segunda-feira, 12 de novembro de 2012

É a geografia, estúpido


José Roberto de Toledo - O Estado de S.Paulo
Mesmo dentro de uma metrópole, vivemos em aldeias. As comunidades, quarteirões, bairros comem, vestem, constroem e também votam parecido. Pressão dos pares, convivência, desejo de ser aceito, de pertencer, de ser igual. Sejam quais forem as razões subjacentes, elas têm um poder maior do que qualquer outra estrutura social no resultado da eleição.
É duas vezes mais fácil um paulistano votar igual a seu vizinho do que a outro paulistano que tenha renda ou escolaridade equivalente à sua mas more num bairro muito diferente do dele. Em São Paulo, a geografia prevê com o dobro de precisão o comportamento do eleitor do que a economia. Não é força de expressão. É um fato estatístico, medido pelo Ibope.
Essa constatação ajuda a enterrar mitos sobre como se forma a opinião pública. Ela não obedece a lei da gravidade, as tendências não viajam de cima para baixo. Não são os mais escolarizados que "ensinam" os sem-diploma a votar, nem os mais ricos influenciam o voto dos mais pobres. Os movimentos são laterais, se espalham e se espelham entre semelhantes.
Por isso, as redes sociais de carne e osso são politicamente mais influentes do que os meios de comunicação desde há muito tempo. O que Orkut, Twitter e Facebook fizeram foi explodir as fronteiras físicas e potencializar, virtualmente, um fenômeno real.
Usando uma bateria de testes estatísticos chamados "qui-quadrado", o Ibope mediu o grau de associação entre variáveis usadas para analisar o voto - como escolaridade, renda, idade e religião. Segundo a CEO do Ibope Inteligência, Marcia Cavallari, nenhuma variável antecipou tão bem o comportamento do eleitor quanto as áreas homogêneas delineadas pelo Estadão Dados em parceria com o próprio Ibope.
Mais importante, o teste estatístico rodado no banco de dados das pesquisas de intenção de voto se confirmou nas urnas.
Desde 2008 exatamente as mesmas zonas eleitorais paulistanas têm votado majoritariamente em candidatos petistas a prefeito, governador e presidente no primeiro turno. Outro tanto de zonas votou em peso no candidato que melhor encarnou a antítese do petista em cada pleito. Dois polos que se repelem eleitoralmente, mas se completam economicamente.
No segundo turno, ganha quem invade o território alheio. José Serra (PSDB) invadiu a área homogênea petista em 2004 e derrotou Marta Suplicy (PT). Desta vez, Fernando Haddad (PT) deu o troco. O sentido da invasão depende da conjuntura de cada eleição: se o eleitor está satisfeito e quer continuidade do governante ou se, ao contrário, desaprova o prefeito da vez e quer mudança, por exemplo.
As oscilações conjunturais fazem o resultado da eleição pender de um partido para o outro. Mas elas não derrubam as estruturas do voto nem embaralharam as zonas eleitorais aleatoriamente.
A princípio, atribuiu-se a homogeneidade geográfica do voto a eleitores que compartilhavam a mesma renda e escolaridade. O que o estudo demostra é que a proximidade comunitária é mais importante do que semelhanças socioeconômicas. O eleitor que fez faculdade votará diferente se morar no Morumbi ou em Guaianases.
A aldeia a que pertence explica melhor por que um eleitor vota contra certo partido do que o quanto ele tem no bolso. Ele vai se guiar mais pelas conversas com familiares e amigos do que por quantos diplomas pendurou na parede.
Outro resultado do estudo do Ibope foi a comprovação de que, de todas as variáveis analisadas, a única que não está associada à decisão do voto é a religião. Numa eleição majoritária, tanto faz se o eleitor é católico, evangélico ou agnóstico. A opção religiosa não define a escolha do prefeito ou presidente. Políticos que bajulam padres e pastores perdem tempo e dinheiro, entre outras coisas.
O voto geográfico não é exclusividade paulistana. Aparece de Manaus a Salvador, diz Marcia Cavallari. Tampouco é uma jabuticaba, um brasileirismo. Nos EUA, é até mais fácil de ver por conta do bipartidarismo. Os Estados e condados têm duas cores possíveis: são vermelhos quando votam no partido Republicano ou azuis quando sufragam o Partido Democrata. Mudar de cor é como virar-casaca no futebol, compara Marcia.
Do universo vê-se uma procissão de aldeias, azuis e vermelhas. Algumas estão juntas e formam cidades, mas ainda assim são aldeias. Preservam sua unidade homogênea em meio à diversidade urbana. Muitas outras mais estão esparsas entre suas iguais. Formam um miolo avermelhado envolto por aldeias de outra cor. O mapa eleitoral dos EUA é uma melancia de casca azul.



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