Paulo Daniel, 21 de agosto de 2011 às 9:54h
Paulo Nakatani é economista, com pós-doutorado pela Université Paris XIII (Paris Nord), professor associado da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e Presidente da SEP – Sociedade Brasileira de Economia Política.
Para o professor da UFES, atualmente não existe nenhum modelo que venha a produzir um desenvolvimento econômico e social brasileiro, dentro dos marcos do capitalismo, que torne o nosso país independente e equivalente aos chamados desenvolvidos.
Confira abaixo a entrevista:
Além de Economia/CartaCapital: Qual a leitura que o Sr. faz da crise?
Paulo Nakatani: Costuma-se considerar que a crise é financeira, eu a interpreto como o resultado das contradições internas à acumulação do capital. Ela faz parte intrínseca dessa dinâmica e se manifesta periodicamente. A dinâmica da acumulação exige a ocorrência de crises periódicas, como meio de regenerar o capital em geral através da supressão dos capitais menos produtivos ou supérfluos. No momento da crise, eles são desvalorizados e incorporados pelas unidades de capital mais avançados e mais poderosos. Assim, não estou de acordo com as opiniões que consideram a crise como acidente de percurso, seja devido ao governo ou qualquer tipo de interferência “externa” à economia.
A crise mais recente apresentou como particularidade o gigantesco volume de capital acumulado na esfera financeira, sob a forma de capital fictício, que pressionou fortemente a esfera produtiva extraindo volumes crescentes de excedente. A necessidade de desvalorização desse capital vem se manifestando desde a chamada crise financeira do México, em 1994, e continuou com as crises desencadeadas na Rússia, Malásia, Tailândia, Indonésia, Brasil e, em 2002, nos Estados Unidos. Todas elas produziram uma desvalorização de parte do capital fictício, mas a superação dessas crises foi obtida exatamente com a recomposição dessa forma de capital.
Da mesma forma, as medidas anti-crise tomadas em 2008 e 2009, pelos governos dos EUA, da Europa e Japão, também foram para recompor o capital fictício. Mais ainda, as medidas atuais, nas crises da Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha, o Banco Central Europeu está exatamente criando mais capital fictício, comprando títulos da dívida pública desses países.
AE/CC: Geralmente a grande mídia tenta colocar a culpa da crise na má condução das políticas fiscais dos Estados, este é o verdadeiro problema?
PN: É verdade que a política fiscal pode ser mal conduzida, pode ser equivocada, sofrer de corrupção e desvios de recursos ou apresentar déficits fiscais que aumentam a dívida pública e os serviços dessa dívida. Mas, este não é o problema, a crise decorre da dinâmica própria do capital, ou seja o problema está no capital. A oposição entre Estado [capitalista] e Mercado [capitalista] é falsa, ambos são elementos integrantes da sociedade capitalista e foram constituídos na mesma gênese.
As políticas fiscal e monetária são instrumentos e mecanismos através do qual o Estado capitalista procura gerenciar a dinâmica e os rumos da acumulação do capital em geral e alterar a dinâmica da crise, mas não pode suprimi-la. Elas aparecem como se fossem problema quando a crise do capital aparece como, ou acaba sendo confundida com, crise do Estado, e a grande mídia tem um papel fundamental na construção e difusão dessas ideias falsas e equivocadas.
AE/CC: É evidente, que o governo da Presidenta Dilma Rousseff é uma continuidade do governo do ex-Presidente Lula. A estrutura econômica que aí está deriva dos pilares da formação do Plano Real, neste sentido, é possível comparar os governos de Lula e FHC? Há mais semelhanças ou diferenças?
PN: A estrutura econômica brasileira não deriva diretamente do Plano Real, mas da dinâmica da acumulação mundial e da histórica inserção subordinada do Brasil a essa dinâmica. A política macroeconômica implementada após o colapso do Plano Real, em 1998, é que continua a mesma, com a política de metas de inflação, metas de superavit primário e taxa de câmbio flutuante. O governo Lula até avançou mais na abertura do país ao capital especulativo e parasitário, mas teve que recuar parcialmente após a crise de 2008. Durante os oito anos do seu governo, as despesas na conta chamada de investimento em carteira totalizaram 108,6 bilhões de dólares e o movimento médio mensal de entrada e saída desses capitais especulativos, no segundo governo, foram de 32,1 bilhões de dólares, mais de um bilhão por dia.
Mas, por outro lado, melhorou os programas focalizados de assistência social e um pouco a distribuição de renda, assim como adotou uma política anti-cíclica, em 2008, mais heterodoxa.
AE/CC: A Presidenta Dilma em conjunto com o Ministro Mantega afirmaram que o Brasil não está imune a crise mundial, mas temos instrumentos para enfrentá-la. Seria possível o nosso país crescer mesmo com a crise econômica e financeira que assola o mundo? Os instrumentos para enfrentar a crise de 2008 não estão esgotados?
PN: O Brasil não está imune aos impactos da crise mundial e nem de suas próprias crises internas. As políticas anti-crise, através dos instrumentos de política econômica e dos recursos disponíveis podem, no máximo, amenizar os seus efeitos mais perversos sobre os trabalhadores assalariados ou por conta própria. O resultado das medidas de 2008 foi uma queda pequena do PIB, que teria sido muito maior sem aquelas medidas. Mesmo que esses instrumentos não estejam esgotados, o efeito da crise pode ser grave.
Se os impactos da crise sobre a balança comercial forem muito elevados com redução da quantidade exportada e dos preços das commodities, o efeito sobre o emprego e a renda dos trabalhadores serão grandes, mas não é possível dizer o quanto.
Se somarmos os impactos da esfera financeira, o problema poderá ser muito maior. Segundo os dados do Banco Central, o passivo externo chegou a quase 1,4 trilhão de dólares, em março de 2011, com cerca de 50% em capitais especulativos, ações e títulos de renda fixa. Uma fuga maciça desses capitais poderia colocar o país em situação de insolvência, dado que as reservas cobrem apenas a metade desse montante. Mas, as políticas anti-crise dos EUA e da União Européia podem estimular ainda mais o ingresso dos capitais especulativos devido à elevadissima taxa de juros, como aconteceu em 2008, e o resultado será um crescimento das despesas com a remessa de rendas e ganhos de capital.
AE/CC: Muitos economistas, políticos, sociólogos afirmam que o neoliberalismo acabou, mas ao mesmo tempo não surgiu uma alternativa concreta para enfrentá-lo. Por quê?
PN: O neoliberalismo não acabou, como instrumento de intervenção estatal ele fundamenta e justifica as linhas gerais das políticas econômicas de quase todos os países capitalistas do mundo. Nenhum país que adotou a livre mobilidade de capitais, que liberalizou o comércio internacional e que privatizou as empresas e atividades estatais voltou atrás nessas medidas, salvo em alguma medida pontual tomada como resposta aos impactos da crise de 2008. O neoliberalismo também não acabou como ideologia, continua sendo o principal argumento para justificar o desmonte dos mecanismos e instituições voltados ao bem-estar da população, em particular a previdência, a assistência social, a saúde e a educação. Essa ideologia foi usada para avançar contra estas políticas nos países europeus em crise, como a Grécia, Irlanda e Portugal.
A alternativa para enfrentá-lo existe, mas encontra-se debilitada pelas derrotas políticas e ideológicas sofridas nas últimas décadas decorrente, entre outros, da dissolução da União Soviética e da abertura da China ao mercado capitalista. O avanço da ideologia neoliberal acabou com a maior parte dos partidos, e muitos intelectuais, que reivindicavam o socialismo ou o comunismo e converteram-se à ideologia neoliberal. Além disso, a luta de classes concreta, hoje, costuma aparecer como manifestação contra algum aspecto parcial do desenvolvimento capitalista e não contra o neoliberalismo.
AE/CC: Em meio a esta tormenta é possível pensar e realizar uma nova forma de desenvolvimento econômico e social brasileiro? Há algum modelo?
PN: Não há nenhum modelo que produza um desenvolvimento econômico e social brasileiro, dentro dos marcos do capitalismo, que o torne independente e equivalente aos chamados desenvolvidos. As perspectivas no momento são de uma reprimarização da economia, já presente na balança comercial, de aumento da dependência e subordinação ao capital internacional, com uma elevada sangria na conta de remessas de lucros e ganhos de capital, e de continuidade dos movimentos cíclicos de crescimento e queda, seja devido às crises internacionais ou às próprias contradições da acumulação interna de capital.
Nenhum comentário:
Postar um comentário