sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Ser mãe é padecer no paraíso

Jornal do BrasilMaria Lucia Dahl

Será que os filhos fazem ideia do amor que sentimos por eles, ou só levam em conta o lado controlador, quando perguntamos aonde vão, com quem, a que horas voltam, só pra pobre mãe ter uma ligeira possibilidade de ficar menos nervosa? Celular ou nada, é exatamente a mesma coisa, já que filho não atende celular de mãe, só de amigos. Mãe só  paga a conta. Mas ligar pra avisar que vão chegar tarde, ou que mudaram de programa, falar dos horários que mudaram, que é bom, nada! E não adianta os amigos dizerem que ela já uma super adulta, pois filho pode ter cem anos, que a preocupação da mãe, com 150, continua a mesma. Se a mãe daquele velhinho de 101 anos que andava de bicicleta fosse viva, morreria de infarto, antes dele.
Então minha filha saiu com meu neto de oito anos e, logo depois disso, minha casa entrou em curto e ficou inteiramente sem luz. Arranjei duas velas com uma vizinha organizada, por que aqui em casa, mesmo que eu tivesse alguma ideia de onde encontrá-las, não conseguiria fazê-lo no meio da escuridão.
Chamei um novo eletricista, pois o que vinha sempre não pôde, e o novo homem quase caiu desmaiado ao ver os “gatos” que o outro tinha feito durante os anos todos que trabalhou aqui, cobrando-me um dinheirão e fazendo-me correr o risco de ir pra cadeia, eu, que nunca vi um gato, a não ser os de pelo e osso, e só soube hoje, onde se encontravam, prontos a dar um curto geral na casa e causar um incêndio.
Então resolvi ler o jornal pra me distrair, e ele, inteiro, mostrava fotos da boate Kiss,em chamas, em Santa Maria, no Sul, matando 235 jovens, com cerca de 200 telefonemas não atendidos nos seus celulares, dados pelos pais, que, desesperados, tentavam achá-los, em vão, certamente pelo adiantado da hora, pouco antes do Brasil parar defronte à boate,  tentando salvar filhos e amigos deles, doando seu sangue e suas almas para trazerem-nos de volta, os pobres jovens mortos por asfixia ou por falta de saída de emergência, já que ninguém podia passar pela porta principal por que os guardas alegavam que era golpe pra não pagar a conta.
Não consegui mais pensar noutra coisa e me desligar daqueles corpos estirados no chão. Graças a Deus fiquei sem televisão por causa dos ” gatos” do eletricista ladrão.
O computador também saiu do ar, e meu neto chegou em casa e chorou por que não tinha vídeo-game. Não faz mal que chore ao meu lado, mas que não saia de perto de mim. Tentei contar histórias das quais ele gostava antigamente, mas agora a graça é ser o personagem que mais mata no jogo, este é o herói de hoje em dia. Até consegui que inventássemos um conto, juntos, desde que ele não armasse ninguém e só ríssemos de fatos engraçados sem metralhadoras ou espingardas, até minha filha levá-lo pro seu quarto, alegre e risonho enquanto eu apagava as velas, tentava acreditar que o eletricista viria me socorrer  e, como Jesus Cristo, me abençoasse com sua divina  luz.

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