quarta-feira, 8 de maio de 2013

Botequim

Jornal do Brasil
Maria Lucia Dahl


Fui ver a peça Botequim, do Gianfrancesco Guarnieri, escrita há quarenta anos e dirigida por Antonio Pedro naquela época e agora.
Não vi a peça na sua primeira versão, mas imagino que o tal Botequim onde pessoas de todas as espécies frequentam, fosse uma espécie de oásis no meio de uma ditadura, na década de setenta, onde todos bebiam, comiam, conversavam e fugiam dos policiais.
Hoje continua do mesmo jeito, só que, num sentido figurado, a chuva pesada que cai lá fora, faz as pessoas entrarem no botequim e mostrarem o Brasil de agora, onde elas parecem legais, mas em vez de serem dominadas pela ditadura e lutarem pela liberdade, lutam pelo dinheiro, fazendo qualquer coisa por ele e contradizendo tudo o que se lutava para conseguir, como a liberdade e a ideologia.
Na versão da peça de hoje, as pessoas são todas falsas. A viúva, dona do botequim, que é uma simpatia com seus frequentadores e amigos, é, na verdade, uma mulher que matou o marido para ficar com o seu dinheiro. No meio de uma conversa animada e muita cerveja entra um ladrão que rouba as pessoas, como se fosse muito normal, a não ser pela cara dele, coberta com uma máscara. E acho que a maneira de falarem da liberdade, nessa nova versão da peça, foi só no sentido sexual , quando um casal que está ali sentado desde o início numa mesa e brigando entre eles, acaba fazendo as pazes quando ela resolve dar pra ele, o que se entende como a forma de sexualidade liberada na década de 70 quando a maioria das moças deixou de ser virgem.
 O que entendi dessa segunda versão foi no que o país se tornou depois da ditadura, quando o povo se tornou livre das prisões e torturas para se transformar em escravo do dinheiro, fazendo qualquer coisa por ele, sem nenhum princípio, ética, ou ideologia, enquanto nos anos 70, dava-se a vida por elas à espera de um mundo unido e sem guerra.
Os atores de Botequim são maravilhosos e a Marcia do Valle, atriz e cantora que substitui na versão moderna a cantora Marlene, é fantástica nas duas categorias.
Foi a Márcia também que lutou durante alguns anos para produzir esta peça, com direção de Antonio Pedro e todo um grupo de ótimos atores à procura de um financiamento
Parabens para ela que conseguiu um happy end para o seu objetivo.
Dias depois de assistir a este espetáculo, recebi um telefonema da atriz e produtora Betse de Paula dizendo que nós ganhamos 12 prêmios no festival de audiovisual de Pernambuco, com o filme que escrevi o argumento e ela dirigiu e produziu - Vendo ou alugo -, cujo roteiro foi escrito por nós duas e a Julia Abreu, que também durou anos para se realizar, por causa dos mesmos motivos de Botequim: dinheiro! Por que será que é tão difícil fazer cultura no Brasil antes durante ou depois da ditadura? Por que a grana se espalha pelos políticos e partidos e entram num circulo sem saída, transformando-se em mensalões, por exemplo?
Será que esse nosso novo botequim melhorou um pouquinho, depois da ditadura, pelo menos no sentido de liberdade, ou continua, outra vez tudo escondido dentro de um corpo de uma jovem, aparentemente nu?

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