Disseram certa feita que podem
tirar tudo de nós, menos o nosso conhecimento. A capacidade que o ser humano
tem de refletir criticamente sobre a vida é o que determinada em grande medida
a sua liberdade. Dito isso, caso o indivíduo esteja preso em círculos de
pensamentos que não são seus, isto é, seja tão somente um reprodutor de um
discurso que lhe é passado, torna-se impossível ser livre e, consequentemente,
será um escravo do sistema.
Na contemporaneidade, a
escravidão não se dá nos moldes antigos, baseada na coerção e na força, mas
sim, no controle do pensamento, alienando o indivíduo e transformando-o em um
autômato incapaz de escrever uma linha da sua vida com suas próprias mãos.
Sendo assim, a classe dominante cria amarras invisíveis, a fim de que os indivíduos
se mantenham subjugados sem que percebam a prisão que os envolve.
Essa cegueira se dá em virtude
da falta de reflexão crítica que os indivíduos possuem, de modo que se torna
muito fácil moldá-los à realidade que os dominantes julgam como necessária à
manutenção do status quo. O enquadramento ao modus vivendi determinado pela
classe dominante se dá pelo que George Orwell chama de controle da realidade ou
duplipensar que “quer dizer a capacidade de guardar simultaneamente na cabeça
duas crenças contraditórias, e aceitar ambas”.
Dessa forma, a realidade é
construída pelos detentores do poder nas relações de força na sociedade de
maneira que ela seja modificada e ajustada de acordo com os interesses do
momento histórico. Os dominados ou a “prole”, como Orwell prefere, apenas
aceita a verdade imposta, ainda que esta seja contraditória e vise à manutenção
das discrepâncias sociais.
Posto que não há como aceitar
duas crenças simultaneamente, os indivíduos, confusos, não conseguem entender a
verdade por trás do que lhes passam como realidade, de modo que permanecem em
uma ignorância contínua. Essa ignorância é apresentada como sinônimo de força
pelo Partido na obra 1984. Não é preciso dizer que o lema do Partido realmente
produza força, mas apenas para os que detêm o monopólio dela nas micro-relações
de poder no âmbito social.
Estendendo à nossa realidade, o
Partido pode ser lido não somente como a classe política, mas como todos
aqueles que se propõem a subjugar as classes inferiores a fim de manterem-se no
poder. Para tanto, fazem de tudo para que sejamos massa de manobra em suas
mãos, nos modelando de acordo com os seus interesses. Somos despersonalizados
para que não consigamos exercer a capacidade reflexiva, o que levaria a
questionar as mazelas sociais.
O pensamento, dessa maneira, é
controlado através de elementos como a mídia e a publicidade. Exerce-se,
portanto, o poder da polícia do pensamento, como aparece no livro, mas sem o
uso da coerção física, como já foi dito. Utilizam-se outros elementos, como a
sedução da sociedade de consumo, com as suas inúmeras fórmulas de felicidade e
prazer apresentadas nas propagandas.
Todavia, o controle do
pensamento se dá do mesmo modo, sendo, inclusive, mais eficaz, visto que
inexistindo uma coerção física para os que se afastam da linha, há um trabalho
muito mais forte de sedução, para que voluntariamente os indivíduos tornem-se
servos e abdiquem do seu direito de pensar.
Assim, excetuando poucos
indivíduos que ousam questionar o sistema e procuram exercer a sua capacidade
reflexiva, a grande maioria está totalmente adequada ao sistema, vivendo
felizes em sua ignorância. Vivendo vidas mecânicas, são incapazes de tirar as
vendas que os dominantes, sob os seus consentimentos, colocam em seus olhos.
Ainda que as condições sejam
difíceis, há a possibilidade de não se condicionar a esse sistema opressor.
Todavia, cada vez mais facilmente as pessoas têm aceitado as crenças
contraditórias da classe dominante, permanecendo imersas na sua pobreza e
ignorância, mesmo que não percebam ou não queiram perceber a venda nos seus
olhos.
Embora livres e pensativos,
estamos condicionados a viver de forma servil, sendo oprimidos por um sistema
que apenas visa ao bem-estar de poucos. No entanto, se mudarmos as condições,
podemos mudar as respostas e, assim, tomaremos as rédeas das nossas vidas,
podendo pensar por nós mesmos e não sendo meros reprodutores de um discurso
opressor e hierarquizante.
Quando aprendermos, como diz
Orwell, que a verdade não é questão de estatística, seremos seres pensantes e
como indivíduos capazes de produzir o próprio conhecimento, seremos livres,
pois deixaremos de ser condicionados e ignorantes, uma vez que:
“De maneira permanente, uma sociedade hierárquica só é possível na
base da pobreza e da ignorância.”
Por Erick Morais
Nenhum comentário:
Postar um comentário