam à eclosão da dor, os quais poderiam contribuir para o diagnóstico. Gentil e atencioso, o medico examinou-o e solicitou os exames de praxe. Encaminhou-o, então, para ser medicado. Era tudo o que ele queria. A cada gota que descia pelo equipo e introduzia-se na corrente sanguínea, a dor cedia e era substituída por uma sensação aliviante.
Os exames solicitados pelo médico confirmaram o diagnóstico: cólica renal. Coincidentemente, uma senhora sofria de dores semelhantes e, veterana, já sabia o que era. Tagarelava, talvez como um antídoto à dor. Ele mantinha-se em silêncio, de olhos fechados e mal a ouvia. Ainda assim, não esqueceu quando ela disse: “Cólica renal é pior que dor de parto!” Ela falava com propriedade, era mãe. Só lhe restava concordar! Em seu íntimo, sentiu-se solidário com as mulheres e profundamente agradecido àquela que o gerou e a quem o acompanhava e permaneceu ao seu lado o tempo todo. A dor é menos dilacerante quando não se está só!
A dor cedeu e ele foi dispensado, com o conselho de procurar um urologista. Três dias depois, ela retornou. Dessa vez, porém, era suportável. Sua companheira conseguiu agendar uma consulta de urgência com o especialista. Este o encaminhou para fazer uma ultrassonografia. Confirmou-se o diagnóstico do médico plantonista que o atendera. A causa da dor era um cálculo renal, a popular pedra nos rins, de 0,7 cm.
Diante do diagnóstico, o doutor indicou a necessidade de cirurgia. Ele recusou-se a seguir a orientação médica! Dias depois, foi acometido por dores na região abdominal. A experiência recente dizia-o que não era cólica renal. Após novos exames e ultrassonografia foi constatado que ele estava com outra pedra no corpo, desta feita alojada na vesícula. Admirou-se pela capacidade de produzir ‘pedras’ e pelo fato de se manifestarem quase que simultaneamente. A notícia boa é que a pedra renal não apareceu nas imagens do exame e tudo indicava que fora expelida. A preocupante é que terá que fazer cirurgia e retirar a vesícula. São os ‘presentes’ do passar do tempo, do cinquentenário!

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