terça-feira, 31 de julho de 2012

Deus e o Diabo na Terra do Cão


Matheus Pichonelli

Carta Capital

Encerrava ontem uma típica tarde no interior à sombra de uma praça, ouvindo futebol pelo rádio e fazendo planos para segunda-feira quando vi algo parecido com uma lata de Nescau caminhando pela rua. Esfreguei os olhos para ver direito e notei que a lata de Nescau tinha rabo e patas. Incrédulo, esfreguei os olhos de novo e vi que de fato estava diante de rabo e patas, mas não de uma lata de Nescau – era, isso sim, uma vasilha de plástico com a cabeça de um cachorro dentro. O que não parecia fazer o menor sentido virou algo óbvio: o coitado do animal meteu o focinho onde não devia e ficou preso, andando feito doido pela rua em busca de alguém que fizesse a caridade de tirá-lo de sua claustrofóbica tigela cilíndrica (ou seja lá o que fosse aquilo).
O cão e a velha mania de colocar o fucinho onde não deve. Foto: Galeria de Beverly & Pack/Flickr
O que se viu em instantes faria inveja a qualquer roteiro de Mario Monicelli: do garapeiro ao guarda de trânsito, todo mundo na cidade parecia mobilizado para ajudar o animal – que, assustado, fugia com latidos abafados e passava rente às rodas de caminhões na avenida principal cada vez que alguém se aproximava. Carros paravam, as pessoas desciam curiosas, algumas com o coração na boca, arregaçavam as mangas e corriam para ajudar a fechar um cerco improvisado pelo guarda do trânsito que suava em bicas em pleno inverno. Até o fechamento desta edição o cachorro passava bem.
A solidariedade espontânea daquelas pessoas levou um sujeito baixinho de asas e auréolas a soprar no meu ouvido algo como: “viu só, a humanidade ainda tem jeito”.
Balancei a cabeça em concordância plena quando tomei um cutucão. “Jeito?”, contrapôs, na outra orelha, um outro sujeito, este de chifres e tridente. “Se fosse um viciado em crack com a cabeça entupida num cachimbo vocês não franziriam nem a testa”.
“É verdade”, ouvi confuso do outro lado, já percebendo que estava em meio a um debate desses de mesa de bar. “Mas uma coisa é certa: as pessoas estão mais sensíveis do que eram há alguns anos, quando chutar cachorro ou matar passarinho na rua era tão comum quanto tomar garapa num fim de domingo”.
Um deles lembrou então que, meses atrás, uma mulher foi flagrada espancando um yorkshire e foi alvo de campanha pró-linchamento na internet. Quem era o cão, quem era o homem?, perguntou. Na hora lembrei de um grande amigo que sempre diz: vivemos um tempo de humanização dos animais e animalização do ser humano. É mais ou menos o que Kafka expressou ao transformar Gregor Samsa, seu personagem de A Metamorfose, em um imenso inseto: todo mundo evita chegar perto de um ser humano quando ele foge a um padrão de conduta socialmente aceitável. Enquanto dormimos com animais tosados na cama, encarceramos nossos loucos, nossos velhos que já perderam o juízo, nossos doentes, nossos jovens que cometeram pequenos delitos e, principalmente, nossos viciados. Como imensos insetos, todos são objetos de ojeriza e, ainda que ninguém assuma publicamente, deixam amigos e parentes aliviados quando simplesmente desaparecem. “Logo”, concluiria o diabo, “se um viciado em crack com um cachimbo na cabeça fosse atropelado por aquele caminhão, todos ficariam no mínimo confortáveis. Seria um a menos para jogar na nossa cara nossa condição animal”.
“Pois se ele tivesse um cão, o cão estaria com ele até debaixo da roda”, contra-atacou o anjo não-decaído, citando uma lista enorme de matérias sobre quantos degregados filhos de Eva se salvaram da depressão graças à companhia dos bichinhos. Não demorou a apelar a Rousseau. A culpa é do sistema, concluiria ele, já ensaiando uma desavergonhada sociologia de botequim: “à medida que as cidades crescem, passamos a conviver cada vez mais em ambientes insalubres; esbarramos no trabalho, nas escolas, nas casas de vizinhos e outras instituições fechadas com todo tipo de competição, ganância, trapaça, preconceito e intolerância. Por isso valorizamos cada dia mais a ideia de lealdade. E temos de admitir: nessa, os cães dão de dez a zero em qualquer bicho-homem”.
“Vai ver é por isso que, pelo menos por esses lados, um cachorro tenha ganho uma aura sagrada, mais ou menos como as vacas associadas às divindades da Índia”, completou. “E daí?”, espetou o do tridente. “Os cães são leais, amorosos, gostam de você quase gratuitamente e não vão pular o muro de casa para te trair com o dono do cão vizinho. Assim até eu”.
Os dois concordaram.
O anjo então lembrou de uma belíssima crônica escrita por Carlos Heitor Cony para sua cachorra Mila. Para ele, o melhor resumo da relação humana com os animais: “quando meu pai morreu, ela se chegou, solidária, encostou sua cabeça em meus joelhos, não exigiu minha festa, não queria disputar espaço nem ser maior do que minha tristeza”.
(Diz a lenda que Cony só voltaria à literatura, depois de anos de silêncio, por obra de Mila – mas esta é outra história).
O demônio até ensaiou responder, mas embargou a voz. Depois disso, os dois entraram numa linha de concordância, espécie de bifurcação ao avesso: com tantos hotéis, spas, comida específica, acompanhamento psicológico e outras benesses para animais, nada parecia ser mais atraente do que viver num mundo-cão. Os do outro lado que se virassem com as próprias imperfeições e abandonos. E comemoravam a sorte do cão enlatado – quase uma piada pronta para Vinicius de Moraes sobre wisky e o melhor amigo do homem.
Só então reparei que anjo e demônio, para mim símbolos máximos da dubiedade humana, tinham feições caninas. Só não rosnavam um para o outro por pura educação.

Os Jogos Olímpicos do machismo


José Antonio Lima

Carta Capital

Os Jogos Olímpicos de Londres expõem de forma intensa uma característica um tanto lamentável do jornalismo esportivo, o machismo. No Brasil e no exterior, veículos de imprensa abusam de fotos e notícias cujo destaque é a beleza do corpo de determinadas competidoras e não sua capacidade atlética. É uma contradição da própria função do jornalismo, provocada por uma série de fatores.
O machismo aparece principalmente nos portais de notícias na internet e nas versões online das publicações. Assim, um óbvio causador deste fenômeno é o culto ao “clique”, existente em todo o mundo e particularmente relevante no Brasil. A lógica é a seguinte: se a sua peça jornalística não tem um determinado número de acessos, ela é irrelevante.
Assim, melhor do que entrevistar especialistas para mostrar como o corpo da norte-americana Missy Franklin é perfeito para a natação, é fazer uma galeria de fotos com atletas gostosas, como esta do jornal italiano Gazzetta dello Sport. O trabalho é muitas vezes facilitado pelas agências de notícias, que no vôlei de praia (esporte no qual as mulheres podem usar biquínis) chegam ao cúmulo de cortar a cabeça das atletas de uma foto e destacar o bumbum. Além de fácil, as galerias são rápidas e, o principal, dão muitos cliques.
Soma-se à busca ansiosa pela audiência (mesmo que de baixo nível), o fato de algumas atletas não se importarem em aparecer para o público graças a seus atributos físicos, e não atléticos. A revista espanhola Interviú publica nesta semana uma reportagem sobre alguns dos principais temas do esporte olímpico, como a remuneração dos atletas e o doping. As principais personagens da reportagem são Patricia Sarrapio, que vai representar a Espanha no salto triplo, e Ana Torrijos, corredora que se machucou e não vai aos Jogos. Como o texto é ilustrado? Com fotos de Patricia e Ana, juntas e completamente nuas, em paisagens londrinas.
Dar um destaque maior, na cobertura das Olimpíadas, a atletas bonitas em detrimento de outras que sejam esportistas melhores, consiste um absurdo jornalístico. A função básica do jornalismo é avaliar e explicar à população o que é ou não relevante em determinado assunto, e com o esporte não deveria ser diferente. Fazer isso é tratar o esporte como algo pouco sério.

Os “megaeventos” beneficiam os países-sede?


The Economist Intelligence Unit


O início dos Jogos Olímpicos de Londres 2012 não apenas coloca em evidência a capital do Reino Unido, como também chama a atenção para questões mais amplas sobre o valor econômico dos “megaeventos” em geral. Avaliar o impacto líquido desses eventos sobre as economias anfitriãs é extremamente complicado, e há uma tentação dos países candidatos a sediar megaeventos a exagerar os benefícios esperados. Efeitos herdados de investimentos em infraestrutura e renovação urbana podem ter um valor duradouro, mas os argumentos para se realizar megaeventos somente em bases econômicas não são conclusivos.
Um dos grandes paradoxos dos megaeventos é que seu arrazoado econômico não é nada preciso, mas a política leva os possíveis anfitriões a enfatizar esses benefícios de qualquer modo. A história está cheia de casos de Jogos Olímpicos que deram prejuízo, e um certo volume de literatura acadêmica questiona se os megaeventos cumprem suas promessas econômicas e se os organizadores são suficientemente críticos e objetivos em suas avaliações de impacto. Os céticos muitas vezes alegam que sediar megaeventos tem tanto a ver com o prestígio nacional quanto com a economia, e que a teoria do “benefício econômico” simplesmente visa legitimar o que constitui um dispendioso exercício de publicidade.
Isolar o impacto econômico dos megaeventos e definir os efeitos de outras variáveis é capcioso. Eventos como a Olimpíada e a Copa do Mundo de futebol encerram grandes custos de oportunidade. A construção de estádios, instalações e infraestrutura de transporte pode desviar investimentos de outros projetos igualmente válidos (ou mais). O aumento do turismo e dos gastos de consumo durante o evento pode ser compensado por uma redução nas entradas de turistas não ligados ao evento (que talvez prefiram ir a outro lugar para evitar as multidões); e pelos gastos internos reduzidos em outros produtos e serviços ou em outros locais (por exemplo, consumidores do Reino Unido que frequentarem um dos eventos da Olimpíada poderão economizar em outras atividades de lazer habituais para pagar pelo programa).
Esses custos de oportunidade são quase por definição hipotéticos, tornando difícil determinar quanto uma economia teria lucrado se o megaevento em questão não tivesse ocorrido. Estudos de impacto econômico prévios aos eventos invariavelmente projetam o valor do investimento e a receita turística que um evento vai atrair, e o número de empregos que vai criar, mas estes podem ser em uma base grosseira que ignora o deslocamento de uma atividade econômica para outra. Por exemplo, a construção de estádios pode gerar falta de mão-de-obra na indústria da construção, evitando que outros projetos tenham prosseguimento ou aumentando os custos de mão-de-obra. Pelo menos um trabalho acadêmico também alegou, de forma interessante, que estudos pré-evento tendem a superar em número os estudos pós-evento, porque o incentivo de ganhar uma aposta é o principal motivo para se encomendarem essas análises, para começar.
Medir o impacto dos megaeventos também é delicado por outros motivos. A renovação urbana é muitas vezes apresentada como uma das justificativas para os grandes investimentos em infraestrutura. No entanto, algumas dessas renovações poderiam ter ocorrido de qualquer forma, e portanto não devem ser atribuídas diretamente ao evento. Dito isso, o prazo inarredável apresentado por um megaevento pode ajudar a acelerar investimentos muito necessários em áreas desgastadas, ou garantir que o financiamento continue mesmo que a economia em geral se deteriore. (A Copa do Mundo de 2010 na África do Sul acelerou os investimentos em infraestrutura.) Resta o perigo de que o investimento em estádios — apesar de todas as afirmações dos governos anfitriões — deixe pouco em termos de legado econômico depois do megaevento, e que essas instalações posteriormente se tornem subutilizadas, “elefantes brancos” de manutenção dispendiosa. Os países que constroem menos estádios novos e gastam mais em renovação urbana em geral podem desfrutar melhor o legado de seus eventos. De fato, quanto melhor a infraestrutura se entrelaça com as exigências mais amplas da economia anfitriã, maior a probabilidade de oferecer um verdadeiro benefício em longo prazo. A Olimpíada de Barcelona em 1992 é muitas vezes vista como um dos jogos mais bem-sucedidos desse ponto de vista. Segundo um estudo, as instalações esportivas representaram apenas 9% do investimento em construção para os Jogos de Barcelona, assim como outros investimentos se concentraram na renovação urbana em geral.
As questões que cercam a infraestrutura de transporte talvez sejam mais complexas. O argumento tradicional dos críticos é que construir estradas e ramais ferroviários que ligam aos estádios desvia os gastos em transporte para e de locais que têm maior atividade em tempos normais. No entanto, instalações de transporte cuidadosamente planejadas ainda podem fornecer um benefício duradouro para a comunidade como um todo. Em outras palavras, um megaevento terá utilidade dúbia se tudo o que ele fizer for provocar investimentos em rotas de transporte que levam principalmente aos estádios, e não a áreas comerciais e residenciais. Mas se evitar esse perigo a infraestrutura relacionada ao evento poderá deixar um forte legado.
 Novo clima
As consequências da crise financeira global de 2008-09 possivelmente adicionaram duas novas dimensões ao debate sobre a economia dos megaeventos. A primeira é que a deterioração das finanças públicas dos países ricos pode aumentar a pressão para que os governos sejam responsabilizados pelos gastos do dinheiro do contribuinte — uma tarefa que, como foi mencionado acima, é especialmente difícil quando se trata de provar que o investimento em megaeventos é o melhor uso do dinheiro público. O pacote de financiamento do setor público para a Olimpíada de Londres 2012 inchou de um orçamento original de 2,4 bilhões de libras (US$ 3,8 bilhões) para 9,3 bilhões de libras (US$ 14,6 bilhões).
A segunda é que os países ricos desprovidos de dinheiro poderão estar menos dispostos no futuro a apostar em megaeventos que se mostraram caros demais para realizar. Isso poderá incentivar as economias mais saudáveis dos mercados emergentes a sediá-los. A demonstração desse argumento é que Brasil, China e Rússia em breve estarão hospedando ou hospedaram recentemente tais acontecimentos. (A Índia, a outra grande economia dos BRICs, ficou embaraçada por sua má condução dos Jogos da Comunidade Britânica em 2010 e poderá não se arriscar a novas desventuras.) Enquanto os países em desenvolvimento podem não enfrentar restrições fiscais tão severas quanto algumas economias avançadas em situação difícil, o argumento a favor da análise crítica e objetiva do custo-benefício talvez seja ainda mais forte no caso deles: os gastos na construção de projetos-troféus podem reduzir os investimentos em infraestrutura básica.

domingo, 29 de julho de 2012

A atualidade da leitura

Blog da REA


ANTÔNIO INÁCIO ANDRIOLI*
“Uma das heranças mais perniciosas da Ilustração foi, precisamente, a de pensar que o novo é sempre melhor”
(Atílio Borón)
Uma das características que, certamente, chamam a atenção de um estrangeiro na Alemanha é o hábito de leitura do povo alemão. Nos trens, nas bibliotecas, nos cafés, nos bosques e parques é normal encontrar pessoas lendo. Com o intensivo período de inverno e a permanência prolongada das pessoas dentro de casa, a leitura é uma atividade que continua atraindo muitas pessoas. Na lista de livros mais lidos figuram, especialmente, romances, histórias de sucesso de pessoas famosas e, é claro, os campeões de vendas como O Senhor dos Anéis e Harry Potter. Por outro lado, é impressionante como a jovem geração alemã conhece pouco acerca de seus grandes pensadores. Na universidade, não são raros os momentos em que estudantes manifestam um completo desconhecimento das obras clássicas de filósofos alemães, de reconhecida contribuição universal à humanidade.
Nos mercados de artigos usados da Alemanha é comum encontrar pessoas vendendo livros valiosos, muitas vezes pertencentes a familiares já falecidos ou, simplesmente, encontrados no lixo por pessoas que, através da venda dessas mercadorias usadas, encontram uma fonte de renda adicional. Livros bons e baratos podem ser encontrados com facilidade, seja através da compra direta, de antiquários ou mesmo através de um mercado virtual de usados, onde vendedores e compradores negociam através da Internet. Em especial, despertam a atenção as obras marxistas que, depois do desmoronamento da União Soviética e da queda do Muro de Berlim, são fáceis de encontrar em grandes quantias e a preços extremamente baixos. Se perguntamos pelo motivo que leva as pessoas a venderem esses livros, obtemos a simples resposta de que eles “já não são mais atuais”. Mas, qual seria o critério para definir a atualidade de um livro ou de uma teoria nele representada?
É claro que cada teoria deve ser entendida no contexto em que ela é formulada. Assim, também os livros e a preferência dos leitores revelam um contexto, um momento histórico de determinada sociedade, seus valores, utopias e perspectivas. Diante da alta taxa de desemprego, insegurança e angústia de muitas pessoas, podemos compreender a procura por leituras que possam oferecer alguma resposta concreta a indivíduos que almejam sucesso profissional no mundo competitivo ou que, ao alimentar o desejo improvável de realização, ao menos permitam o “mergulho num mundo isolado dos problemas cotidianos”. O crescente desinteresse por obras clássicas e a rejeição de leituras críticas por parte da maioria da população revelam, no entanto, um problema mais profundo da sociedade alemã: a ausência do debate político com vistas à transformação da realidade social, cujos sintomas mais claros se evidenciam através da desesperança da maioria das pessoas com relação ao futuro.
Se compararmos a sociedade atual com as anteriores, certamente podemos concluir que a humanidade avançou em muitos sentidos, mas a produção e o debate teórico estão em decadência. Para uma minoria privilegiada, a vida certamente nunca esteve tão boa. Para imensas camadas sociais, entretanto, as quais continuam sem acesso aos direitos básicos de se alimentar, de morar, de vestir, estando submetidos à violência cotidiana e aos regimes mais cruéis de exploração que a humanidade já conheceu, a realidade certamente é muito diferente. Para uns, a “civilização”; para outros, “a barbárie” – dois mundos que dificilmente se encontram. Quem participa de um tende a negar a existência do outro e alguns intelectuais vêm-se posicionando duramente contra as tentativas de descrição da barbárie por parte de seus colegas críticos, afirmando que a atual geração dispõe das melhores condições de vida da história da humanidade. Evidentemente, as potencialidades de emancipação social que a atual sociedade oferece são inúmeras. Mas, a abundância de uns – que contrasta com as condições miseráveis de outros – é um fenômeno que passa a se generalizar também para o chamado Primeiro Mundo. Autoridades políticas vêm sendo alertadas para a necessidade de criação de mecanismos que impeçam a entrada dos pobres nesses países e isso em plena época de “abertura de fronteiras entre as nações”.
Se, nesse contexto, e com os recursos que a atual geração dispõe para refletir sobre a realidade social, a produção teórica, se comparada a gerações anteriores, é medíocre, só podemos visualizar o agravamento dessa situação se levarmos em conta a ocupação literária da assim chamada elite acadêmica. Afinal, como poderíamos entender a complexidade desse mundo desprovido do acúmulo crítico da análise social? Como interpretar os conflitos sociais sem a utilização de categorias fundamentais como a luta de classes? Como avançar na construção de alternativas de resistência ao capital sem procurar compreender a sua lógica? Como formular teorias atuais desprezando o pensamento clássico, suas contradições e as lições do debate histórico da humanidade?
O desprezo do conhecimento crítico acumulado e sua refutação sob a alegação de inutilidade no mundo atual têm contribuído para a consolidação de uma interpretação fatalista dos problemas sociais e para a ausência de utopias. A dificuldade de operar com categorias teóricas para a compreensão da realidade e a reduzida capacidade de discernimento entre teorias vem conduzindo a uma visão mistificada da realidade, terreno fértil para a reprodução da ideologia e da dominação. Paradoxalmente, a busca desenfreada pelo “novo” vem reforçando a hegemonia de antigos pressupostos do liberalismo, assim como a rejeição da possibilidade de superação da sociedade capitalista serve de substrato à passiva aceitação do desmonte do Estado de bem-estar social que está em curso na Alemanha. Permanece a constatação histórica de que na ausência de “saudade do futuro”, o que se consolida é o retorno acrítico ao p

* ANTONIO INÁCIO ANDRIOLI é Professor Adjunto da Universidade Federal da Fronteira Sul e Doutor em Ciências Sociais na Universidade de Osnabrück – Alemanha. Publicado na REA, nº 45, fevereiro de 2005,

quarta-feira, 25 de julho de 2012

País tem desafio de combater pobreza intelectual, diz SBPC

O Dia


Presidenta da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência reivindicou o investimento de 10% do PIB em educação

Brasília -  Com o tema Ciência, Cultura e Saberes Tradicionais para Enfrentar a Pobreza, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) abriu nesse domingo a 64ª reunião da entidade. De acordo com a presidenta da SBPC, Helena Bonciani Nader, um dos desafios da reunião deste ano é encontrar caminhos para combater a pobreza intelectual.
Helena Nader, disse que um dos principais desafios do país é acabar com a pobreza intelectual | Foto: Divulgação
Helena Nader, disse que um dos principais desafios do país é acabar com a pobreza intelectual | Foto: Divulgação
“O que será discutido aqui não é só a pobreza no sentido socioeconômico, porque tirar da pobreza econômica não é difícil, isso está sendo feito. O que eu quero é um passo adiante. Daqui a quantos anos vamos ver essa população que precisa do Bolsa Família tendo seus filhos em escola de alta qualidade e com acesso à tecnologia que as classes mais abastadas têm? É isso que a gente quer para o Brasil, manter as pessoas com bolsa? Ou será que temos que dar para esses indivíduos a cidadania? A condição de ele poder ter o próprio trabalho?”, disse a presidenta da SBPC durante a abertura do evento.
Helena Nader reivindicou o investimento de 10% do Produto Interno Bruto (PIB) em educação e a partilha de 50% do Fundo Social formado por recursos obtidos com a exploração de petróleo na camada pré-sal para investimentos em educação e ciência e tecnologia.
O ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marco Antonio Raupp, destacou que é preciso incorporar os conhecimentos tradicionais aos sistemas de ciência, tecnologia e inovação, “assegurando aos seus detentores a divisão justa e equitativa de suaprodução”.
Raupp ressaltou ainda que a contribuição da ciência não ocorre apenas dentro de laboratórios. “A tendência mundial é que a ciência e o cientista deem uma colaboração maior na formulação de políticas públicas nas diversas áreas de atuação governamental.” O ministro engrossou a reivindicação dos recursos do pré-sal e estimulou a mobilização da comunidade científica. Além disso, destacou a realização do Fórum Mundial de Ciência, em 2013, no Brasil. "As discussões já começam em agosto deste ano, na cidade de São Paulo", disse.
Para o reitor da Universidade Federal do Maranhão (Ufma), Natalino Salgado Filho, a ciência e o conhecimento são parte da solução para a desigualdade social. “A questão da pobreza é histórica e cultural. Vamos aliar o conhecimento cientifico aos saberes para trabalhar uma área de produção e, a partir daí, estimular as comunidades a industrializar seus conhecimentos tradicionais. A ciência é um instrumento de mudança para o povo brasileiro”, ressaltou.
Manifestantes grevistas chamaram a atenção ao interromper o início da solenidade. Com muito barulho, um grupo de professores e servidores da Ufma, em greve desde o dia 31 de junho, pediu espaço para expor os motivos da paralisação que já atinge 57 das 59 universidades federais de todo país. “Reivindicamos que governo respeite a educação e as propostas da categoria dos professores. Além disso, nos perguntamos se a educação, a universidade e a ciência, de fato, visam à erradicação da pobreza. Quantas conferências, mesas-redondas e trabalhos científicos contribuem efetivamente para a mudança da sociedade?”, questionou o representante do comando de greve e professor da área de educação da universidade, Rosenverck Santos.
Desde 1950, a SBPC homenageia anualmente cientistas que deram contribuições significativas para o desenvolvimento da ciência brasileira. Entretanto, nesta edição, a SBPC homenageou quatro ex-diretores que morreram em 2012: Aziz Ab'Saber, Gilberto Cardoso Alves Velho, Luiz Edmundo de Magalhães e Antônio Flávio de Oliveira Pierucci. A SBPC também homenageou o cientista e político maranhense Renato Archer, que morreu em 1996.

Premiação
Durante a abertura do evento, a Fundação Joaquim Nabuco (Fundaj) foi anunciada como ganhadora do 32º Prêmio José Reis de Divulgação Científica e Tecnológica 2012, na categoria Instituição e Veículo de Comunicação. Patrocinado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o prêmio é concedido anualmente a uma de suas três categorias: Divulgação Científica e Tecnológica, a um pesquisador ou escritor que atue como como divulgador da ciência; Jornalismo Científico, a um jornalista destaque da área, e Instituição, premiando a instituição ou o veículo de comunicação que mais apoiou a divulgação científica.
A organização do evento confirmou a inscrição de 10 mil pessoas e aguarda o dobro de participantes até o final da reunião. Nesta segunda-feira, às 10h30, o ministro Marco Antonio Raupp fez uma conferência sobre o tema Estratégia Nacional de Ciência e Tecnologia – Desafios e Oportunidades. O evento vai até sexta-feira.

O Mercosul morreu

Jornal do Brasil
Aristóteles Drummond* 

O Brasil tem tido excelentes iniciativas na criação de blocos comerciais, políticos e culturais. Exemplos são os casos do Mercosul, que começou com José Sarney e se consolidou com Itamar Franco, e a CPLP, também elaborada pelos dois ex-presidentes, mas tendo como grande mentor e articulador o embaixador José Aparecido de Oliveira. 
Ocorre que o Mercosul hoje não tem futuro e virou um fórum político. Criado para unir os países do Cone Sul num grande acordo comercial, acabou dando acesso à Venezuela, que pouco tem a oferecer e muito a pedir. E mais: o que o atual governo de Caracas gosta mesmo é de exportar sua ideologia denominada de “bolivariana”. Em relação ao comércio, a empresas e à liberdade de imprensa, a Venezuela se aproxima cada vez mais do modelo cubano. E já nos lesa ao não assumir sua parte na refinaria de Pernambuco, da qual, no papel, é sócia.
A Argentina já não tem como disfarçar sua imensa crise econômica. O primeiro sintoma, grave, que não permite explicação aceitável, é o controle policial do câmbio. A repercussão é grande em país que já teve sua moeda atrelada ao dólar americano, numa sociedade que sempre gostou de viajar e hoje tem restrições para a obtenção das divisas necessárias. E, por fim, as prateleiras dos mercados estão com falta de muitos produtos essenciais para o dia a dia do cidadão. Nada importado está disponível, e, mesmo do Brasil, grande parceiro, as restrições chegam a usar o recurso material de reter caminhões nas fronteiras. A crise vai às ruas, certamente, antes do final do ano.
Para piorar, a identidade com Chávez é cada vez mais evidente, com uma diferença: hoje os cofres venezuelanos já não comportam aportes, como a compra de 10 bilhões de dólares, em 2007, de papéis emitidos pelo tesouro portenho. A relação agora é do diálogo entre dois afogados. Em Caracas, muitos alimentos estão desaparecidos há meses. O empresariado já levou suas famílias para Miami. Curioso silêncio das agências e correspondentes internacionais.
A CPLP deveria ser um forte instrumento político para o Brasil, uma vez que os países de língua portuguesa representam quase dez votos na ONU. E a crise em Portugal poderia representar uma oportunidade de presença na economia da União Europeia singular. Mas os angolanos é que estão se fazendo mais influentes na economia portuguesa, em todos os setores. E abrindo espaços em seu mercado para empresas e profissionais portugueses. As queixas dos países em relação à pouca importância que os governos FHC, Lula e Dilma relegaram à criação de José Aparecido são unânimes: o Brasil se faz presente por algumas empresas, especialmente em Angola, e pelas redes Globo e Record.
As relações do Brasil com os EUA, por outro lado, não podem estar tão bem, como até recentemente, em função do alinhamento automático com a Venezuela na política regional, como no caso do Paraguai. Uma pena!!!

terça-feira, 24 de julho de 2012

Cristiana Prado: Qualidade pedagógica, a âncora da escola

O Dia


Rio -  Todo gestor escolar dedica-se a pensar dia após dia nos diferenciais de suas instituições de ensino e a procurar formas de torná-los mais claros e evidentes. Mas há a ânsia de encontrar soluções que atendam às variáveis demandas do mercado, como tempo integral, esportes e inglês. Além de todos os serviços e complementos oferecidos pelas escolas, há uma lição de casa a ser feita. Em síntese, trata-se da qualidade do ensino.

Em um contexto que se mostra cada vez mais complexo para os educadores — afinal, educar hoje passa pelo desenvolvimento de habilidades e competências e pela formação de valores —, torna-se fundamental manter o foco na missão fundamental da escola, construir um alicerce sólido de conhecimentos.

Não se trata de um desafio simples para o gestor, pressionado em tantas frentes. Mas é preciso manter o centro de gravidade na qualidade pedagógica, ou todo malabarismo de marketing não vai funcionar.

Em um contexto cada vez mais competitivo, as famílias se voltam para a escola como a instituição que será capaz de garantir às novas gerações as melhores chances de realização. A cobrança por desempenho deixa de ser motivação interna das famílias ou dos colégios para ser, sobretudo, uma condição de inserção na economia globalizada, cuja principal moeda é o conhecimento.

É, portanto, em torno dessa coluna vertebral que todas as atividades da escola devem se orientar. Isso vale para a contratação e a formação de professores e demais colaboradores, a aquisição de novos materiais pedagógicos, a criação de infraestrutura, a definição do discurso interno e a divulgação pública da instituição.

Ao adotar a qualidade de ensino como ponto de partida e de chegada, os gestores acabam por perceber que essa âncora na missão principal da escola oferece um centro estável, reconhecido por todos. Agrega confiança e, aí, sim, confere a estabilidade necessária para que a escola se lance em novos voos.

Milton Cunha: Fadas, reis e madrastas aqui e agora

O Dia


Rio -  Os contos de fadas nos revelam todo o mistério da alma humana. A psicanálise interpreta esses personagens como metáforas, símbolos de fases e acontecimentos importantes na vida de todos nós. Chapeuzinho Vermelho, por exemplo, seria o grande momento em que a menina vira mocinha (sangue, menstruação, cor vermelha). E o desejo sexual da menina tem no caçador o grande objeto.

Mas Branca de Neve é a maior de todas as histórias, porque primeiro ela nos coloca de frente com o perigo que toda criança corre: o ódio de alguns adultos. E tem vindo de algumas madrastas os atos tresloucados que tanto nos comovem. Claro que tem madrasta que é melhor que mãe e mãe que é pior que madrasta. Mas não é dessas que estamos tratando aqui. E segundo: a criança pode ser interpretada pelo algoz como prova de que existe amor verdadeiro, e isso ser insuportável para o doente que a matará. Por exemplo: no caso Nardoni, a menina Isabela era amadíssima pela mãe e, em sua doçura, despertou a cruela que não podia conviver com o fruto de um amor. Era preciso destruí-la e, mais que isso, convencer o pai de que isso era imprescindível.

Tem também a amante que sequestrou a filha do casamento de seu homem, levou para o motel e matou a menina. Essa deve ter sacado que feriria mais o pai matando a filha que matando a esposa. E, mais que isso, achou que destruiria o casamento deles de forma definitiva, colocando entre eles o cadáver de sua filhinha. Nunca menosprezem essas doidas. Elas raciocinam para o golpe ser certeiro.

E agora o pequeno negrinho da têmpora roxa, da perna quebrada, dos olhinhos fechados em silêncio profundo de indagação: o que eu fiz? Por que eu? Pois o pequeno anjo todo amassado, que tanto resistiu até não mais poder, é ele quem de novo nos joga na cara a figura que nem os contos de fadas ousaram imaginar: o pai biológico, que, enredado pela madrasta, avança contra a carne de suas carnes, pedaços dele mesmo, para aniquilar, destruir, fazer perecer.

Madrastas não pariram, não fecundaram, não têm a relação misteriosa da maternidade e da paternidade, energia gigantesca que desperta a proteção do lobo e da leoa. Mais que isso: a criança é a prova de que pelo menos desse ato elas estão fora, que sobre aquilo elas não têm ingerência. Para mim, a incógnita ainda mais insondável de todas é o momento final em que os pais, convencidos por veneno ou feitiço que desconheço, avançam contra o sangue de seu sangue e matam a semente de beleza que plantaram. Não se quebra osso de um filho sem o punhal cravado no próprio peito.

segunda-feira, 23 de julho de 2012

Tragédias não são ‘barbaridades específicas’


Matheus Pichonelli

Carta Capital

Deixe-me ver se entendi: o sujeito de 24 anos entra na internet e compra 6.000 balas para duas pistolas Glock e um rifle AR-15 adquiridos em lojas legalizadas do Colorado – que, com saldões promocionais, ajudam a armar 3 em cada 10 pessoas dos Estados Unidos que dizem possuir armas em casa. Entra num cinema e atira a esmo, matando 12 pessoas e ferindo outras dezenas. E o clichê é dizer que existe uma “cultura de armas” no país que já assistiu a atentados semelhantes em Virginia Tech, Columbine e Base do Exército no Texas.
Um indivíduo doente desarmado é só um indivíduo desarmado; um indivíduo armado numa sociedade doente faz o que se viu na sexta-feira no cinema de Aurora. Foto: Libertinus
Em São Paulo, a PM persegue e mata um empresário por confundir um celular com uma arma. Caso isolado? Erro individual? Conta essa para as 2.262 pessoas mortas em supostos confrontos com a polícia entre 2006 e 2010 – números que levam a PM paulista a ostentar o índice de 5,5 mortos a cada 100 mil habitantes, desempenho nove vezes superior à letalidade registrada em todo o território americano (o cálculo é daFolha de S.Paulo). E o clichê, conforme artigo publicado nesta segunda-feira no mesmo jornal, é culpar a “militarização da polícia”.
Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa, diria outro clichê. Entre a tragédia americana e a atual crise de segurança em São Paulo há um fosso de explicações específicas, muitas de fato em aberto. Mas nenhuma delas está dissociada à constatação de que a psicopatia e o direito de matar andam em linhas paralelas. Um indivíduo doente desarmado é só um indivíduo desarmado; um indivíduo armado numa sociedade doente faz o que se viu na sexta-feira no cinema de Aurora. Entre um indivíduo com tendências homicidas e um atirador real a distância pode ser medida pela capacidade de obter seu armamento.
Da mesma forma, um policial com carta branca para atirar não é um ponto fora da curva: é um policial com carta branca para atirar. O desequilíbrio parece claro num período de acirramento que, nos cinco primeiros meses do ano, produziu uma estatística macabra: 26 policiais mortos em dias de folga (em serviço foram outros 7). Números de uma guerra declarada, e não de um clima de segurança supostamente apoiado na queda recente das taxas de homicídios. O que os fabricantes de clichês não fazem é dizer que a explicação para a paz aparentemente quebrada talvez tenha menos a ver com eficiência do que com outro pacto – algo como “você ali e eu aqui”. A bandidagem também tem suas ordens de recolher. Quando a “ordem” é quebrada, o enfrentamento é inevitável. O que não pode é, diante da tensão, sobrar tiro em civis (leia mais sobre este equilíbrio precário clicando AQUI).
Não haverá clima de segurança quando todos são suspeitos até segunda ordem – e essa apreensão não é resultado de escolhas individuais, mas de anos de despreparo exposto por quem confunde segurança pública com serviço de bedel, como o fazem as mesmíssimas autoridades responsáveis pela militarização do campus da USP.
“Traços da população”, como a imigração, passam longe de assinalar “explicações das tendências mais gerais coletivas” quando a tensão é alimentada no cerne do próprio Estado. O clichê é mais embaixo.
Há quem prefira, no entanto, acreditar que está tudo certo. E que confunda exemplos salientes de um processo contínuo com casos supostamente isolados. É a lógica de quem enxerga a segurança pública com a lógica de mercado, com metas, índices e produtividade (leia mais sobre o assunto AQUI).
Sob tortura, qualquer estatística prova qualquer teoria, ensina outro clichê. O mesmo vale para “picaretagens”. Mas é a distância da realidade que transforma tragédias cíclicas em “barbaridades específicas”.
A queda na criminalidade dos Estados Unidos em tempos de crise não salvou as 12 vítimas de um atirador que encontrou terreno livre para cometer seu massacre. Da mesma forma, a melhora recente dos números da violência em São Paulo não impediu a morte em “confronto” de mais um inocente. Nem minimizou a vulnerabilidade dos próprios policiais expostos a uma outra realidade – a realidade das ruas.

Sobre a intolerância

Blog da REA


PAULO ROBERTO DE ALMEIDA*
Religiões são construções humanas, profundamente humanas (no sentido social ou “societal”, da palavra). Elas podem ter sido elaboradas por algum “profeta” individual, mas são mais exatamente uma construção envolvendo mais de um ator. Como resultado de seu processo de “fabricação”, elas guardam íntima relação com os valores e as crenças normalmente partilhados por uma dada sociedade num determinado momento histórico. Este é o caso das grandes religiões modernas – cristianismo, islamismo, budismo –, criadas entre os últimos séculos da antiguidade (inclusive o judaísmo moderno) e os primeiros séculos da “era Cristã” (não há como evitar, aqui, o padrão universal de contagem do tempo, criado pelo cristianismo, uma das mais poderosas forças sociais de todo o mundo). Excluo das presentes considerações o hinduísmo, que não se tornou tão “universal” como as duas grandes religiões concorrentes, o cristianismo e o islamismo.
Todas as grandes religiões apresentam “benfeitorias”, do ponto de vista da “ideologia” e da “vida social” de uma certa época, sem o que elas não teriam tido sucesso e se disseminado de modo tão amplo. Nem todas essas benfeitorias representam, contudo, progresso absoluto do ponto de vista dos direitos humanos e dos direitos da mulher, mais especificamente, se é possível aceitar o conceito de “progresso” num sentido lato (não parece haver progresso moral da humanidade, stricto senso, como uma interpretação estritamente darwinista da vida social poderia deixar entender).
O judaísmo, por exemplo, ao ressaltar os valores da vida humana, da igualdade entre os seres, da submissão a um conjunto de regras para a conduta em sociedade – como evidenciado na lei mosaica –, representou um progresso em relação às religiões de cunho vingativo então existentes. O cristianismo, por sua vez, enfatizou a fraternidade dos homens, ao amor ao próximo, o perdão e a caridade como “benfeitorias” que muito fizeram para elevar o padrão moral da humanidade. Da mesma forma, o budismo trouxe o respeito à vida humana, ou melhor, a qualquer forma de vida a um patamar certamente elevado, enfatizando, como o cristianismo, o respeito a todo ser humano como princípio universalmente válido. Essas três religiões me parecem assumir plenamente a tolerância como regra de conduta válida na vida social, mesmo se variantes “fundamentalistas” do cristianismo militante (“evangelizador”, ou de “conversão”) tenham conspurcado a mensagem cristã da aceitação das opiniões de terceiros.
Em momentos diversos de suas trajetórias históricas, as sociedades que abrigaram essas três grandes religiões com vocação “universalista” passaram por processos reais de secularização e de laicização que diminuíram em muito o papel da religião (e da liturgia, isto é a forma organizada e talvez “burocratizada” da religião) na organização da vida social, na socialização das pessoas, na condução da vida diária. A religião passou à esfera do privado e a vida política e social passou a ser organizada em bases legais e racionais. Este “caminho weberiano” não parece ter sido experimentado, ainda, pelo islamismo, que permanece como um “bloco” indivisível e praticamente impermeável a variações interpretativas. Não houve, como na história do cristianismo, por exemplo, nenhuma divisão entre escolas dotadas de liturgias diferentes (como ocorreu, primeiro, com a cisão entre ortodoxia e catolicismo, depois com a divisão deste na reforma protestante).
O islamismo “penetra” e domina a vida individual como nenhuma outra religião de vocação universalista o faz. Ele comanda uma submissão total, ocupando não apenas os espaços da vida familiar e social, mas também, em grande medida, os campos político e econômico. Mesmo sociedades islâmicas contemporâneas que passaram por processos de relativa secularização ressentem uma enorme pressão para a aplicação da sharia, isto é, a lei costumeira dos tempos do profeta, cujos princípios parecem ser mais vingativos do que propriamente retributivos.
Essa submissão não se submete, ela mesma, ao crivo da razão, isto é, ao trabalho exegético, eventualmente contestador, que caracteriza o cristianismo como um todo. A “profissão” de teólogo, ou intérprete dos preceitos “divinos” – típica dos povos da Bíblia – praticamente inexiste no islamismo, que abriga apenas “conhecedores” da palavra do profeta. Não há propriamente um “diálogo” com deus, ou com seus “intérpretes oficiais”, uma vez que o que está escrito no livro sagrado é considerado como a própria palavra de deus, insuscetível, portanto, de interpretações ou de “aperfeiçoamentos”.
A característica mais importante a separar essas religiões, porém, não é apenas a capacidade de interpretar a palavra divina, e sim a faculdade de contestá-la. É possível, dentro da religião cristã, contestar a palavra de Deus, o que pode levar, no máximo, à excomunhão do “incréu”, o que em outros tempos poderia resultar na fogueira. O fato histórico é que essas sociedades evoluíram ao ponto de abolir a condenação da pregação anti-religiosa. É possível ser ateu, iconoclasta, blasfemo militante e até mesmo apóstata, sem incorrer nas iras da lei ou no castigo da instituição religiosa. É possível abandonar ou trocar de religião, sem ter de temer acusação de apostasia ou de crime contra a religião.
Nada disso é possível na religião islâmica: viver à margem ou contra a religião é extremamente perigoso, proclamar publicamente apostasia ou blasfêmia constitui um grave crime contra a religião do profeta, passível da pena de morte. Mas é possível, publicamente, em terras do Islã, repudiar a religião cristã, ou qualquer outra, que não a do profeta. É possível, à esposa não muçulmana de um verdadeiro “crente”, conservar a sua fé, mas ela não poderá educar os seus filhos senão na religião do profeta.
Trata-se de um verdadeiro “imperialismo” da religião, que assume aspectos por vezes trágico na vida individual ou no relacionamento com pessoas de outros credos. O assunto das charges dinamarquesas, no início de fevereiro de 2006, revelou, por outro lado, todo o potencial de conflito embutido numa religião que pode ser utilizada para fins de mobilização popular. O que esta questão revela é, sobretudo, a intolerância total em relação a “contestações” do sentimento religioso dos seguidores do profeta: mesmo os incréus são passíveis da “pena de morte”, na interpretação dos verdadeiros crentes.
Não se trata, aqui, de um “conflito entre civilizações”, como muitos proclamam, mas simplesmente de um conflito entre “religião” e “sociedade”, ou seja, de uma dada configuração da estrutura mental das sociedades islâmicas, que as impede de conciliar, ou mais propriamente de separar, manifestações de pensamento e expressões da crença. Não há fissura entre ambas, daí o totalitarismo da palavra se convertendo em totalitarismo da ação.
Isso se chama intolerância. Ela constitui, no meu modo de ver, uma das mais poderosas barreiras ao necessário processo de “aggiornamento” do islamismo, sem o qual ele será incapaz de juntar às correntes modernas de produção científica e intelectual, ou de oferecer um terreno seguro para o desenvolvimento de formas de organização políticas mais democráticas e abertas à inovação e à criatividade individuais. Essa é uma batalha que vai separar profundamente o islamismo, mas que terá de ser travada algum dia.

* PAULO ROBERTO DE ALMEIDA é Doutor em Ciências Sociais, diplomata, autor de vários trabalhos sobre relações internacionais e política externa do Brasil.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

A imbecilização do mundo



Mino Carta
Carta Capital

Os mais celebrados mestres da culinária vanguardista, ou seja, aqueles que empregam produtos da Nestlé e figuram em uma classificação anual divulgada pela revista Restaurants (20 mil exemplares de tiragem, destinada aos refinados do mundo), acabam de encerrar em Copenhague um simpósio exaltante. Festa entre amigos, corrente da felicidade, rea­lizada à sombra do Noma, primeiro da lista da Restaurants, do chef René Redzepi. Entre as novidades apresentadas, formigas vivas nutridas com citronela e coentro, de sorte a assumir um gosto suavemente acidulado, para o agrado de todos os paladares, segundo os participantes do evento. Cuja contribuição à imbecilização global é de evidência solar.
Sugestão. Jante formigas vivas enquanto assiste ao nosso gladiador. Foto: David Becker/AP/AE

Há atenuantes. A quem interessa ler a Restaurantsqual fosse o Novíssimo Testamento ou comer formigas vivas, ou até espuminhas de camarão, a preços estratosféricos, está claro? A minoria de imbecilizados, é a conclusão inescapável, em um mundo onde a pobreza fermenta e muitos morrem de fome. Mundo capaz de grandes progressos científicos, presa, ao mesmo tempo, de uma crise econômica monstruosa, provocada pela sanha de poucos em detrimento dos demais semelhantes. Bilhões.
As atenuantes, como se vê, são medíocres, embora não exija esforços mentais brutais perceber que imbecil é quem come formigas vivas em lugar de um mero trivial. Somos o que comemos, dizem os sábios, donde a inevitabilidade das ilações quando se multiplicam as provas da cretinização global. Neste mar a vanguarda da gastronomia ao alcance dos bolsos recheados é um lambari.
O Brasil não escapa, e nem poderia. Somos uma nação vincada pela ignorância e pela prepotência da minoria reacionária, a preferir que as coisas fiquem como estão para ver como ficam e a reputar sagrada a classificação da Restaurants. Aqui manda a moda, mas, neste mar, a dita cultura de massa é o próprio vento a enfunar as velas. Sem contar a desorientação diante do mistério da vida e o medo da morte. Deixarei de falar de esperanças impossíveis. Vou para miudezas, de certa forma, para falar de situações recentes. E então, digamos, Anderson Silva.
É brasileiro o número 1 do MMA, o vale-tudo do octógono, a luta que assinala o retorno aos gladiadores. Li, pasmem, na primeira página do Estadão. Só falta o Coliseu. Também faltam os leões, mas não nos surpreenderemos se, de uma hora para outra, irromperem na arena. Os índices de audiência são altíssimos, obviamente, e haverá quem se ufane de ser brasileiro ao se deparar com a ferocidade de Anderson, nosso Hércules. E fique feliz porque a transmissão do MMA iguala o Brasil aos Estados Unidos e ao Japão. No resto dos países tidos como civilizados, a luta é proibida.
Vale recordar que a tevê nativa ostenta tradições valiosas. Por exemplo: o nosso Big Brother, ao repetir experiências globais, bate recordes de grosseria. Acrescentem-se os programas populares do fim de semana, os seguidores do Homem do Sapato Branco e os tempos da celebração da dança da garrafinha em horário nobre. Aproveito para sublinhar que a pensata “nobre” me deslumbra.
A aposta na parvoíce da plateia é constante. Inesgotável. Praticada pela mídia nativa com singular esmero, produziu o efeito de comprometer a saúde intelectual dos seus autores. Não fogem do destino inúmeros políticos, vitimados por sua própria incompetência. Permito-me escalar nestas linhas o presidente do PT, Rui Falcão, e o novo presidente da CUT, Vagner Freitas. Em perfeita sintonia, ambos anunciam sua inconformidade em relação ao possível “julgamento político do mensalão”. Peculiar visão, a dos cavalheiros acima. O processo tem e terá inevitáveis implicações políticas, e não cabe a eles exercer qualquer gênero de pressão sobre o Supremo.
Enquanto evita-se discutir com toda legitimidade uma questão premente, isto é, a inegável suspeição quanto à participação do julgamento do ministro Gilmar Mendes, Falcão e Freitas oferecem munição de graça à mídia nativa, ela mesma tão interessada em politizar o processo. Os meus melancólicos botões garantem que os políticos de antanho, vários bem mais à esquerda dos senhores citados, eram também mais espertos.

Protesto Bem Humorado

Eis o vídeo feito pelos professores da escola estadual Constantino Fernandes, em Campos dos Goytacazes.

quarta-feira, 18 de julho de 2012

Arqueólogos acreditam ter encontrado ossada de Mona Lisa

O Dia


Esqueleto encontrado em convento seria de Lisa Gherardini, que teria servido de modelo para a obra de Leonardo da Vinci

Itália -  Arqueólogos acreditam ter encontrado os restos mortais da mulher que inspirou o famoso quadro Mona Lisa. De acordo com informações do jornal Daily Mail, escavações revelaram um esqueleto humano em uma vala no interior do Convento Medieval de Santa Úrsula, em Florença, Itália.
Ossada foi encontrada em convento medieval de Florença | Foto: EFE
Ossada foi encontrada em convento medieval de Florença | Foto: EFE
O grupo de arqueólogos acredita que o convento foi o local do enterro de Lisa Gherardini, mulher do rico mercador florentino Francesco del Giocondo, que serviu de modelo para a pintura de Leonardo da Vinci. O quadro também é conhecido como La Gioconda.
A maioria dos historiadores afirma que o obra prima de da Vinci foi inspirado em Lisa Gherardini, que morreu em um convento em 1542 aos 63 anos.
Arqueólogos | Foto: EFE
Arqueólogos trabalham para retirar esqueleto do convento | Foto: EFE
Um documento encontrado em 2007 pelo estudioso, Giuseppe Pallanti, no arquivo da Basílica de San Lorenzo, ao lado do convento, indicava que os restos de Lisa Gherardini poderiam estar enterrados em Santa Úrsula. Após a descoberta do documento, um grupo de arqueólogos começou, no ano passado, uma busca no convento abandonado pelo crânio de Lisa Gherardini.
Especialistas pretendem reconstruir o enigmático rosto que foi pintado por Leonardo da Vinci, e desvendar o mistério por trás do sorriso de Mona Lisa.
As informações são do iG 

Símbolo da defesa dos direitos humanos, Mandela completa 94 anos

Agência Brasil


Símbolo da paz na África e exemplo para os líderes políticos, Nelson Mandela completa hoje 94 anos. Mandela, ex-presidente da África do Sul (1994-1999) e Prêmio Nobel da Paz em 1993, é chamado também de Pai da Pátria no seu país. Por 28 anos, ele ficou preso devido às suas ações de resistência ao regime de segregação racial no país. Com limitações físicas devido à idade, Mandela tem aparecido pouco em público. 
“Sonho com o dia em que todos levantar-se-ão e compreenderão que foram feitos para viverem como irmãos”, disse Mandela, pedindo o apoio de brancos, negros e mestiços para acabar com a segregação racial na África da Sul.
Mandela se tornou uma espécie de símbolo internacional em decorrência de sua luta contra o regime segregacionista do apartheid. De 1948 a 1994, a África do Sul viveu sob o regime de segregação racial, com divisões sociais, políticas e econômicas. Os direitos da maioria da população negra foram reduzidos em detrimento dos da minoria branca.
apartheid gerou violência e um significativo movimento de resistência interna, assim como embargo internacional à África do Sul. Ao longo da história, houve uma série de revoltas e protestos no país, colocando em lados opostos brancos e negros.
Mandela ficou preso de 1962 a 1990. Mesmo na prisão, manteve sua força política interna e externa. Recebeu homenagens em vários países e o título de doutor em direito pela defesa aos direitos humanos. Em 1993, Mandela foi eleito presidente, consolidando um marco histórico na África do Sul e buscando reconciliar oprimidos e opressores.
Ao visitar o Rio de Janeiro, em 1992, logo depois de assumir a Presidência da África do Sul, Mandela foi homenageado e disse ter se sentido em casa.
Porém, na sua vida privada, Mandela viveu momentos de constrangimento como a revelação de infidelidade de sua segundo mulher, Winnie, que também foi denunciada de corrupção. Eles se divorciaram e Mandela casou com Graça Machel, viúva de Samora Machel, ex-presidente de Moçambique.