quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Museu do Índio: destino incerto ou inconfessável?

Jornal do Brasil
Marcelo Auler


A decisão do governador Sérgio Cabral de não mais demolir o prédio do antigo Museu do Índio pode guardar alguns segredos ou desejos (por enquanto) inconfessáveis.
A nota que o Palácio Guanabara divulgou segunda-feira (28) admitiu que “o Estado ouviu as considerações da sociedade a respeito do prédio histórico, datado de 1862, analisou estudos de dispersão do estádio e concluiu que é possível manter o prédio no local” Ou seja, uma posição aparentemente democrática.
Nada falaram sobre a destinação a ser dada ao edifício que ainda seria desconhecida. Só definiram que ele terá que ser “desocupado dos seus invasores”. Ou seja, os índios que ali estão desde 2006 vão para o olho da rua. Abrirão espaço para a reforma a ser feita pela empresa que vencer “a licitação do Complexo do Maracanã”.
Como se sabe, o sonho  do governo Cabral é entregar o Maracanã para a administração privada. Pelo que se fala, quem está de olho grande nele é o megaempresário Eike Batista.
Ou seja, quem comprar pela licitação o direito de explorar o estádio reformará o prédio. Para compensar, além do próprio estádio, poderá explorar um estacionamento e um centro comercial a ser erguido em volta do velho campo de futebol.
Ai reside o perigo para muitos que, com a nota, passaram a alimentar uma forte suspeita: o destino do prédio não seria tão desconhecido assim, mas pode ainda ser inconfessável.
No lugar do tão falado Centro de Referência Indígena que muitos almejam, podem pretender usar o prédio centenário como o tal centro comercial, com restaurantes, lojas e outros badulaques mais. 

quarta-feira, 23 de janeiro de 2013

Se Fosse no Brasil....


Brasileiro é nota 10 nos EUA

O Dia

Mestre de Petrópolis está entre os quatro finalistas do prêmio americano Professor do Ano

POR CHICO ALVES
Rio -  Os americanos conhecerão em abril o vencedor do prêmio de melhor professor dos Estados Unidos. O anúncio será feito na Casa Branca, pelo próprio presidente Barack Obama. A relação dos quatro finalistas foi divulgada na última quinta-feira e nela há um nome em português capaz de enrolar a língua presidencial: Alexandre Lopes. Nascido em Petrópolis, Lopes, que reside em Miami, é o primeiro brasileiro a concorrer ao ‘Teacher of The Year’ (Professor do Ano). Ele espera tranquilo o resultado: “Já tenho a recompensa que esperava, dar aulas me faz feliz.”

Aos 43 anos, ele leciona na escola Carol City Elementary, para alunos com idades entre 3 e 5 anos. Metade deles tem autismo e a outra parte não apresenta problemas de desenvolvimento. “A sala de aula reflete minha filosofia social, a de uma sociedade inclusiva e sem preconceitos”, define Lopes. Muitos estudantes são imigrantes.

Na turma de Alex, metade dos alunos são autistas | Foto: Divulgação
Na turma de Alex, metade dos alunos são autistas | Foto: Divulgação
O que seu método de ensino tem de tão especial, para ser notado em um país com 3 milhões de professores? “Uso música e dança. Através da percussão, os alunos conseguem distinguir onde começa e termina uma palavra”, explicou Lopes ao DIA. Ele também associa canções a técnicas de relaxamento.

O jeitão despojado, característico de quem é do Rio de Janeiro, ajudou na profissão. “Minha descontração facilitou o contato com os alunos e as suas famílias”, acredita. Para ele, criatividade tem a ver com o estilo de vida: “O brasileiro é muito versátil e talentoso. Precisamos acreditar no caráter único de nossa cultura”. É com essa confiança que ele espera chegar o dia do anúncio de Obama.

‘Sala de aula reflete a fé na inclusão’

Vivendo nos EUA há 18 anos, Alexandre Lopes virou professor por acaso. Era comissário de vôo quando aconteceu o atentado às torres gêmeas, em 11 de setembro de 2001. A empresa deu licença aos funcionários. Ele aproveitou e entrou na faculdade de Educação, especializou-se em alunos especiais e criou sua própria pedagogia. Foi para a lista dos top 50 dos EUA ao ser escolhido como o melhor professor da Flórida, em julho. Na quinta-feira, se tornou um dos quatro finalistas.

A descontração característica de quem nasce no Rio de Janeiro ajudou na profissão?
Sim. Porém, descontraído ou não, sei sempre dizer o porquê de fazer o que estou fazendo. Saber a teoria por trás de minhas ações fez com que a descontração fosse respeitada.

No Brasil ainda se discute se alunos especiais devem aprender em salas de aulas regulares. O que você acha?
Acredito na inclusão. Quero uma sociedade que ofereça um lugar a todos os seus membros, indiscriminadamente. A sala de aula tem que refletir isso. Para isso dar certo, é preciso ter o apoio do governo e da sociedade.

Ficou surpreso por ter ficado entre os quatro melhores mestres dos EUA e concorrer a melhor do país?
Nunca imaginei que chegaria onde cheguei. Quando optei por fazer o que faço, procurei algo que me fizesse feliz. Não esperava reconhecimento nenhum.

Tem algum recado para os professores do Rio de Janeiro?
Meus colegas do Rio têm tarefa extra: preparar os jovens para mostrar durante a Copa e as Olimpíadas que se o Brasil já é um sucesso hoje, quando eles tomarem a dianteira, será inimaginavelmente melhor.

O terreno da insensatez


Carta Capital
Por Daniella Cambaúva, em São José dos Campos
Os policiais entraram na casa de Severino José da Silva e Dalvina Rubens Monteiro da Silva, na rua 2 do Pinheirinho, em São José dos Campos, por volta das seis da manhã. Pelo quintal, cruzaram a cozinha e, sem fazer ameaças, pediram que a família desocupasse a casa. Naquele domingo, 22 de janeiro de 2011, a Polícia Militar cumpria a decisão judicial de reintegração do terreno pertencente à massa falida da Selecta, holding que englobava 27 empresas do empresário Naji Nahas.
    O Pinheirinho logo após a desocupação em 2012. Foto: Murilo Machado
O Pinheirinho logo após a desocupação em 2012. Foto: Murilo Machado

Emocionados, os ex-moradores do Pinheirinho narram aquele momento e mostram no computador o último vídeo gravado pelo celular dentro de casa: enquanto Severino negocia com um policial para pegar alguns pertences, Dalva tenta convencer a filha mais nova a deixar o lugar. Aos gritos, Luana, com oito anos, gruda os dedos na cama, puxa a colcha e arrasta as pernas. A mãe chora ao ver a filha resistir. Um dos policiais, diante da cena, vira o rosto e esconde o choro diante da câmera.
A casa permanece de pé apenas no vídeo e nas fotos que o casal conseguiu recuperar. Em poucos dias, a construção, assim como as casas vizinhas, a igreja, os bares e os mercados foram ao chão. Um ano depois, o terreno está cercado por arame, três guaritas e mato com mais de metro de altura. Sem autorização do dono, ninguém entra. Atrás do único portão de acesso, há uma cabine maior, onde os guardas descansam e três cavalos pastam ao lado de uma bandeira desbotada do Brasil.
O que restou são inúmeras bananeiras, alguns pés de jaca, de goiaba e de laranja. E pedaços de objetos, como CDs e caixas de remédio, quebrados na desocupação.
A entrada do antigo bairro hoje é cercado por arame e guaritas. Foto: Daniella Cambaúva
A entrada do antigo bairro hoje é cercado por arame e guaritas. Foto: Daniella Cambaúva

Enquanto lembra aquele domingo, Dalvina mostra os álbuns da família que conseguiu recuperar. Há fotos da casa em 2004, quando ainda era um barraco de madeira, e retratos da casa pronta, construída por Severino. “Estava terminada, já tinha piso frio. Eu tinha dois pés de laranja, de goiaba, de manga, de jaca, de banana. Todo dia eu passo lá e olho.”
“A gente não consegue apagar. Eu fico no computador e penso: ‘não vou olhar as fotos’. Mas eu não aguento e vejo”, disse Severino.
O terreno até hoje segue sem uso. O leilão do local foi invalidado pelo Tribunal de Justiça de São Paulo em 11 de setembro do ano passado a pedido da Selecta. A massa falida solicitou o cancelamento sob o argumento de que o perímetro medido estava errado.
Furtado, de 31 anos, no dia da desocupação foi atingido por um tiro de arma de fogo disparado por um Guarda Civil Metropolitano. Foto: Daniella Cambaúva
Furtado, de 31 anos, no dia da desocupação foi atingido por um tiro de arma de fogo disparado por um Guarda Civil Metropolitano. Foto: Daniella Cambaúva
São cerca de 1,3 milhão de metros quadrados onde viviam 5.534 pessoas, conforme o Censo do IBGE de 2010. O assentamento, que se tornou um bairro com nome de ruas e itinerário de ônibus, começou a se formar em 2004. Severino e Dalvina foram uns dos primeiros a se instalar. Após deixar o terreno, passaram três dias e três noites em uma das igrejas do bairro e dois meses em uma quadra poliesportiva que servia de abrigo.
Conseguiram recuperar sofá, uma cama e a estante da sala. O fogão foi partido ao meio e a geladeira quebrou. Em março de 2012, começaram a receber o aluguel-social de 500 reais, conforme determinou o projeto de lei aprovado pela Câmara Municipal. Desse valor, 100 reais são da Prefeitura e 400, do Governo do estado. Segundo a Prefeitura de São José dos Campos, são ao todo 1.719 beneficiados.
Antônio Donizete Ferreira, o Toninho, um dos advogados das famílias, conta que, depois da desocupação, muita gente ficou debaixo de árvore porque não havia lugar nos abrigos. Segundo ele, não se tem notícia de ex-moradores que estejam em situação de rua hoje. A Prefeitura, por sua vez, garante que o benefício será renovado.
Após a desocupação, ainda em janeiro, cerca de 100 pessoas a representar o Condepe (Conselho Estadual Defesa da Pessoa Humana – SP) visitaram os abrigos que receberam as famílias. Depois de coletar 634 depoimentos, elaboraram um relatório parcial com um balanço de violações de direitos humanos. Agressão física (166 casos), separação de filhos ou de outros parentes (10), abrigos em situação de insalubridade (73), casas saqueadas (71), ameaças mediante armamento (67) e casa demolida sem a respectiva retirada de bens (205) são algumas das denúncias de violações de direitos humanos apontadas no texto. Consta ainda uma denúncia de violência sexual supostamente praticada por policiais da Rota, que faziam patrulha na região doPinheirinho durante a noite de 22 de janeiro.
Expulsa da comunidade, a família de Severino ainda espera por uma alternativa de moradia. Foto: Daniella Cambaúva
Expulsa da comunidade, a família de Severino ainda espera por uma alternativa de moradia. Foto: Daniella Cambaúva
Entre esses casos, dois se sobressaem: o de Ivo Teles dos Santos e o de David Furtado.
Furtado, de 31 anos, no dia da desocupação foi atingido por um tiro de arma de fogo disparado por um Guarda Civil Metropolitano em frente ao local onde a prefeitura prestava assistência aos moradores. Passou por uma cirurgia, mas, segundo ele, perdeu 60% do movimento da perna esquerda. A investigação sobre o incidente não foi concluída. Como prova, há testemunhas e um vídeo que mostra que o guarda deu dois tiros, e apenas um acertou. “Quantas vezes eu já sonhei que aquele segundo tiro me acertava…”, diz.
Com um aparelho celular, Severino conseguiu registrar o momento em que um homem de 70 anos, Ivo, discute com policiais e apanha. Naquele dia, o idoso foi levado pela polícia ao hospital municipal. Nunca se recuperou e morreu em abril.
“O estatuto do idoso não valeu para o meu pai. Ele foi agredido, atacado. Estava nervoso porque estava perdendo a casa”, disse Ivanilda Jesus dos Santos, a filha de Ivo. O laudo que complementa a investigação da morte dele ainda não foi concluído.
Para o deputado estadual Adriano Diogo (PT-SP), um dos parlamentares que acompanharam a desocupação à época, aquela foi “a maior covardia da humanidade, a maior tragédia de direitos humanos em 2012. Pegar cinco mil famílias e jogar no olho da rua…”. Em sua opinião, “todos os erros possíveis e imagináveis foram cometidos para beneficiar uma única pessoa: Naji Nahas”.
A Defensoria Pública e os advogados das famílias abriram 1.042 processos individuais contra a prefeitura, o Governo do estado e a massa falida, em trâmite na Justiça Estadual. Há ainda um processo de indenização coletiva na Justiça Federal.
Em junho, um grupo de juristas apresentou uma queixa à Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) e se reuniu com a então ministra corregedora do Conselho Nacional de Justiça, Eliana Calmon, para pedir a apuração sobre a legalidade da operação. O CNJ arquivou o processo e os juristas recorreram.
“Juridicamente, foi um festival de irregularidades. O próprio Tribunal de Justiça veio dirigir a polícia. Uma coisa inédita”, lembra Toninho.
A chegada do dia 22 de janeiro remete ao senador Eduardo Suplicy (PT-SP) os dias anteriores à desocupação. Ele, junto de Adriano Diogo, do deputado federal Ivan Valente (PSOL-SP) e dos advogados das famílias conseguiram negociar um prazo de 15 dias para que as famílias tivessem tempo para deixar suas casas.  De fato, conseguira. “Na quinta-feira, dia 19, telefonei para o governador Geraldo Alckmin e transmiti a ele que havia conseguido com esforço daqueles parlamentares um prazo de 15 dias para um possível entendimento de solução para o problema habitacional. No telefone, ele disse  ‘se houver entendimento por parte do governo federal e do governo municipal, o governo estadual se responsabilizará pelas obras de infra-estrutura no Pinheirinho’. Foi a frase dele”, lembra Suplicy.
O hoje vereador Alvaro Camilo, ex-chefe da PM que comandou a operação. Foto: Daniela Cambaúva
O hoje vereador Alvaro Camilo, ex-chefe da PM que comandou a operação. Foto: Daniela Cambaúva
Em 20 de janeiro, o Tribunal Regional Federal da 3ª Região (TRF) suspendeu a ordem de reintegração de posse da comunidade do Pinheirinho. O desembargador federal Antonio Cedenho, da 5ª Turma do TRF, alegou que a União passaria a integrar o processo, que interessava ao governo federal. Apesar do  acordo do dia 19 e da decisão da Justiça Federal, a Justiça estadual autorizou a reintegração de posse. O Tribunal de Justiça estadual considerou que sua decisão era soberana e alegou equivalência entre as instâncias deliberativas estadual e federal.
Diante da ausência de respostas por parte da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo sobre o assunto, CartaCapital procurou o coronel da PM Álvaro Batista Camilo em seu gabinete na Câmara Municipal de São Paulo. Hoje vereador (recebeu 26.966 votos), ele foi o comandante-geral da PM entre 2009 e 2012 e esteve à frente de operações controversas como a desocupação da reitoria da USP, a ação policial na Cracolândia e o Pinheirinho. Em casos como este, diz, a PM apenas apoia os oficiais de justiça no cumprimento de uma ordem – segundo ele, “um serviço não confortável, que o policial não gostaria de fazer”. No caso do Pinheirinho, afirma, a PM sabia que não estava lidando com infratores, mas com pessoas influenciadas por “meia dúzia de líderes”.
Em relação às supostas violações, o coronel afirma que a operação foi “totalmente dentro da legalidade”, “respeitando as pessoas, e com o maior critério possível por parte da polícia”, de modo que o que se argumenta em contrário “passou a ser usado politicamente para tentar denegrir a imagem da própria instituição”.
E, quanto à acusação de falta de planejamento na desocupação, diz que “toda reintegração de posse da PM tem um protocolo: onde tirar as famílias, para onde levar, o que acontece com elas… Tudo isso foi pensado nesta operação também”.
O novo prefeito de São José dos Campos, Carlinhos Almeida (PT). Foto: Claudio Capucho/PMSJC
O novo prefeito de São José dos Campos, Carlinhos Almeida (PT). Foto: Claudio Capucho/PMSJC
Ao se comparar o discurso do coronel Camilo com os relatos das famílias e seus defensores, tem-se a impressão de que se está falando de duas operações completamente distintas: uma delas, cruel e atrapalhada, violou indistintamente os direitos básicos de mais de 1800 famílias; e a outra, embora transparente e sem maiores problemas, foi alvo de um “uso político” e recebeu algumas acusações, que foram matéria de inquéritos policiais posteriormente encaminhados à justiça comum.
Fato é que, nove meses após o episódio, o ex-deputado Carlinhos Almeida (PT-SP) se elegeu prefeito em São José dos Campos e encerrou 16 anos de administração tucana. Segundo ele, a gênese do Pinheirinho está na falta de uma política voltada para a população pobre. Agora ele promete apoiar as negociações envolvendo os governos federal e estadual e a associação dos moradores sobre a questão.
Segundo o senador Suplicy, a demanda de uma solução por parte do movimento de moradia junto dos parlamentares não é recente, principalmente envolvendo o caso do Pinheirinho. “O fato é que aquela área, havia algum tempo, já não estava sendo utilizada seja  para um empreendimento industrial, seja para um desenvolvimento residencial. Foi então que famílias com necessidade de moradia avaliou que seria próprio estar lá e pedir às autoridade municipal, estadual e federal ajudassem a resolver o problema de moradia”, completou.
A eleição do petista Carlinhos é vista com otimismo pelos ex-moradores, mas, passado um ano da operação, ainda sobram ressalvas quando o assunto é a boa vontade do poder público. “Vamos ver agora que ele está com a caneta na mão”, resume Severino José da Silva.




sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

Políticos Brasileiros A Vontade

    Eis mais uma vez políticos tomando atitude que fere os direitos dos concursados: o governador do estado do Rio de Janeiro determinou o realocamento de pessoal de apoio concursado com anos de serviço (alguns perto de se aposentar) para escolas do interior, para, em seu lugar, colocar FUNCIONÁRIOS CONTRATADOS.
    Em off: 2014 vem aí...
    

quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

João Batista Damasceno: Dilma e Geisel, Cabral e índios

O Dia


Rio -  Além dos tristes legados à história do Brasil, o Governo  Geisel legou à memória do Rio de Janeiro a demolição do Palácio Monroe. Sem registro histórico, diz-se que o imóvel foi afetado por disparos na Revolta da Chibata de 1910, quando negros semialfabetizados tomaram o destino de suas vidas nas próprias mãos e resolveram exigir o fim dos castigos corporais na Marinha de Guerra. Geisel não gostava do prédio que abrigara o Senado Federal porque teria marcas do levante popular, organizado exclusivamente por homens do povo que teriam obrigado o presidente da República e o Congresso a se ajoelhar pedindo clemência. Para Geisel, de ascendência alemã, a Revolta da Chibata foi uma afronta da ralé à elite naval, composta de oficiais louros e educados no estilo inglês. Os tiranos abominam a memória popular.
O prédio que abriga a Aldeia Maracanã corre o risco de ser demolido, com possível ciência da presidenta Dilma. Trata-se de edificação histórica doada em 1865, ao Império, pelo duque de Saxe, genro de D. Pedro II para emprego em atividades relacionadas aos índios. Em 1910 abrigou o Serviço de Proteção aos Índios. Em 1953, com Darci Ribeiro, os irmãos Villas-Bôas e o marechal Rondon, nele instalou-se o Museu do Índio, que funcionou até 1978. Ultimamente vem sendo ocupado por comunidades indígenas em suas visitas à cidade para resolver problemas de suas aldeias.
De acordo com certidão do 11º RGI, o prédio era da União Federal, que o transferiu para a Cobal, que o transferiu para a Conab, também federal. Para se eximir do ônus da demolição para a Copa do Mundo, o governo federal autorizou a transferência para o estado, por meio de promessa de compra e venda, ainda não registrada ou averbada. Se o governo do estado demolir o prédio, não o será sem que disto participe a presidenta Dilma, ainda que por omissão, que ficará na história da cidade tal como Geisel. Quanto à relação de Cabral com os índios, o histórico de desrespeito data de 1500.
Doutor em Ciência Política pela UFF e juiz de Direito. Membro da Associação Juízes para a Democracia.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

A escola vai à cidade



Projeto interdisciplinar leva alunos a conhecer o centro de São Paulo e discute a história e os problemas da região mais antiga da capital. Foto: Amanda Perobeli



Por Rafael Urano Frajndlich*
Segunda-feira, 7 horas da manhã. Os alunos do segundo ano do Ensino Médio acomodam-se no auditório do Colégio Arquidiocesano. No escuro, não se pode identificar o que acontecia no palco, viam-se apenas silhuetas de pessoas segurando guitarras elétricas. As luzes se acendem e a música começa a soar em alto volume para uma plateia atônita. Uma voz ao microfone anuncia: “Começou o Órbitas Urbanas 2012”.
Os músicos, na verdade, são professores da casa, e as canções entoadas sobre São Paulo, como Música Urbana, do Legião Urbana, e Sampa, de Caetano Veloso, marcam o início da segunda edição do projeto Órbitas Urbanas, feito pelo Colégio Marista Arquidiocesano: durante uma semana, todos os professores param as suas aulas para organizar séries de visitas ao centro de São Paulo e discutir as questões ligadas à cidade. A intenção é que os estudantes, organizados em grupos, apresentem no fim da semana suas conclusões e leituras sobre a cidade. O formato é livre e diversificado: mapas, fotografias, ensaios e mesmo manifestos propositivos.
Realizar visitas guiadas a partes da cidade, museus e parques é relativamente protocolar dentro das estruturas de ensino, especialmente nos currículos de Geografia e História. Entretanto, a proposta dos jovens professores do Colégio Marista difere do caráter puramente turístico que esse tipo de atividade pode ter. Em primeiro lugar, porque o passeio não tem pontos objetivos de visita – trata-se simplesmente de passear a pé por diversos lugares do centro paulistano. Segundo, porque os professores de todas as disciplinas são envolvidos, o que faz com que os alunos eventualmente sejam acompanhados no passeio por docentes não especialistas no assunto, como biólogos, matemáticos e físicos. “Tive de estudar a história do centro para ir ao passeio”, conta o professor de Matemática Alexandre Anzilotti, sobre a preparação para levar os alunos.
Finalmente, o passeio é todo feito por metrô. Segundo os professores, poucos são os alunos que utilizam o transporte público como meio efetivo de trânsito pela cidade.
Durante o passeio, percebe-se que o centro de São Paulo não é completamente estranho aos jovens de classe média. Os estudantes do Marista, na sua maioria habitantes do bairro de Vila Mariana e arredores, conseguiam facilmente pinçar determinadas experiências vividas dentro da área histórica, especialmente nas instituições restauradas, como a Pinacoteca do Estado, o Museu da Língua Portuguesa e o Mercado Municipal, entre outros. Alguns já utilizaram os comércios centrais, como lojas de produtos e brindes, para organizar festas. No entanto, frequentar o centro é um exercício de exceção, mais ainda caminhar livremente por suas ruas e vias afastadas dos novos institutos culturais restaurados.
Nas visitas, os alunos encontraram o centro da cidade em mais um dia de semana, com ruas cheias, trânsito corrido e infraestrutura levada ao limite. Alguns roteiros exploraram regiões menos turísticas, como a Avenida Rio Branco, as imediações da Rua São Caetano – a conhecida “rua das noivas”. Acompanhando o grupo do professor de Geografia Paulo Mendes, um dos idealizadores do projeto, os alunos passaram em frente aos quartéis da polícia localizados na Avenida Tiradentes, às margens do Rio Tamanduateí, um dos mais importantes marcos geográficos da construção da cidade, até chegar nos comércios específicos da Rua São Caetano, como máquinas de costura, manequins e vestidos de casamento.
Cruzando a Avenida Tiradentes, os jovens entram em contato com a parte mais crítica do tour, ao resvalar na Cracolândia através da Rua Mauá, até chegar diante da Praça Júlio Prestes. “Conhecia melhor a parte do centro mais próxima da Praça da Sé. Aqui está bem mais abandonado”, conta o aluno Lucas Meira. Ali, a precariedade finalmente toca os alunos, para os quais chama a atenção o fato de os moradores de rua serem um “pessoal da nossa idade”, resume a estudante Daniela Saliba. Soma-se a esse caráter negativo a presença do antigo prédio do Departamento de Ordem Política e Social, palco de inúmeros abusos e torturas no passado recente da cidade, que rendeu uma explanação do professor acerca do violento passado político da cidade.
O passeio se encerra na Praça da República, perto do Edifício Copan e do Terraço Itália, parte mais amigável do centro, já na subida do Espigão Central, onde está a Avenida Paulista. Os registros do itinerário foram traduzidos, em uma gincana de dois dias, em diversos desenhos, fotos e textos. A apresentação do produto final não é só analítica: os professores pedem que os grupos redijam um texto-manifesto propondo soluções efetivas para as questões vistas no roteiro. No fim da semana, na sexta-feira, o projeto terminou com um encontro com vereadores e jornalistas, discutindo o centro de São Paulo.
O exercício proposto pelo conjunto dos professores para o segundo ano conhecer a região central da cidade é interessante pela multiplicidade de experiências. Entretanto, a necessidade de uma tão ampla preparação para a visita, que requer a parada das aulas e vários artifícios para destacar os alunos do cotidiano, é uma mostra da cisão que os jovens de classe média têm em relação à vida nas ruas da cidade. Na Europa, em capitais como Paris, Viena e Roma, não é incomum ver crianças com seus professores tomando metrôs e caminhando pelo centro, como parte de seu aprendizado infantil. Em São Paulo, a viagem é feita com os jovens já próximos da vida adulta, e com várias ressalvas, vide as orientações de segurança, como atenção às posses pessoais e o fato indispensável de se usar uniforme.
É uma iniciativa que, como outras realizadas por colégios particulares da capital paulista, procura reaproximar os alunos da cidade. “Acho que não devemos levar as coisas da cidade à escola, a escola é que deve ir até elas”, conclui Paulo Mendes. Os meandros desse desafio surgem na prática, e se sobressaem no projeto que mostra que São Paulo causa fascínio. Esse contato com a cidade educa os alunos acerca da importância de sua participação futura na vida urbana. Aprender nas cidades, e assim compreender seus problemas e sua história, é parte indispensável do processo para decidir no futuro o que fazer com elas.
* Arquiteto e doutorando do departamento de História e fundamentos da arquitetura e urbanismo na FAU –USP

2013: coragem para se renovar

Leonardo Boff
Jornal do Brasil


Há mais de quinze anos publiquei, neste Jornal do Brasil, um artigo com o título Rejuvenescer como águias. Relendo agora aquelas reflexões, me dei conta de como elas são atuais e adequadas aos tempos maus sob os quais vivemos e sofremos. Retomo-as e aprofundo-as para alimentar nossa esperança enfraquecida pelas ameaças que pesam sobre a Terra e a Humanidade. Se não nos agarrarmos a alguma esperança, perderemos o  horizonte de futuro e correremos o risco de nos entregarmos ao desamparo imobilizador ou à resignação estéril.  
Neste contexto lembrei-me de um mito da antiga cultura mediterrânea sobre o rejuvenescimento das águias. De tempos em tempos, reza o mito, a águia, como a fênix egípcia, se renova totalmente. Ela voa cada vez mais alto até chegar perto do sol. Então, as penas se incendeiam, e ela toda começa a arder. Quando chega a este ponto, ela se precipita do céu e se lança qual flecha nas águas frias do lago. E o fogo se apaga. Mas através desta experiência de fogo e de água, a velha águia rejuvenesce totalmente: volta a ter penas novas, garras afiadas, olhos penetrantes e o vigor da juventude. Seguramente, este mito constitui o substrato cultural do salmo 103 quando diz:”O Senhor faz com que minha juventude se renove como uma águia”. 
Para entender esse relato, precisamos revisitar Gaston Bachelard e C.G. Jung, que entendiam muito de mitos e de seu sentido existencial. Segundo esta interpretação, fogo e água são opostos. Mas, quando unidos, se fazem poderosos símbolos de transformação. O fogo simboliza o céu, a consciência e as dimensões masculinas no homem e na mulher. A água, ao contrário, a terra, o inconsciente e as dimensões femininas no homem e na mulher.  
Passar pelo fogo e pela água significa, portanto, integrar em si os opostos e crescer na identidade pessoal. Ninguém ao passar pelo fogo ou pela água permanece intocado. Ou sucumbe ou se transfigura, porque a água lava e o fogo purifica.  
A água nos faz pensar também nas grandes enchentes, como conhecemos em 2010 nas cidades serranas do estado do Rio. Com sua força tudo carregaram, especialmente o que não tinha consistência e solidez. São os infortúnios da vida.  
E o  fogo nos faz imaginar o cadinho ou as fornalhas que queimam e acrisolam tudo o que  é ganga e não é essencial. São as notórias crises existenciais. Ao fazermos esta travessia  pela “noite escura e medonha”, como dizem os mestres espirituais, deixamos aflorar nosso eu profundo sem as ilusões do ego. Então, amadurecemos para aquilo que é em nós autenticamente humano e verdadeiro. Quem recebe o batismo de fogo e de água rejuvenesce como a águia do mito antigo. 
Mas, abstraindo das metáforas, que significa concretamente rejuvenescer como a águia? Significa entregar à morte todo o  velho que existe em nós para que o novo possa irromper e fazer o seu curso. O velho em nós são os hábitos e as atitudes que não nos engrandecem: a vontade de ter razão e vantagem em tudo, o descuido consigo mesmo, com a casa, com nossa linguagem e com o desrespeito para com a natureza, bem como a falta de solidariedade para com os necessitados, próximos e distantes. Tudo isso deve ser entregue à morte para podermos inaugurar uma forma de convivência com os outros, que se mostre generosa e cuidadosa com a nossa Casa Comum e com o destino das pessoas. Numa palavra, significa morrer e ressuscitar. 
Rejuvenescer como águia significa também desprender-se de coisas que um dia foram boas e de ideias que foram luminosas mas que lentamente, com o passar dos anos, se tornaram ultrapassadas e incapazes de inspirar um caminho para o futuro. A crise atual perdura e se aprofunda, porque os que controlam o poder têm conceitos velhos, incapazes de oferece respostas. Rejuvenescer como águia significa ter coragem para recomeçar e estar sempre aberto a escutar, a aprender e a revisar. Não é isso que nos propomos a cada  novo ano? 
Que o ano de 2013, recém-inaugurado, seja oportunidade de perguntar o quanto de galinha existe em nós, que não quer outra coisa senão ciscar o chão,  e o quanto de águia há também em nós, disposta a rejuvenescer ao confrontar-se valentemente com os tropeços e as crises da vida e buscar um novo paradigma de convivência. 
E não podemos esquecer aquela Energia poderosa e amorosa que sempre nos acompanha e que move o inteiro universo. Ela nos habita, nos anima e confere permanente sentido de lutar e de viver. Seu nome é  Spiritus Creator, que nunca nos pode  faltar, senão perdemos a vitalidade e a esperança.
* Leonardo Boff, teólogo e filósofo, é escritor. -  lboff@leonardoboff.com

quinta-feira, 10 de janeiro de 2013

O termômetro não cura

Tory Oliveira

Carta Capital

Provinha Brasil, Prova Brasil, Saeb, Enem. A trajetória dos alunos das escolas públicas pela Educação Básica é marcada hoje pela participação em uma série de siglas ligadas a avaliações que, em larga escala, foram desenhadas com o objetivo de aferir seus conhecimentos em algumas disciplinas e realizar um diagnóstico da qualidade do ensino oferecido pela instituição ou rede responsável por sua formação. Criadas em meados dos anos 80 e 90 visando melhorar o gerenciamento do sistema educacional brasileiro, os resultados das avaliações hoje extrapolaram os muros da escola e chegaram à opinião pública, estampados nas páginas dos jornais.
No entanto, as siglas que denominam as avaliações educacionais brasileiras escondem polêmicas e discussões sobre seu real efeito dentro das secretarias de educação e das escolas. Especialistas concordam que as avaliações funcionam como um termômetro, uma evidência do que está acontecendo dentro dos sistemas de ensino, mas alertam que as informações trazidas por elas nem sempre chegam às mãos de gestores, diretores e professores e, quando chegam, raramente são incorporadas às práticas pedagógicas. A interpretação e os usos desses resultados pelos governos e pela imprensa, em geral focalizados no desempenho e na posição do ranking de cada escola ou rede, também são motivos de controvérsia.
As avaliações passaram a chamar mais atenção a partir da criação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), em 2007. Calculado com base no desempenho dos estudantes do 5º e do 9º ano, do Ensino Fundamental na Prova Brasil, e nas taxas de aprovação, o Ideb intensificou a visibilidade pública dos resultados obtidos pelas redes e escolas. “Antigamente, a comunidade externa pouco pensava sobre a avaliação da qualidade da educação nacional”, lembra Isabelle Fiorelli, professora da Universidade Estadual de Londrina (UEL) na área de política e gestão da educação. Em alguns casos, o resultado de uma escola no índice passou a ser encarado como um retrato da qualidade de ensino ofertado pela instituição. Na esteira da intensificação e valorização das avaliações nacionais, muitos estados e municípios passaram a produzir seus sistemas avaliativos. Em São Paulo, alunos dos Ensinos Fundamental e Médio participam do Sistema de Avaliação de Rendimento Escolar do Estado de São Paulo (Saresp), desde 1996. Em Minas Gerais, os alunos são avaliados pelo Sistema Mineiro de Avaliação da Educação Pública (Simave). Já no Rio Grande do Sul, os estudantes são avaliados pelo Sistema de Avaliação do Rendimento Escolar do Rio Grande do Sul (Saers). Em meio a tantas avaliações, em qual medida os resultados obtidos vêm sendo aproveitados pelos gestores e professores de modo a contribuir para a revisão e formulação de políticas públicas da educação?
A resposta varia de acordo com cada sistema de ensino ou local. Como a gestão da Educação Básica é descentralizada, os mesmos resultados são aproveitados de maneira distinta por estados e municípios. “Alguns utilizam os resultados de forma economicista e meritocrática enfaticamente, outros estão meio perdidos, e outros avançaram no sentido de utilizá-lo como termômetro na redefinição da política de seu sistema de ensino”, aponta Isabelle.
Apesar da diversidade, a contribuição efetiva das avaliações na busca da qualidade de ensino tem sido, em geral, muito restrita. No mais das vezes, a divulgação dos resultados acaba servindo para subsidiar políticas de bonificações para escolas e redes com melhor desempenho e para nutrir rankings em que se compara o sucesso de diferentes escolas nos testes. “Há um uso empobrecido com relação ao que deveria estar acontecendo”, analisa Ocimar Alavarse, professor da Faculdade de Educação da USP e especialista em avaliação. Na opinião do professor, a realização de avaliações de ensino deveria ser o primeiro passo rumo à promoção de mudanças para que essas diferenças de resultados deixem de existir ou, ao menos, se tornem menores. “As mudanças no plano do ensino deveriam ser pautadas não só, mas também, nos resultados das avaliações. Isso não tem ocorrido.”
Para Adriana Bauer, professora da Faculdade de Educação da USP e pesquisadora da Fundação Carlos Chagas, não é possível generalizar os efeitos das avaliações na educação brasileira. “Um sistema de avaliação consolidado, como o de São Paulo, tem mais condições de fazer uso desses resultados, em relação a um com menos tradição”, exemplifica.
Os usos e o entendimento dos resultados de avaliações como a Prova Brasil pela escola esbarra em algumas questões espinhosas, como a pressa em classificar e comparar o desempenho das instituições de ensino.
A entrada das escolas na corrida pelo ranqueamento, de maneira desenfreada e pouco crítica, é uma das razões da dificuldade de apropriação dos resultados das avaliações, aponta Isabelle Fiorelli. “As escolas tomam para si toda a responsabilidade por seu fracasso ou sucesso”, observa ela.
A atitude contribui para descolar do contexto da escola o resultado obtido pelos alunos nos testes. Além disso, o ranqueamento induz a uma ideia, falsa na opinião da pesquisadora, de que existe um culpado por tal fracasso ou sucesso no desempenho estudantil, geralmente personificado na figura do professor. As políticas de bonificação e remuneração adotadas por algumas redes refletem essa ideia. “Instala-se com isso uma concorrência entre os próprios sujeitos escolares, o que é extremamente nocivo para a melhoria da qualidade da educação em termos de nação”, analisa Isabelle.
Divulgação precária
A apropriação dos resultados pelos professores também encontra obstáculos na própria divulgação dos dados obtidos por meio das avaliações. “Dependendo do sistema, as informações podem chegar como um telefone sem fio na escola. Chegam a algumas, mas em outras não. Em outros casos, as informações são recebidas apenas pelo diretor.
Em outros, apenas pelos secretários de educação”, exemplifica Vandré Gomes da Silva, professor da Universidade Católica de Santos e pesquisador da Fundação Carlos Chagas.
Outro problema é que a divulgação dos resultados leva algum tempo para chegar até a instituição de ensino. Em muitos casos, quando as informações sobre o desempenho são recebidas por diretores e professores, os alunos que fizeram a prova já saíram da escola. Ainda que as informações cheguem até as escolas a tempo, relacioná-las com o trabalho realizado previamente acaba sendo outra dificuldade. “Em grande medida, as escolas não usam os resultados das avaliações porque não sabem como”, conta Alavarse. “As avaliações estão só gerando números que as pessoas não sabem interpretar.”
Para o professor da USP, é essencial que os resultados das avaliações, em larga escala, sejam apropriados e traduzidos para o processo de ensino nas salas de aula, local onde se dá de fato a construção do conhecimento. “Se não chegar de alguma maneira nas salas de aula não adianta, é muito dinheiro que estamos gastando para nada”, opina. Isso ainda não tem acontecido, de forma geral, dentro das escolas. “Uma coisa é saber o que os dados estão me dizendo, outra é pensar o que fazer com eles. Pensar no que fazer é uma pergunta que mal se faz hoje dentro das redes de ensino”, afirma Gomes da Silva.
A percepção de que o resultado obtido por uma escola é, necessariamente, um retrato da qualidade do ensino oferecido por ela também é criticada pelos especialistas. Para muitos, a noção de qualidade reduzida à proficiência dos alunos em testes padronizados em língua portuguesa e matemática empobrece a discussão. No entanto, apesar de a avaliação não abarcar todos os sentidos do que seria uma educação de qualidade, ela pode sim apresentar indícios importantes. “Não adianta ter uma escola democrática, participativa, com boa merenda e boas práticas de trabalho se os alunos não aprendem a ler e a escrever”, analisa Vandré Gomes da Silva.
Ainda que controversas, as avaliações em larga escala podem trazer para a luz informações relevantes sobre o que estão aprendendo ou deixando de aprender os estudantes da rede pública. Tudo depende do uso que é feito dos seus dados. “A questão é como ver esses resultados. Se eu olho para o resultado de uma escola no Ideb como uma verdade absoluta, sem levar em conta o seu contexto, acho que ajuda pouco”, afirma Adriana Bauer.
Conheça as avaliações da rede
Provinha Brasil
Avaliação diagnóstica do nível de alfabetização das crianças matriculadas no segundo ano das escolas públicas é aplicada no início e no fim do ano letivo, desde 2008. Até então circunscrita ao uso interno da escola, a Provinha Brasil passará a funcionar a partir do próximo ano como uma avaliação do nível de alfabetização nos primeiros anos do Ensino Fundamental.
Saeb
Criado em 1990, o Sistema de Avaliação da Educação Básica foi a primeira grande avaliação externa do Brasil. Amostral, examina os conhecimentos dos alunos do 5º e do 9º ano do Fundamental e do 3º ano do Médio em matemática e língua portuguesa. Em 2005, foi modificada e passou a incluir a Prova Brasil.
Prova Brasil
Criada em 2005, a Prova Brasil é censitária e aplicada bianualmente nas zonas urbana e rural de escolas públicas em alunos matriculados no 5º e 9º ano do Ensino Fundamental. Oferece dados a cada unidade da Federação, aos municípios e às escolas.
Enem
Criado em 1998, o Exame Nacional do Ensino Médio avalia o desempenho dos alunos do 3º ano do Ensino Médio. Atualmente, também funciona como processo seletivo para o ingresso no Ensino Superior público e privado.
Mudanças a vista
O Ministério da Educação (MEC) está estudando a reorganização do modelo brasileiro de avaliação educacional, centrado principalmente em exames de larga escala, como a
Prova Brasil. Em novembro, foi realizado um seminário com especialistas internacionais para discutir o atual cenário das avaliações, bem como para propor mudanças. Segundo Antonio Carlos Ronca, assessor especial do MEC, o ministro da
Educação, Aloízio Mercadante, autorizou a criação de um grupo de trabalho para discutir o tema que reunirá acadêmicos e técnicos. Entre as sugestões de mudança apresentadas no seminário estão a criação de uma avaliação da educação infantil e a modificação do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), que passaria a considerar variáveis como a situação socioeconômica da escola com o objetivo de realizar um diagnóstico mais preciso da educação.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2013

Atitudes face à crise atual

Leonardo Boff
Jornal do Brasil


Ninguém, face à crise, pode ficar indiferente. Urge uma decisão e encontrar uma saída libertadora. É aqui que se encontram várias atitudes para ver qual delas é a mais adequada a fim de evitarmos enganos: 
A primeira é a dos catastrofistas: a fuga para o fundo. Estes enfatizam o lado de caos que toda crise encerra. Veem a crise como catástrofe, decomposição e fim  da ordem vigente. Para eles a crise é algo anormal que devemos evitar a todo custo. Só aceitam certos ajustes e mudanças dentro da mesma estrutura. Mas o fazem com tantos senões que desfibram qualquer irrupção inovadora.  
Contra estes catastrofistas já dizia o bom papa João XXIII referindo-se à Igreja mas valendo para qualquer campo: “A vida concreta  não é uma coleção de antigui­dades. Não se trata de visitar um museu ou uma academia do passado. Vive-se para progredir, embora tirando proveito das experiências do passado, mas para ir sempre mais longe". 
A crise generalizada não precisa ser uma queda para o abismo. Vale o que escreveu um suíço que muito ama o Brasil, o filósofo e pedagogo Pierre Furter: “Caracterizar a crise como sinal de um colapso universal é uma maneira sutil e pérfida dos poderosos e dos privilegiados de impedirem, a priori, as mudanças, desvalorizando-as de antemão”.  
A segunda atitude é a dos conservadores: a fuga para trás. Estes se orientam pelo passado, olhando pelo retrovisor. Ao invés de explorar as forças positivas contidas na crise atual, fogem para o passado e buscam nas velhas fórmulas soluções para os problemas novos. Por isso são arcaizantes e ineficazes. 
Grande parte das instituições políticas e dos organismos econômicos mundiais como o FMI, o Banco Mundial, a OMC, os G-20 mas também a maioria das Igrejas e das religiões procuram dar solução para os graves problemas mundiais com as mesmas concepções. Favorecem a inércia e freiam soluções inovadoras. 
Deixando as coisas como estão fatalmente nos levará ao fracasso se não a uma crise ecológica e humanitária inimaginável. Como as fórmulas passadas esgotaram sua força de convencimento   e de inovação, acabam transformando a crise numa tragédia. 
A terceira atitude é a dos utopistas: fuga para a frente. Estes pensam resolver a situação-de-crise fugindo para o futuro. Eles se situam dentro do mesmo horizonte que os conservadores, apenas numa direção contrária. Por isso, podem facilmente fazer acordos entre si. 
Geralmente, são voluntaristas e se esquecem de que na história só se fazem as revoluções que se fazem. O último slogan não é um pensamento novo. Os críticos mais audazes podem ser também os mais estéreis. Não raro, a audácia contestatória não passa de  evasão do confronto duro com a realidade. 
Circulam atualmente utopias futuristas de todo tipo, muitas de caráter esotérico, como as que falam de alinhamento de energias cósmicas que estão afetando nossas mentes. Outros projetam utopias fundadas no sonho de que a biotecnologia e a nanotecnologia poderão resolver todos os problemas e tornar imortal a vida humana. 
Uma quarta atitude é a dos escapistas: fogem para dentro. Estes dão-se conta do obscurecimento do horizonte e do conjunto das convicções funda­mentais. Mas fazem ouvidos moucos ao alarme ecológico e aos gritos dos oprimidos. Evitam o confronto, preferem não saber, não ouvir, não ler e não se questionar. As pessoas já não querem conviver. Preferem a solidão do indivíduo mas geralmente plugado na internet e nas redes sociais. 
Por fim há uma quinta atitude: a dos res-ponsáveis: enfrentam o aqui e agora. São aqueles que elaboram uma resposta; por isso os chamo de responsáveis. Não temem, nem fogem, nem se omitem, mas assumem o risco de abrir caminhos. Buscam fortalecer as forças positivas contidas na crise e formulam respostas para os problemas. Não rejeitam o passado por ser passado. Aprendem dele com um repositório das grandes expe­riências que não devem ser desperdiçadas sem se eximir de fazer as suas próprias experiências.  
Os responsáveis se definem por um  a favor e não simplesmente por um contra. Também não se perdem em polêmicas estéreis. Mas trabalham e se engajam pro­fundamente na realização de um modelo que corresponda às necessidades do tempo, aberto à crítica e à autocrítica, dispostos sempre a aprender. 
O que mais se exige hoje são políticos, líderes, grupos, pessoas que se sintam responsáveis e forcem a passagem do velho ao novo tempo.
* Leonardo Boff, teólogo e filósofo, é autor do DVD 'Crise: chance de crescimento' (CDDH, Petrópolis, 2012).

sexta-feira, 4 de janeiro de 2013

O Natal não é mais aquele


Carta Capital

Menalton Braff

Tenho um amigo, que me pede anonimato absoluto, bastante atento a tudo que acontece em nosso velho mundo, do qual ele costuma dizer que vive mudando para continuar sempre igual. Seus comentários são polêmicos, mas ele não gosta de briga, por isso se abriga nas trevas. E aqui refuto suas idéias. Muda, sim, meu anônimo amigo. E muda muito.
Meu amigo afirma que os católicos são de uma ingenuidade inexplicável, tamanhos e tantos são os casos. E ele cita um rosário deles, dos casos, que não cabe repetir no exíguo espaço de uma crônica. Como amostra, vou usar dois exemplos. Alguns de vocês devem estar lembrados do Neimar de Barros. Esse cidadão foi bajulado, requestado, promovido, estimulado, ele foi, bom, foi quase endeusado. E quem se lembra disso é difícil que tenha a coragem de negar o que estou afirmando. Entre outras coisas, esse fraco escritor produziu um livro de capa preta com o título de “Deus negro”. Não havia paróquia onde não se encontrasse à venda o livrinho (mixuruca, por sinal) do Neimar. Cansado de tanto ganhar dinheiro, um dia o Neimar de Barros declarou em uma entrevista a um repórter que tudo que ele escrevia tinha uma só finalidade: ganhar dinheiro. Fora outras afirmações dele a respeito da ingenuidade daqueles que o liam. Foi apeado do pedestal, mas o estrago já estava feito.
Outro exemplo é o bruxo Paulo Coelho. Ele começou a carreira (depois das andanças pela música) dando um tom, como podemos dizer, exotérico a seu texto. Coisas orientais, histórias exóticas, temperos muito ao gosto popular, mas em conflito com o pensamento católico apostólico romano. E havia uma lacuna em sua clientela: o mundo católico não ia muito com sua cara. Ora, mas isso é problema que se resolve muito facilmente. O PC da Academia Brasileira de Letras, a quem não falta dinheiro para qualquer tipo de aventura, viajou para a Europa, mais especificamente para Santiago de Compostela, e lá fez uma viagem famosa, andando a pé coisa aí de uns cem quilômetros e que é o sonho de consumo da maioria dos que professam o catolicismo. Pronto: estavam abertas as portas de mais um nicho de consumidores. A esperteza dele dá nó em fumaça (quem inventou essa expressão foi meu avô, num dia em que ficou tonto de tanto fumar). Conheço muito católico convencido de que o Paulo Coelho comunga, confessa e tudo mais.
Agora por que me veio à lembrança a ingenuidade dos católicos: o Natal, tempos atrás, era uma festa cristã. Comia-se peru, carneiro, leitoa, essas coisas, mas isso era apenas a superfície da data. As pessoas se encontravam para reverenciar o nascimento de Cristo. Havia a Missa do Galo, realizada à meia-noite do dia 24 de dezembro, havia sermões e música sacra, havia o que se pode chamar de alegria saudável, pois festejava-se com respeito o  nascimento do Salvador.
Depois veio a esperteza dos comerciantes e Natal sem presentes tornou-se coisa de gente pobre. Deus que me livre de pensarem que não posso dar um presentinho, que seja. E presente onde é que se compra? Nas lojas deles, é claro. E o caráter religioso da data foi dando lugar a um mesquinho espírito comercial.
Mas a coisa não parou aí. Como é data de encontro, e de alegria, a música sacra também desapareceu do cenário. Em seu lugar, pagode, música sertaneja, tchan, música picante, cheia de malícia (coisas que antigamente se chamavam de pecaminosas). Pois bem, sabe-se muito bem que o carnaval tem uma origem pagã. Pois o Natal, aos poucos, transforma-se também em festa báquica. Vale tudo, em nome da alegria.
Pensando bem, a única diferença do Natal para o Carnaval é a fantasia. No Carnaval ninguém se veste de Papai-Noel. Pelo menos por enquanto.
(Sei muito bem que virão os estudiosos de tudo para contestar minha versão da origem dos presentes, mas isso não fará diferença nenhum. A tradição encontrou nos comerciantes seus mantenedores.)