Carta Capital
Menalton Braff
Tenho um amigo, que me pede anonimato absoluto, bastante atento a tudo
que acontece em nosso velho mundo, do qual ele costuma dizer que vive mudando
para continuar sempre igual. Seus comentários são polêmicos, mas ele não gosta
de briga, por isso se abriga nas trevas. E aqui refuto suas idéias. Muda, sim,
meu anônimo amigo. E muda muito.
Meu amigo afirma que os católicos são de uma ingenuidade inexplicável,
tamanhos e tantos são os casos. E ele cita um rosário deles, dos casos, que não
cabe repetir no exíguo espaço de uma crônica. Como amostra, vou usar dois
exemplos. Alguns de vocês devem estar lembrados do Neimar de Barros. Esse
cidadão foi bajulado, requestado, promovido, estimulado, ele foi, bom, foi
quase endeusado. E quem se lembra disso é difícil que tenha a coragem de negar
o que estou afirmando. Entre outras coisas, esse fraco escritor produziu um
livro de capa preta com o título de “Deus negro”. Não havia paróquia onde não
se encontrasse à venda o livrinho (mixuruca, por sinal) do Neimar. Cansado de
tanto ganhar dinheiro, um dia o Neimar de Barros declarou em uma entrevista a
um repórter que tudo que ele escrevia tinha uma só finalidade: ganhar dinheiro.
Fora outras afirmações dele a respeito da ingenuidade daqueles que o liam. Foi
apeado do pedestal, mas o estrago já estava feito.
Outro exemplo é o bruxo Paulo Coelho. Ele começou a carreira (depois das
andanças pela música) dando um tom, como podemos dizer, exotérico a seu texto.
Coisas orientais, histórias exóticas, temperos muito ao gosto popular, mas
em conflito com o pensamento católico apostólico romano. E havia uma lacuna em
sua clientela: o mundo católico não ia muito com sua cara. Ora, mas isso é
problema que se resolve muito facilmente. O PC da Academia Brasileira de
Letras, a quem não falta dinheiro para qualquer tipo de aventura, viajou para a
Europa, mais especificamente para Santiago de Compostela, e lá fez uma viagem
famosa, andando a pé coisa aí de uns cem quilômetros e que é o sonho de consumo
da maioria dos que professam o catolicismo. Pronto: estavam abertas as portas
de mais um nicho de consumidores. A esperteza dele dá nó em fumaça (quem
inventou essa expressão foi meu avô, num dia em que ficou tonto de tanto
fumar). Conheço muito católico convencido de que o Paulo Coelho comunga,
confessa e tudo mais.
Agora por que me veio à lembrança a ingenuidade dos católicos: o Natal,
tempos atrás, era uma festa cristã. Comia-se peru, carneiro, leitoa, essas
coisas, mas isso era apenas a superfície da data. As pessoas se encontravam
para reverenciar o nascimento de Cristo. Havia a Missa do Galo, realizada à
meia-noite do dia 24 de dezembro, havia sermões e música sacra, havia o que se
pode chamar de alegria saudável, pois festejava-se com
respeito o nascimento do Salvador.
Depois veio a esperteza dos comerciantes e Natal sem presentes tornou-se
coisa de gente pobre. Deus que me livre de pensarem que não posso dar um
presentinho, que seja. E presente onde é que se compra? Nas lojas deles, é
claro. E o caráter religioso da data foi dando lugar a um mesquinho espírito
comercial.
Mas a coisa não parou aí. Como é data de encontro, e de alegria, a
música sacra também desapareceu do cenário. Em seu lugar, pagode, música
sertaneja, tchan, música picante, cheia de malícia (coisas que antigamente se
chamavam de pecaminosas). Pois bem, sabe-se muito bem que o carnaval tem
uma origem pagã. Pois o Natal, aos poucos, transforma-se também em festa
báquica. Vale tudo, em nome da alegria.
Pensando bem, a única diferença do Natal para o Carnaval é a fantasia.
No Carnaval ninguém se veste de Papai-Noel. Pelo menos por enquanto.
(Sei muito bem que virão os estudiosos de tudo para contestar minha
versão da origem dos presentes, mas isso não fará diferença nenhum. A tradição
encontrou nos comerciantes seus mantenedores.)
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