FÁBIO VIANA RIBEIRO*
Durante meu período de graduação na UFMG, na década de 1990, um cartaz colado do lado de fora do restaurante da universidade sempre me deixava intrigado. Assinado por um grupo político que mais tarde se acomodaria dentro do PMDB, dizia o cartaz: “O povo sabe a resposta!”.
Os anos se passaram e nunca encontrei, em nenhum momento da história brasileira, qualquer exemplo para confirmação da frase, tão bela e esperançosa. Durante a campanha pelas eleições diretas e por ocasião do afastamento do então presidente Fernando Collor, ver o povo como protagonista do processo exigia de mim uma ingenuidade ou romantismo que já não existiam.
Os recentes acontecimentos provaram o que até então parecia quase impossível: pessoas comuns começarem, de uma hora para outra, a questionar gastos públicos e níveis de corrupção que já eram cinicamente tratados como parte da paisagem; variando a argumentação de seus praticantes do realista “é assim que as coisas funcionam” ao meio envergonhado “são coisas necessárias para avançarmos em nossos projetos”.
Pois bem. Para completo espanto de tantos, que tanto se beneficiaram e continuam ainda se beneficiando com teorias assim, o povo, ele mesmo, acordou de seu longo torpor. Sem que a oposição ao governo o incentivasse a ir às ruas, sem a tutela de partidos ou centrais sindicais. Não por acaso, quase todos eles, comprometidos com os motivos do atual descontentamento.
Por que isso não aconteceu antes? Considerando inclusive que os principais motivos do descontentamento já eram, como observei, de conhecimento público. Talvez estivesse faltando cair a última gota d’água; a mais comum e mais transparente de todas.
Nas últimas eleições municipais pude confirmar que, com as exceções de sempre, não havia mais nas ruas nenhum militante político. Pessoas como as que, nos anos 1980 e em Belo Horizonte, se dispunham a formar um cordão humano de 13 quilômetros ao redor da avenida do Contorno, num ato pela eleição de um dos candidatos. Sem com isso ganharem nada que não fosse a satisfação de suas consciências. Nas últimas eleições municipais, esse tipo de militância foi substituída por “homens cabos de vassoura”, capazes de ficar plantados por horas a fio debaixo do sol, num cruzamento do centro de qualquer cidade, segurando banners de candidatos de todos os partidos que disputavam alguma coisa na eleição: do PMDB ao DEM; do PV ao PT, todos provaram que já não era mais preciso o apoio de eleitores “vivos”, bastando-lhes os zumbis contratados e os demais indiferentes em casa, que iriam mais tarde deixar seus votos nas urnas.
Ou seja, para os que reclamam a ausência de partidos liderando as atuais manifestações, fica a dúvida: que partidos? Os que já não existem mais? Algumas coisas me parecem evidentes. Os partidos políticos estão falidos; como nunca estiveram antes. Não representam ninguém e ninguém se sente representado por eles. Coube ao PT jogar a pá de cal no atual sistema de representação político partidária: ao oferecer sua interessada generosidade a seus aliados históricos (CUT, UNE, MST, etc.) e financiarem o restante da população (por um lado com bolsas família e outras formas de assistencialismo, e, por outro, com expansão do crédito para os sem bolsa). Nesse processo, a sempre útil e providencial teoria de que “os fins justificam os meios” e o discurso de que “toda a ideia de oposição ao atual governo se resume ao fato das elites não aceitarem um governo popular que incomoda as elites”, terminou por perder sua data de validade. O que aliás lembra uma cena hilária de um filme do Monty Python: sim, o governo é corrupto, mas diminuiu a pobreza; sim, é corrupto, fez alianças políticas com Calheiros, Collor, Sarney, Edson Lobão, etc, mas diminuiu a pobreza; sim, é corrupto, fez alianças políticas com Calheiros, Collor, Sarney, Edson Lobão, etc., criou um plano assistencialismo que terminou se transformando numa eficiente máquina eleitoral, mas diminuiu a pobreza, etc…
Discordo da teoria de que tudo caminha para um golpe. E creio menos ainda que os partidos políticos atuais, esses mesmos, os que não existem, possam servir de antídoto para golpes militares nostálgicos Caso a população continue nas ruas, o novo governo que substituirá o atual (isso porque, abrupta ou vagarosamente, o atual governo parece estar caindo) será… o mais parecido possível com aquilo que todos que continuarem nas ruas desejam.
Não deixa de ser sintomático o fato de que, como resposta ao pedido de mais verdadeque acompanha as manifestações, o governo tenha optado por um discurso de menos verdade, artificial e vazio, ortodoxamente preso aos mais óbvios princípios do marketingpolítico e eleitoral. Como tantos ainda insistem em fazer, a insinuação de que as manifestações são por demais genéricas e desfocadas. Como assim??!! Se indignar contra a corrupção e golpes autoritários (como PEC-37) é algo tão vazio e desfocado assim? Na sequência do discurso oficial, o surrado argumento de que a presença do povo nas ruas fortalece a democracia, etc. E que é preciso não aceitar a violência e a presença dos inimigos do país. Novamente feitas as contas e excluídos os desordeiros e inimigos da democracia, restam alguns milhões nas ruas e outros tantos milhões em casa, explicitando sua indignação com o atual governo e o estado de coisas que o mesmo representa. Nessa lógica, é quase o caso de se imaginar que o governo apoia aqueles que o acusam de permitir toda a corrupção e desvios políticos de que é acusado. Antes fosse isso, e por meio do discurso oficial, o governo anunciasse o fim de suas parcerias com o que há de pior na política brasileira, com as grandes corporações, com a FIFA, etc., e abraçasse a causa da população. Possivelmente por serem essas parcerias, por um lado, confiáveis e de longa data, ao mesmo tempo em que são, por outro lado, muitas as dúvidas se o povo sabe mesmo a resposta…
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