Fonte: blog Espaço Acadêmico
No início cogitou-se em umas centenas de participantes, nada mais – e depois eles se juntaram: 6000 em Frankfurt, 10.000 em Berlin, 100.000 em Roma, em 1000 cidades de 82 países. Sem organização anterior, sem precedentes, espontâneos, imprevisíveis, propulsionados pela mesma ira como em Nova York: “Nós somos 99%!” Deste jeito, não mais.
Pela primeira vez: advogados, universitários, donas-de-casa, médicos, quarentões em jaqueta de couro, aposentados, idosas de touca e luva contra o frio, juntos com cabeludos, barbudos, com punks e ravers – uma classe média bem formada, no mesmo protesto, na mesma preocupação: o atual sistema sócio-econômico não é justo, sentimo-nos suas vítimas, nem sequer seus participantes. Medo do empobrecimento no pilar central da sociedade alemã, na classe média. “Não queremos a tragédia grega aqui.” Com razão.
E o protesto atinge o ponto nevrálgico: quem é que finalmente detém o poder e manda neste caos atual – os políticos, eleitos para tal cargo e responsabilidade, ou os bancos, arriscando e devorando os investimentos do pequeno poupador em aplicações sem futuro, mas com lucro a curto prazo para eles? Até quando nossos impostos financiarão gastanças com empréstimos sem controle?
Um aspecto em comum ficou claro no mundo inteiro: a carta amarela para os bancos. O protesto da sociedade civil contra uma predominância anônima, que inverte as finalidades do sistema econômico em capitalismo selvagem e perverte um convívio social numa sociedade capitalista. “Não estamos mais de acordo.” E: “Cuidado, estamos de olho. Vocês não sairão ilesos.”
Em 10 dias mais que 50 matérias em jornais e semanários da Alemanha – nunca vi igual. Não sobre futebol, nem sobre o tema permanente, a crise do Euro, o endividamento dos países europeus muito acima dos 60% do PIB nacional segundo o contrato de Maastricht. Uma manifestação de base contra uma perversão: “Esta insanidade financeira deixa nossa sociedade vulnerável. Por isso vamos às ruas. Saibam que nossa ira é justa!” Ninguém esperava, agora, um grassroot-movement deste alcance, e ainda, na Alemanha.
O occupy-movement na Alemanha tem traços próprios, como se reflete na diversidade de comentários e publicações – nem sempre favoráveis. Seus manifestantes não são desempregados, nem da extrema esquerda. É a coluna de todo um sistema social que adverte contra a degradação da sociedade pelo capitalismo selvagem e suas conseqüências. Pode ser que a economia capitalista seja um meio aceitável – mas ele tem que ser um mero meio. Nada mais. Portanto: o Não a uma sociedade capitalista que ignora os valores humanos e devora seus filhos.
Algo tem que mudar – não temos resposta, mas estamos aqui para procurá-la, juntos. Ela existe, formulada pelos heterodoxos do sistema. E sem recaídas no ranço das contra-ideologias. As duas do séc. XX estão falidas. Não adianta sonhar em cor-de-rosa com os erros do socialismo passado.
E: que nenhum partido pense em nos cooptar, alinhar. Cada um pode participar, é bem-vindo – mas sem bandeira ou camiseta estampada. Por isso, eu prefiro manter aqui o título que eles ganharam nos jornais dali: grassroots-movement. Já houve tantos movimentos de base por aqui; o nome já virou inflacionário. E quase todos de uma espontaneidade duvidosa: fracionários, cooptados por partidos, até organizados de cima – as CEBs, por exemplo, mas não só. Com suas raízes literalmente no ar, com aquele mau cheiro de desgastado.
O futuro? Ninguém sabe. Dependerá da espontaneidade dos demais, da sua simpatia e participação, da sua ira a ser compartilhada, da intensidade e da persistência do protesto. Dependerá da transformação deste protesto num projeto de uma nova sociedade, sem domínio dos mercados financeiros, democrático, with grassroots, no more without.
Este início é uma promessa a se cumprir, comunicada de maneira mais anti-autoritária possível, por Internet, Twitter, Facebook: incontrolável, imprevisível – irascível, mas com um atrativo desconhecido: o charme da ira justa dos mais experientes na vida.
Assim, o german occupy-movement consegue transmitir aquela sensação gostosa de uma brisa matinal num dia ensolarado da primavera.
Tomara que se mantenha este frescor…
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* RALPH ROMAN KONRAD GNISS é Prof. aposentado da FaFil/UFG.
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