Deputados de oposição, da esquerda,
saíram de campanhas franciscanas para disputas milionárias
Jornal do
BrasilPaulo Rubem Santiago *
A reconstrução da democracia no país,
após 21 anos de ditadura militar, custou a todos nós muitas vidas, sonhos, a
liberdade de cidadãos e instituições. Nessa jornada, estratégias foram
desenvolvidas e mobilizações antes impossíveis consolidaram-se na vida política
nacional. A bandeira das diretas já foi uma dessas, com o povo lutando pela
eleição direta do primeiro presidente após ditadura implantada em 1964.
Não nos faltava, porém, só a
consolidação da democracia formal. Desde a Colônia, no Império e na República,
a boa gestão do patrimônio público sempre foi objeto de ataques, tantos são os
casos de corrupção, desvio de verbas públicas e escândalos associados a esse
procedimento.
Em 2002 o programa da candidatura de
Lula defendia a criação de uma Agência Nacional de Combate à Corrupção, ideia
que nunca saiu do papel. De lá para cá vimos que a corrupção tem raízes
antigas, expressando-se, vez por outra, nos séculos XX e hoje, em governos de
quase todas as legendas.
Outro aspecto crítico da atual fase
democrática é que, além disso, quanto mais eleições presidenciais acontecem
desde 1989 maiores são os financiamentos privados nas disputas à chefia do
poder executivo federal, Câmara dos Deputados e o Senado. Por isso,
acompanhando muitas das investigações e o combate à corrupção no país e vendo
se agigantar o financiamento privado nas últimas eleições, afirmo que o
processo político-representativo em nosso país está em acelerada degeneração.
Em parte porque nunca se desmontaram, nem após 2002, com os partidos de
esquerda no governo, as estruturas que permitiram, por décadas, o aumento dessa
influência, associada a fundos lícitos ou ilícitos, como a corrupção, o
tráfico, a lavagem de dinheiro e a sonegação. Deputados de oposição, em
legendas de esquerda, saíram de campanhas antes franciscanas, para disputas
milionárias, algo outrora inimaginável para tais legendas.
Combater
a corrupção de forma estruturante, preventiva, sistêmica, com investimentos e
ações entre os poderes de estado
Consolidada a metamorfose, fez-se a
simbiose. Temas antigos da agenda partidária foram esquecidos, relativizados,
como a regulamentação do sistema financeiro (norma do artigo 192 da
Constituição Federal de 1988), a auditoria da dívida pública (outra norma
constitucional), a implantação do imposto sobre grandes fortunas (idem), o
combate sistêmico e estruturante à corrupção e as reformas política, agrária e
tributária avançadas.
Hoje o voto popular definha, embora
sejam, a cada dia, mais midiáticas e caras as campanhas eleitorais. Mesmo com a
lei de combate aos crimes de corrupção eleitoral, de 1998, e a lei da ficha
limpa, de 2010, o poder econômico age e abusa, às claras, ante a fragilidade da
Justiça Eleitoral para ir às ruas e coibir tais práticas com o suporte do
Ministério Público e das Polícias Militar e Federal. As chamadas doações
“ocultas” são a expressão mais clara dessa degeneração. Vive-se o império do
vale-tudo travestido de democracia.
Por isso, antes que a infiltração do
crime organizado na administração pública se generalize e que o casamento do
dinheiro da corrupção com os recursos das altas fontes privadas sequestre o
voto popular impondo um simulacro de representação urge, antes que seja tarde,
deflagrarmos uma revolução democrática, radical, que atinja raízes, troncos, folhas,
flores e frutos de cada uma dessas práticas.
Combater a corrupção de forma
estruturante, preventiva, sistêmica, com investimentos e ações entre os poderes
de estado, tornando mais duras as leis que atualmente regem
esse combate e punem corruptos e corruptores.
Realizar uma reforma política ampla,
pelo financiamento público, bloqueando o uso dos fundos originários da
corrupção nas campanhas.
Por fim, exigir em nova legislação
partidária regras comuns a todos os partidos, transparência total, on-line,
nas contas e fundos partidários, eleições diretas de seus dirigentes, limitados
a dois mandatos, direito dos eleitores revogarem mandatos que agirem contra
suas próprias atribuições, deveres legais e éticos, impor candidaturas
obrigatórias nas eleições majoritárias, comunicação para divulgação unicamente
programática, e não de seus dirigentes, entre outras medidas.
Sem essa revolução democrática,
frente à sucessão de escândalos, abuso de poder econômico nas eleições e
diversas modalidades de crimes eleitorais, acabará o voto livre como ferramenta
da democracia, ruindo-se a própria democracia, gerando-se terras férteis para
os golpes de novas ditaduras e salvadores da pátria. Façamos essa revolução
agora, com aqueles ainda não contaminados que a assumam, no próprio PT, no PDT,
no PC do B, no PSB, no PMDB, no PSOL e em outros, pressionando nas ruas,
universidades, portas de fábricas, nos assentamentos, nas comunidades, para o
parlamento aprová-la, em defesa da maioria da sociedade, da soberania do voto e
da autonomia do cidadão. Antes que seja tarde.
* Paulo Rubem Santiago – Deputado
Federal PDT-PE e Fundador da Frente Parlamentar de Combate à Corrupção (2004).