terça-feira, 27 de novembro de 2012

Milton Cunha: Kizomba, nossa constituição

O Dia


Rio -  Vivo procurando os negros pelo mundo! Quero compartilhar, porque cresci num mundo onde eles eram evitados, separados a uma distância segura. Existir, desde que não se aproximassem. A grande negra de minha infância foi Devergília, a divina professora primária. Em todo aquele universo gigantesco, que durou uma década, pinço-a como destacada. Havia José, o pedreiro, que não chegava perto, só trabalhava. Onde estavam os negros? Como diz Alvinho, Mestre de Mangueira, “livres do açoite da senzala, presos na miséria da favela”.
Pois cheguei na festa da gravadora de música, no Leblon, e, como de costume, passei em revista a tropa: sobrava sapata e faltava negro. “Gente, não tem nenhum preto nesta festa!”, exclamei. “Ai Milton, de novo... Você e sua mania de ficar procurando negros em todos os eventos... Já considerou a possibilidade de que você é que é preconceituoso? Ficar procurando é de uma paranoia sem igual...”. Então tá, ficamos combinados assim: vivo num país miscigenado, edificado no lombo do escravo negro; pelo cais do Valongo, reformado, desembarcaram um milhão de pretos, e é nóia minha estranhar guetos branco-amorenados que nem nos garçons permite a pele negra. “Mas tem aquela morena ali, olha... É filha de negros...” Pois está aí outra deformação minha: quero negros-negros para acalmar meu coração. Vale as Beyoncés da vida, mas o cabelo pixaim, o nariz de batata, se estes não estiverem presentes tem alguma coisa errada, e torna-se imperativo pra mim declarar que não concordo com aquele ambiente esbranquiçado.
Vejo a foto gigantesca das candidatas a Garota Fantástica: “Falta preta!”, exclamo para minha solidão. E por preta entenda-se de Luciana Mello pra lá, e não de Taís Araújo pra cá. Ligo na Ana Maria Braga e assisto às crianças e suas mães que estão participando do ‘Big Brother’ infantil do ‘Mais Você’: “Falta preto”, declaro eu, para meu copo de café da manhã. Claro que é psicose, porque vivo num país democrático onde os negros estão em tudo que é programa, em tudo que é festa. O maluco sou eu, que quando vi a mãe do Joaquim Barbosa, tranças nagôs levantadas em coque, vi as tinas, tanques, fontes públicas onde estas guerreiras cantavam seus cânticos de África, quando foram convidados a deixar suas terras, sua gente, sua cultura, para fazer turismo em terras do novo mundo.
Mais um ano apresentei o Dia de Zumbi com Sirley, a convite do Paulão e do Cedine. Tem poucos, mas não falta branco naquele evento que congraça gente de todas as raças. Fiquei apavorado com o mote deste ano, focado sobre a devastadora ação do crack na juventude negra desabrigada. Falta paz ao meu coração.

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