sábado, 31 de dezembro de 2011

Passagem do Ano

Carlos Drummond de Andrade

Passagem do AnoO último dia do ano

não é o último dia do tempo.
Outros dias virão
e novas coxas e ventres te comunicarão o calor da vida.
Beijarás bocas, rasgarás papéis,
farás viagens e tantas celebrações
de aniversário, formatura, promoção, glória, doce morte com sinfonia
e coral,
que o tempo ficará repleto e não ouvirás o clamor,
os irreparáveis uivos
do lobo, na solidão.



O último dia do tempo
não é o último dia de tudo.
Fica sempre uma franja de vida
onde se sentam dois homens.
Um homem e seu contrário,
uma mulher e seu pé,
um corpo e sua memória,
um olho e seu brilho,
uma voz e seu eco,
e quem sabe até se Deus…



Recebe com simplicidade este presente do acaso.
Mereceste viver mais um ano.
Desejarias viver sempre e esgotar a borra dos séculos.
Teu pai morreu, teu avô também.
Em ti mesmo muita coisa já expirou, outras espreitam a morte,
mas estás vivo. Ainda uma vez estás vivo,
e de copo na mão
esperas amanhecer.



O recurso de se embriagar.
O recurso da dança e do grito,
o recurso da bola colorida,
o recurso de kant e da poesia,
todos eles… e nenhum resolve.



Surge a manhã de um novo ano.
As coisas estão limpas, ordenadas.
O corpo gesto renova-se em espuma.
Todos os sentidos alerta funcionam.
A boca está comendo vida.
A boca está entupida de vida.
A vida escorre da boca,

ambuza as mãos, a calçada.
A vida é gorda, oleosa, mortal, sub-reptícia

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

29 de dezembro de 2001: O fim de um furacão indomável. Morre Cassia Eller

Fonte: Jornal do Brasil
Por  Lucyanne Mano

      "Eu só peço a Deus um pouco de malandragem pois sou criança e não conheço a verdade. Eu sou um poeta e não aprendi a amar. Bobeira é não viver a realidade..."
Letra de Cazuza e Frejat

      A roqueira Cássia Eller, 39 anos, morreu no início da noite, na Clínica Santa Maria, na Zona Sul carioca, onde deu entrada horas antes com um quadro de desorientação e agitação. As primeiras notícias eram de que a cantora teria sido vítima de uma intoxicação exógena por consumo excessivo de drogas. E mesmo recebendo os devidos socorros, acabou não resistindo a sucessivas paradas cardíacas. Os laudos periciais do Instituto Médico Legal do Rio de Janeiro após autópsia, no entanto, descartaram a overdose. A causa mortis foi infarto do miocárdio.
      A notícia da morte precoce de Cássia, que vivia o melhor momento de sua carreira trabalhando em turnê o CD MTV Acústico, desolou amigos, parentes e fãs. A cantora deixou um filho, Francisco, de 7 anos e a companheira Maria Eugênia, com quem conviveu estavelmente por 14 anos.
Rebeldia em tom grave
      Cassia Rejane Eller não era mulher de meias palavras. Nem cantora de meio tom. Nunca negou o envolvimento com as drogas, declarava rasgadamente o amor pelo filho Chicão, assumia abertamente seu homossexualismo e berrava ao microfone com indiscutível autoridade. Sempre foi uma artista apoteótica no palco. Mas... Cassia era tímida.
      Filha de militar, Cássia Eller rodou os quatro cantos do país. Morou em Belo Horizonte, Pará, Brasília, São Paulo e Rio. Antes de cantar, fez um pouco de tudo. Foi garçonete, secretária e até ajudante de pedreiro. Uma das mais completas e talentosas cantoras de sua geração, a opção pela carreira artística aos 14 anos. Apaixonada por Beatles e Luiz Melodia, cantou em corais, se apresentou em trio elétrico e acabou desembocando no rock´n roll. Em 1990, lançou seu primeiro disco. Com sua irreverência em tom grave, foi adorada por nomes como Carlinhos Brown, Caetano Veloso, Ney Matogrosso e o parceiro em diversos sucessos Nando Reis, produtor dos dois últimos discos de Cássia - MTV Acústico (2001) e Com você... meu mundo ficaria completo (1999) álbum em que aposentou maneirismos para colocar - a pedido do filho que queria vê-la cantando como Marisa Monte - a melodia em primeiro lugar.

 

      Chicão, fruto da relação com o baixista Otavio Fialho, morto durante a gravidez da cantora, num acidente de carro - foi o grande projeto de Cassia: "Estou tentando passar mais tempo com o Chicão", disse, programando levar mais vezes o filho para a escola. Era do tipo supermãe. Punk e rebelde só por fora.

      2001, o ano que não terminou

      Em 2001, Cassia Eller viveu um momento único. Estava no auge de sua carreira. A começar pela irreverência contagiante com que conduziu sua apresentação no Rock in Rio 3 em janeiro. Depois veio a gravação do MTV acústico e a turnê concorrida, com bilheteria esgotada onde quer que Cássia se apresentasse. Uma produção musical intensa, em ascensão que, interrompida, deixou uma legião de fãs incrédulos.
      Quando o segundo sol chegar para realinhar a órbita dos planetas vai perceber que sem a voz de Cássia a tarefa ficou um pouco mais difícil...

Novamente a marcha da maconha

Alexandre Salim*, Jornal O Dia

      Rio - Tal qual ocorrera em junho, o Supremo Tribunal Federal autorizou, em novembro, nova manifestação pública para debate da legalização das drogas, evento que ficou conhecido como ‘Marcha da Maconha’. Deixando de lado eventual discussão acerca da apologia de crime, prática punida pelo Código Penal com pena detentiva de até seis meses ou multa, preocupa-me a extensão que se quer dar a determinados direitos humanos.
      Não se desconhece que as liberdades de pensamento, de manifestação e de associação são conquistas fundamentais e integram o importante rol de garantias individuais e coletivas do cidadão. Asseguram, por assim dizer, a esfera de liberdade individual contra interferências ilegítimas do Poder Público.
      Mas não se pode negar que o exercício irresponsável de tais liberdades acabaria se tornando fonte inesgotável de conflitos sociais. Caso fosse tomado por absoluto, o direito de manifestação teria o seu fim totalmente desvirtuado, sendo utilizado mais como escudo protetivo em face da prática de atividades ilícitas e menos como verdadeiro direito humano fundamental que é.
      Todos temos deveres para com a comunidade, já que é nela que desenvolvemos, livre e plenamente, a nossa personalidade, não sendo possível dar aos direitos de liberdade um alcance que não têm, sob pena de violação das justas exigências da moral, da ordem pública e do bem-estar de uma sociedade democrática.
      Você discorda? Acha que não deve haver restrição às liberdades públicas? Então quem sabe amanhã lutemos pela ‘Marcha do Crack’, pelo ‘Culto ao Nazismo’ ou pela descriminalização da pedofilia. O alerta está lançado.

*Professor de Direito Penal

domingo, 25 de dezembro de 2011

25 de dezembro de 1977: O mundo órfão da genialidade de Charles Chaplin

Fonte: Jornal do Brasil
Por Lucyanne Mano

"A vida me deu o que há de melhor e um pouco do pior" Charles Chaplin

      O pensamento de Charles Spencer Chaplin foi o sentimento compartilhado entre seus fãs e admiradores ao tomarem conhecimento de seu falecimento, na noite de Natal, aos 88 anos. Morreu enquanto dormia, em sua casa na Suiça, onde estava reunido com esposa e filhos, para as celebrações natalinas. Embora confinado em uma cadeira de rodas nos últimos anos, gozava de plena atividade profissional e acabara de concluir dois roteiros para filmes.
      As desventuras da vida chegaram cedo para Charles Spencer Chaplin. Nascido na Londres do final do século XIX, a infância feliz foi interrompida pela crise familiar que o fez morar em um orfanato. Ainda menino iniciou na vida artística apresentando-se no teatro. Poucos anos depois, ingressou no cinema, e não parou mais. Escreveu, dirigiu e atuou intensamente na produção de filmes. E foi na pele de Carlitos que atingiu a genialidade, servindo-se quase sempre de críticas sociais, e conquistou a platéia do mundo inteiro. Perseguido pelo caça às bruxas do macarthismo americano, mudou-se em 1952 para a Suíça, onde viveu até o fim.

A excelência nas obras de Carlitos

      Chaplin foi um artista cômico, mas sobretudo um trágico, que soube entender a humanidade, e a fez aprender, a partir de suas próprias fraquezas, como enfrentar a realidade da vida. Reuniu um acervo cinematográfico memorável em mais de 60 obras, entre elas: Vida de cachorro, de 1918, e O Garoto, de 1921, ainda no tempo do cinema mudo; Luzes da Cidade, de 1931, em que se apaixona por uma florista cega; Tempos Modernos, de 1936, sobre a mecanização da modernidade; e O Grande Ditador, de 1940, contra Hitler e as perseguições raciais na Europa.



Receita de Ano Novo! (Carlos Drummond de Andrade)

Para você ganhar belíssimo Ano Novo

cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação com todo o tempo já vivido
(mal vivido talvez ou sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens? passa telegrama?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

22 de dezembro de 1988: O assassinato do seringueiro Chico Mendes

Fonte: Jornal do Brasil,  Lucyanne Mano

      "Se descesse um enviado dos Céus e me garantisse que minha morte iria fortalecer nossa luta, até que valeria a pena. Mas a experiência nos ensina o contrário. Então eu quero viver. Ato público e enterro numeroso não salvarão a Amazônia. Quero viver."
      Foi o que disse Francisco Alves Mendes, Chico Mendes, nascido nos seringais, filho de seringueiros e seringueiro ele próprio, por destino e vocação. O ecologista e presidente do Sindicato os Trabalhadores Rurais de Xapuri (AC) foi morto a tiro de espingarda na sua fazenda, a 300 quilômetros de Rio Branco, quando saía de casa para ir ao banheiro no quintal.
      Chico, foi o mais importante ativista ambiental brasileiro. Sua luta pela preservação da Amazônia foi a causa do assassinato. Já vinha sendo ameaçado de morte e não tinha mais vida pessoal. Não dormia dois dias seguidos na mesma casa, além da proteção permanente de dois PMs, cortesia do governo do Acre.
      Mas o desejo de rever a mulher e os três filhos falou mais forte que as preocupações de segurança. Naquele dia, antes de jantar, resolveu tomar um banho, e os PMs ficaram dentro da casa. Os assassinos Darly e Alvarinho Alves cumpriram a promessa. O líder seringueiro já circulava nos meios ligados à ecologia no exterior, sempre denunciando o desmatamento da Amazônia.

União dos Povos da Floresta

      Chico Mendes ficou internacionalmente conhecido ao ser condecorado pela ONU, no dia 5 de junho de 1987, data em que se comemora o Dia Mundial do Meio Ambiente. Foi líder do movimento que busca unir os interesses dos índios e seringueiros em defesa da floresta graças à criação de reservas extrativistas.

O assassinato de Chico Mendes. Jornal do Brasil: Sábado, 24 de dezembro de 1988.
 
      Seu velório transcorreu sob tensão e perplexidade. Para que não morra sua luta em defesa da Amazônia e dos povos da floresta, foi criado o Comitê Chico Mendes, formado no Acre por 24 entidades não-governamentais, sindicais e de estudantes.

Chega às livrarias ‘A Privataria tucana’, de Amaury Ribeiro Jr.

Fonte: Carta Capital


      Não, não era uma invenção ou uma desculpa esfarrapada. O jornalista Amaury Ribeiro Jr. realmente preparava um livro sobre as falcatruas das privatizações do governo Fernando Henrique Cardoso. Neste fim de semana chega às livrarias “A Privataria Tucana”, resultado de 12 anos de trabalho do premiado repórter, que durante a campanha eleitoral do ano passado foi acusado de participar de um grupo cujo objetivo era quebrar o sigilo fiscal e bancário de políticos tucanos. Ribeiro Jr. acabou indiciado pela Polícia Federal e tornou-se involuntariamente personagem da disputa presidencial.


'A Privataria Tucana', de Amaury Ribeiro Jr.

      Na edição que chega às bancas nesta sexta-feira 9, CartaCapital traz um relato exclusivo e minucioso do conteúdo do livro de 343 páginas publicado pela Geração Editorial e uma entrevista com autor (reproduzida abaixo). A obra apresenta documentos inéditos de lavagem de dinheiro e pagamento de propina, todos recolhidos em fontes públicas, entre elas os arquivos da CPI do Banestado. José Serra é o personagem central dessa história. Amigos e parentes do ex-governador paulista operaram um complexo sistema de maracutaias financeiras que prosperou no auge do processo de privatização.
      Ribeiro Jr. elenca uma série de personagens envolvidas com a “privataria” dos anos 1990, todos ligados a Serra, aí incluídos a filha, Verônica Serra, o genro, Alexandre Bourgeois, e um sócio e marido de uma prima, Gregório Marín Preciado. Mas quem brilha mesmo é o ex-diretor da área internacional do Banco do Brasil, o economista Ricardo Sérgio de Oliveira. Ex-tesoureiro de Serra e FHC, Oliveira, ou Mister Big, é o cérebro por trás da complexa engenharia de contas, doleiros e offshores criadas em paraísos fiscais para esconder os recursos desviados da privatização.
      O livro traz, por exemplo, documentos nunca antes revelados que provam depósitos de uma empresa de Carlos Jereissati, participante do consórcio que arrematou a Tele Norte Leste, antiga Telemar, hoje OI, na conta de uma companhia de Oliveira nas Ilhas Virgens Britânicas. Também revela que Preciado movimentou 2,5 bilhões de dólares por meio de outra conta do mesmo Oliveira. Segundo o livro, o ex-tesoureiro de Serra tirou ou internou no Brasil, em seu nome, cerca de 20 milhões de dólares em três anos.
      A Decidir.com, sociedade de Verônica Serra e Verônica Dantas, irmã do banqueiro Daniel Dantas, também se valeu do esquema. Outra revelação: a filha do ex-governador acabou indiciada pela Polícia Federal por causa da quebra de sigilo de 60 milhões de brasileiros. Por meio de um contrato da Decidir com o Banco do Brasil, cuja existência foi revelada por CartaCapital em 2010, Verônica teve acesso de forma ilegal a cadastros bancários e fiscais em poder da instituição financeira.
      Na entrevista a seguir, Ribeiro Jr. explica como reuniu os documentos para produzir o livro, refaz o caminho das disputas no PSDB e no PT que o colocaram no centro da campanha eleitoral de 2010 e afirma: “Serra sempre teve medo do que seria publicado no livro”.

CartaCapital: Por que você decidiu investigar o processo de privatização no governo Fernando Henrique Cardoso?
Amaury Ribeiro Jr.: Em 2000, quando eu era repórter de O Globo, tomei gosto pelo tema. Antes, minha área da atuação era a de reportagens sobre direitos humanos e crimes da ditadura militar. Mas, no início do século, começaram a estourar os escândalos a envolver Ricardo Sérgio de Oliveira (ex-tesoureiro de campanha do PSDB e ex-diretor do Banco do Brasil). Então, comecei a investigar essa coisa de lavagem de dinheiro. Nunca mais abandonei esse tema. Minha vida profissional passou a ser sinônimo disso.

CC: Quem lhe pediu para investigar o envolvimento de José Serra nesse esquema de lavagem de dinheiro?
ARJ: Quando comecei, não tinha esse foco. Em 2007, depois de ter sido baleado em Brasília, voltei a trabalhar em Belo Horizonte, como repórter do Estado de Minas. Então, me pediram para investigar como Serra estava colocando espiões para bisbilhotar Aécio Neves, que era o governador do estado. Era uma informação que vinha de cima, do governo de Minas. Hoje, sabemos que isso era feito por uma empresa (a Fence, contratada por Serra), conforme eu explico no livro, que traz documentação mostrando que foi usado dinheiro público para isso.

CC: Ficou surpreso com o resultado da investigação?
ARJ: A apuração demonstrou aquilo que todo mundo sempre soube que Serra fazia. Na verdade, são duas coisas que o PSDB sempre fez: investigação dos adversários e esquemas de contrainformação. Isso ficou bem evidenciado em muitas ocasiões, como no caso da Lunus (que derrubou a candidatura de Roseana Sarney, então do PFL, em 2002) e o núcleo de inteligência da Anvisa (montado por Serra no Ministério da Saúde), com os personagens de sempre, Marcelo Itagiba (ex-delegado da PF e ex-deputado federal tucano) à frente. Uma coisa que não está no livro é que esse mesmo pessoal trabalhou na campanha de Fernando Henrique Cardoso, em 1994, mas sob o comando de um jornalista de Brasília, Mino Pedrosa. Era uma turma que tinha também Dadá (Idalísio dos Santos, araponga da Aeronáutica) e Onézimo Souza (ex-delegado da PF).

CC: O que você foi fazer na campanha de Dilma Rousseff, em 2010?
ARJ: Um amigo, o jornalista Luiz Lanzetta, era o responsável pela assessoria de imprensa da campanha da Dilma. Ele me chamou porque estava preocupado com o vazamento geral de informações na casa onde se discutia a estratégia de campanha do PT, no Lago Sul de Brasília. Parecia claro que o pessoal do PSDB havia colocado gente para roubar informações. Mesmo em reuniões onde só estavam duas ou três pessoas, tudo aparecia na mídia no dia seguinte. Era uma situação totalmente complicada.

CC: Você foi chamado para acabar com os vazamentos?
ARJ: Eu fui chamado para dar uma orientação sobre o que fazer, intermediar um contrato com gente capaz de resolver o problema, o que acabou não acontecendo. Eu busquei ajuda com o Dadá, que me trouxe, em seguida, o ex-delegado Onézimo Souza. Não tinha nada de grampear ou investigar a vida de outros candidatos. Esse “núcleo de inteligência” que até Prêmio Esso deu nunca existiu, é uma mentira deliberada. Houve uma única reunião para se discutir o assunto, no restaurante Fritz (na Asa Sul de Brasília), mas logo depois eu percebi que tinha caído numa armadilha.

CC: Mas o que, exatamente, vocês pensavam em fazer com relação aos vazamentos?
ARJ: Havia dentro do grupo de Serra um agente da Abin (Agência Brasileira de Inteligência) que tinha se desentendido com Marcelo Itagiba. O nome dele é Luiz Fernando Barcellos, conhecido na comunidade de informações como “agente Jardim”. A gente pensou em usá-lo como infiltrado, dentro do esquema de Serra, para chegar a quem, na campanha de Dilma, estava vazando informações. Mas essa ideia nunca foi posta em prática.

CC: Você é o responsável pela quebra de sigilo de tucanos e da filha de Serra, Verônica, na agência da Receita Federal de Mauá?
ARJ: Aquilo foi uma armação, pagaram para um despachante para me incriminar. Não conheço ninguém em Mauá, nunca estive lá. Aquilo faz parte do conhecido esquema de contrainformação, uma especialidade do PSDB.

CC: E por que o PSDB teria interesse em incriminá-lo?
ARJ: Ficou bem claro durante as eleições passadas que Serra tinha medo de esse meu livro vir à tona. Quando se descobriu o que eu tinha em mãos, uma fonte do PSDB veio me contar que Serra ficou atormentado, começou a tratar mal todo mundo, até jornalistas que o apoiavam. Entrou em pânico. Aí partiram para cima de mim, primeiro com a história de Eduardo Jorge Caldeira (vice-presidente do PSDB), depois, da filha do Serra, o que é uma piada, porque ela já estava incriminada, justamente por crime de quebra de sigilo. Eu acho, inclusive, que Eduardo Jorge estimulou essa coisa porque, no fundo, queria apavorar Serra. Ele nunca perdoou Serra por ter sido colocado de lado na campanha de 2010.

CC: Mas o fato é que José Serra conseguiu que sua matéria não fosse publicada no Estado de Minas.
ARJ: É verdade, a matéria não saiu. Ele ligou para o próprio Aécio para intervir no Estado de Minas e, de quebra, conseguiu um convite para ir à festa de 80 anos do jornal. Nenhuma novidade, porque todo mundo sabe que Serra tem mania de interferir em redações, que é um cara vingativo.

quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

Sobre utopias e dystopias

Henrique Rattner*
Fonte: blog Espaço Acadêmico

      Como definir esses dois conceitos? Utopista é considerado um sujeito que propõe, para eliminar a pobreza e enfrentar os problemas sociais e políticos que afligem a sociedade, soluções imaginadas e consideradas dificilmente realizáveis. A palavra “utopia” tem suas raízes linguísticas no grego clássico, em que a sílaba “u” significa a negação e a “topus”, o local ou espaço geográfico e social. Utopia, assim definida, seria algo não existente, sem lugar concreto e o utopista, o homem (ou mulher) que procura criar condições ou propor ações, geralmente políticas, para transformar a utopia em realidade, sem se dar conta do contexto histórico e das restrições impostas pelas relações de poder, adversas à mudança social. O conceito utopia é usado com um certo sentido pejorativo para desqualificar as idéias não conformistas ou de transformação dos que questionam as mazelas da realidade.
      Mas, já no século XV, o filósofo e estadista inglês Thomas More descreveu seu modelo de um estado político ideal como Utopia e pagou sua ousadia com longos anos de cárcere e, finalmente, com sua execução no cadafalso.
      A dystopia nos remete a situações de conflitos, desordem, crises, guerras enfim, as calamidades que afligem a humanidade, desde seus primórdios. É na época do Renascimento, em tempos de grandes transformações sociais e conflitos, entre os príncipes feudais e os reis, que aparece também a obra de Thomas Campanella (1568-1639), filósofo italiano, intitulada “Cidade do Sol”, considerada precursora de idéias comunistas e que lhe valeu 27 anos de cárcere.
      A utopia como visão de um futuro melhor aparece na mesma época na doutrina dos anabatistas, uma seita cristã cujos membros faziam parte da ala mais radical da Reforma que sacudiu as instituições políticas da Europa central. Seus seguidores (milenaristas) acreditaram na vinda do Messias que reinaria por um milênio e aderiram em massa ao seu chefe espiritual Thomas Muenzer, que foi hostilizado pelo reformista conservador, Martinho Lutero. Dezenas de milhares de camponeses travaram batalhas sangrentas contra os senhores feudais e os bispos da Igreja católica. Tal como os Hussitas na Tchéchia, os anabatistas surgiram no momento histórico de grandes transformações e conflitos que opuseram os príncipes protestantes e o rei da Suécia ao imperador católico da Áustria–Hungria e que devastaram toda a Europa central. Instigado por Muenzer que convocou os camponeses, a “realizar o impossível”, o movimento de massas camponesas assumiu características revolucionárias, inéditas na História. O milenarismo considerava a revolução como um valor em si, não como um meio para alcançar determinado objetivo dado e fixo, a não ser uma aspiração para um mundo melhor. Três séculos mais tarde, Mikhail Bakunin, pai do anarquismo, afirmaria que “o prazer de destruir é um prazer criativo”.
      O século XVIII, o dos déspotas esclarecidos, viu também o aparecimento de novas idéias e interpretações sobre os fenômenos sociais e naturais, divulgados pelos enciclopedistas – Condorcet, d’Alembert e Diderot e os filósofos inovadores e críticos J.J. Rousseau e E.Voltaire. Suas críticas sociais e filosóficas prepararam o terreno para a Revolução Francesa (1789) e as transformações políticas e culturais que a seguiram. As mudanças econômicas provocadas pela Revolução Industrial e a expansão do comércio com as colônias de além mar impulsionaram a emergência de uma nova classe social – o proletariado industrial – composto pelos camponeses que foram expulsos de suas terras, encurralados nas cidades e explorados de forma desumana. Enquanto a burguesia comercial e industrial prosperou e enriqueceu, a miséria, as doenças e o brutal e desumano regime de trabalho foram o destino do proletariado. Tanto a França quanto a Inglaterra expandiram seus impérios coloniais, exportando produtos manufaturados e importando matérias primas e especiarias. Mas, enquanto a França empobreceu em consequência das guerras napoleônicas, a situação dos trabalhadores tornou-se insuportável e despertou os protestos de homens mais ousados e esclarecidos que pregaram a resistência e ações revolucionárias, precursoras de lutas sociais que impactaram profundamente o cenário político, ainda que suas tentativas de levantar as massas fracassaram.
      Entre os mais destacados, citamos Babeuf F.E. (1760-1797), que conspirou com um pequeno grupo de seguidores contra o Diretório que governava após a derrubada da monarquia e que o condenou à morte pela guilhotina, da qual escapou suicidando-se. Outro revolucionário de idéias extremistas foi Louis Blanc (1811-1882), que participou ativamente na queda da monarquia em 1848; tornou-se membro da Assembléia Nacional, após exilar-se em 1870.
      O escritor e economista, Louis Auguste Blanqui, defendeu idéias socialistas e revolucionárias pelas quais passou longos anos na cadeia. Três homens, considerados os “grandes utopistas” influenciaram profundamente o pensamento e as ações políticas da época, pelas quais são considerados os precursores “clássicos” que pregaram mudanças na organização social e nas relações entre os homens, mais justas e respeitando a dignidade humana.
      Charles Fourier (1772) idealizou um estado ideal – a comunidade de “Falanges”, termo inspirado na formação de combate de Alexandre Magno, e que iriam transformar as relações sociais, econômicas e políticas, sobretudo a situação dos trabalhadores e sua miséria, nos primeiros anos da Revolução Francesa sob o governo do Diretório (1789-1795). Seu contemporâneo foi o conde Claude Henri Saint Simon (1760-1825) que fundou uma doutrina social preconizando que cada um ganhasse de acordo com suas capacidades e sua contribuição efetiva ao bem estar social. Na Inglaterra, o reformista Robert Owen (1771-1858), criou as primeiras cooperativas de produção e consumo. Outro reformador francês, Pierre Joseph Proudhon (1809-1865) também foi considerado precursor do socialismo, e suas propostas de cooperativas inspiram organizações de economia solidária até os nossos dias.
      Os três primeiros conclamaram para a luta contra as tendências perversas da acumulação de riquezas desenfreada, por um lado, e o empobrecimento, a exploração e degradação dos trabalhadores, propondo uma ordem social na qual todos trabalham e ganham de acordo com suas necessidades. Os três sonharam suas utopias no antigo estilo intelectual, a partir de um ponto de vista indeterminista, típico da era das Luzes. Socialismo para eles é a expressão da verdade, da razão e da justiça absolutas que devem ser “descobertas” para conquistar o mundo e o poder. Já a mentalidade socialista, mais fundamentada que a idéia liberal, representa uma redefinição da utopia, em termos da realidade sendo magistralmente exposta por Friedrich Engels, na obra “Die Entwicklung des Sozialismus von der Utopie zur Wissenschaft” (O desenvolvimento do socialismo da utopia para ciência).
      Naquela época, o tratamento proporcionado aos trabalhadores pelos donos das fábricas, é ilustrado por depoimentos de médicos ingleses que defenderam uma jornada de trabalho de 18-24 horas diárias! Outro médico, em depoimento à Câmara dos Lordes, afirmou que crianças poderiam aguentar um turno de 20 horas diárias. O trabalho infantil foi considerado normal e a alimentação dos jovens aprendizes foi idêntica à servida aos porcos. Também, na França, os mesmos maus tratos e a baixa remuneração , insuficiente para a subsistência, eram fatos comuns nos centros industriais emergentes. Não existiam, naquela época, organizações em defesa dos direitos trabalhistas e os trabalhadores não tinham representação que os protegesse e, por isso, foram explorados sem piedade ou compaixão.
      Mesmo nos anos da Revolução Francesa, os direitos dos trabalhadores não foram respeitados enquanto a burguesia acumulou fabulosas riquezas, sem parar.
     Foram essas condições, no início do século XIX, que tornaram a questão social em fonte de movimentos de protesto e estimularam os utopistas a procurar caminhos e soluções para a emancipação da classe operária. Suas idéias e propostas, visando a transformação do sistema capitalista careciam de conhecimentos sobre a dinâmica e da evolução do capitalismo. Acreditaram em mudanças a partir da aceitação de novas relações sociais pelos poderosos da época, movidos por sentimentos humanitários e de compaixão com a miséria da classe trabalhadora. A esperança por reformas sociais determinou as visões utopistas, muito distantes das relações de poder na sociedade capitalista emergente. Por um lado, poderosas monarquias e os senhores feudais, aliados ao poder onipresente da Igreja e, por outro lado, trabalhadores em situação de miséria e desorganizados, os utopistas acreditaram poder mudar essa situação apelando à boa vontade da classe dominante. Tanto Owen quanto Fourier procuraram dar o exemplo de convívio humano e solidário, investindo seus próprios recursos na criação de comunidades em que os trabalhadores seguiriam os princípios solidários e justos preconizados pelos fundadores.
      Somente a próxima geração de pensadores críticos, sobretudo Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895) perceberam e pregaram que entre a propriedade e a pobreza, o capital e o trabalho, as relações seriam de confrontação e de luta de classes. A superação desse conflito e a conseqüente emancipação da classe operária permitiriam a criação de uma sociedade mais justa e igualitária, abrindo uma nova perspectiva para a humanidade. Após inúmeras revoltas dos trabalhadores e sua repressão sangrenta, surgiram as primeiras obras baseadas na concepção materialista e dialética da História. Em 1844, foi publicado o estudo de Engels sobre “A situação da classe operária na Inglaterra” e, em 1848, foi publicado o “Manifesto Comunista” elaborado por Marx e Engels, com tremendo impacto nas sociedades capitalistas da época. As obras posteriores de Marx e Engels, bem como os escritos de M. Bakunin e P. Kropotkin impulsionaram a formação de movimentos trabalhistas em vários países da Europa que se uniram pouco tempo depois para criar a primeira Internacional dos proletários.
      Tensões e conflitos internos, particularmente entre Marx e Bakunin, levaram à dissolução da Internacional, nos anos oitenta. Mas, a expansão capitalista levou ao fortalecimento dos partidos dos trabalhadores na Europa ocidental e central e, logo depois, surgiu a 2a Internacional, de orientação social democrata e reformista que ganhou milhões de adeptos nos países capitalistas. Um dos temas mais calorosamente debatidos – Reforma ou Revolução – discussão em que participaram teóricos alemães (K. Kautsky, E. Bernstein, F. Mehring), francês (J. Jaurés), austríacos (Otto Bauer, Friedrich Adler, Karl Renner) e russos e poloneses (Rosa Luxemburg, Plekhanov e V. I. Lenin) foi radicalmente resolvido pela eclosão da Primeira Guerra mundial, quando cada um dos partidos social-democratas convocou seus membros à defesa de sua pátria, contra os inimigos externos. A dissolução da Internacional durante a guerra de 1914-1918, abriu o caminho para a formação, por um grupo de revolucionários reunidos durante o conflito por duas vezes na Suíça, em Zimmerwald e Kienthal, que preconizaram a derrubada armada dos regimes capitalistas e absolutistas, apelando à solidariedade de todos os trabalhadores. “Proletários de todos os países, uní-vos” foi a palavra de ordem daqueles que ousaram desafiar os regimes existentes e proclamar o advento do socialismo pela instalação de governos compostos por representantes dos trabalhadores, soldados e camponeses.
      A revolução russa de 1917, foi a primeira tentativa de tomada de poder bem sucedida apesar das intervenções militares apoiadas pelas potências ocidentais. Assim, foi criada a URSS – a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas que mudou o cenário político mundial e perdurou até 1989. Tentativas semelhantes de levantes armados na Alemanha e na Hungria fracassaram, o que deixou a União Soviética, após a derrota de seu exército vermelho em sua invasão da Polônia, completamente isolada.
      Os marxistas revolucionários tinham previsto que a revolução, seguida de transformações econômicas, sociais e políticas, iria ocorrer primeiro nas sociedades capitalistas mais desenvolvidas industrialmente onde o processo de concentração de capital e a centralização do poder iriam acirrar a luta de classes. Não conseguiram antecipar que o regime capitalista fosse capaz de superar a depressão econômica e o desemprego em massa de 1929-1935, em boa parte devido ao processo de rearmamento em preparação da segunda guerra mundial e a mobilização de dezenas de milhões de jovens para servirem nos respectivos exércitos.
      Apesar da destruição dos sistemas produtivos nos países europeus, particularmente na Alemanha e na URSS, e a hecatombe de mais de cinqüenta milhões de vítimas entre mortos e feridos, o pós-guerra viu a reconstrução capitalista, impulsionada pelo Plano Marshall e apesar de grandes avanços em número de votos dos partidos comunistas nas eleições dos países da Europa ocidental, sobretudo na França e na Itália.
      O mundo ficou dividido pela “guerra fria” e o muro de Berlim entre as duas superpotências.
      A reconstrução da economia capitalista na Europa levou à criação, em vários países, do Estado de Bem Estar Social, com a cooptação dos dirigentes da “esquerda” e o enfraquecimento dos partidos trabalhistas, atraídos pelo consumo de massa e salários mais altos que dispensariam a luta de classes.
      Por outro lado, a revelação dos bárbaros crimes cometidos pelo regime stalinista na ex-URSS, os “Gulags”, a perseguição e muitas vezes a execução sumária de oposicionistas, inclusive das lideranças históricas da revolução e do exército vermelho enfraqueceu os partidos comunistas em todos os países e deixou desorientados aqueles que ainda sonharam com uma mudança social radical e a transformação das relações sociais para um mundo mais justo e igualitário.
      A partir dos anos oitenta, a doutrina neoliberal e sua proclamação do mercado como o “deus ex-machina” do desenvolvimento parecia impor-se como ideologia dominante, sobretudo após o desmoronamento da URSS e a conquista de autonomia dos países ex-satélites. As elites dominantes e seus intelectuais “orgânicos” proclamaram o “fim da História”. da luta de classes e a marcha irresistível do regime capitalista para a hegemonia mundial.
      As crises financeiras recorrentes de 1982, 1990 e 1999 atingiram sobretudo os países periféricos e “emergentes”, diferentemente da crise financeira que eclodiu em 2008 nos Estados Unidos e propagou-se como um “tsunami” para todos os cantos do mundo, com conseqüências ainda não totalmente previsíveis. Quebra de bancos e de empresas, queda de investimentos e desemprego em massa, resultam em perda de ativos de trilhões de US$ em todas as economias e ameaçam a segurança e o bem estar de toda a humanidade.
      Seria o desmoronamento da URSS dominada pela oligarquia stalinista e seu regime totalitário, evidência suficiente da superioridade do sistema capitalista?
      A exploração desumana dos trabalhadores, no século XIX, base da acumulação primitiva, as crises econômicas e financeiras recorrentes até os nossos dias, a repressão sangrenta dos povos colonizados na África, Ásia e América Latina e as duas grandes guerras (1914-1918) e (1939-1945) que causaram dezenas de milhões de mortos e mutilados, destruíram inúmeras cidades e seus sistemas produtivos não podem ser ignorados por historiadores supostamente imparciais, fazendo a apologia do sistema capitalista.
      Mas, a revolução mais ampla e profunda, ainda inspirada nas idéias de Marx e que iria alterar profundamente as relações políticas e militares do mundo, foi inegavelmente, a chinesa (1949) sob a liderança de Mao Tse Tung. Conduzindo suas tropas constituídas por camponeses, durante mais de duas décadas, pelo imenso território chinês, enfrentando os “generais – senhores da guerra”, as tropas enfraquecidas e ineficazes do governo central e os invasores japoneses, conquistou o poder, causando a fuga dos soldados de Tchang Kai Chek para a ilha de Formosa, posteriormente batizada de Taiwan.
      Apesar dos eventuais excessos da Revolução Cultural, a China, adotando políticas econômicas baseadas em planos qüinqüenais, transformou-se em menos de três décadas, de um país dos mais pobres do globo, em uma das primeiras potências industriais e militares, superando seu atraso secular em matéria de pesquisa e desenvolvimento científico e tecnológico e superando os principais países desenvolvidos, com exceção dos EUA, em capacidade produtiva e potencial militar. As políticas, industrial, comercial e agrícola, implantadas com base em um planejamento central com altíssimas taxas de poupança e investimentos, propiciaram ao país não somente um crescimento do PIB superior a 10% ao ano, mas também a absorção e integração ao mercado de mais de 300 milhões de camponeses, antes miseráveis e analfabetos, como produtores e consumidores, mais do que todos os países em desenvolvimento no conjunto, na mesma época.
      Após duzentos anos de história de lutas, revoluções e reações violentas, persiste a interrogação: a dystopia – o sistema caótico e injusto do mercado capitalista, poderá ser transformado no mundo de homens livres, solidários e cooperando para o bem estar de todos, com base nos direitos humanos que incluem a segurança social, o direito ao trabalho, à educação, a proteção contra o desemprego enfim, o direito de criar organizações autônomas e auto-gestionárias?
      O Fórum Social Mundial responde afirmativamente: “Um outro mundo é possível”!


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* Professor titular aposentado da Escola de Administração de Empresas da Fundação Getúlio Vargas (São Paulo) e da Faculdade de Economia e Administração da USP; autor de, entre outros, “O resgate da Utopia: cultura, política e sociedade” (São Paulo: Palas Athena, 2005).

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

Eleição para diretores da rede municipal é adiada e Sepe questiona na Justiça

Fonte: Folha da Manhã

      A eleição direta para diretores de escolas municipais de Campos foi adiada mais uma vez. A proposta de prorrogação do prazo por mais um ano foi feita pela secretária de Educação, Joilza Rangel, durante a reunião do Conselho Municipal de Educação realizada na semana passada. O Sindicato Estadual dos Profissionais da Educação (Sepe) não concorda com o prazo de mais um ano e pretende tomar providências jurídicas.
      Segundo os profissionais de Educação, as eleições ajudariam a elevar a qualidade do ensino, à medida que o cargo deixaria de ser por indicação política e passaria ser por mérito.
      De acordo com uma das diretoras do Sepe, Graciete Santana, as eleições para diretores de escolas constam no Plano Municipal de Educação, aprovado em 14/12/2009 na Câmara de Vereadores de Campos, com prazo para ser colocado em vigor no período máximo de dois anos, expirado na semana passada.
      — A proposta foi aprovada por 13 votos dos Conselheiros presentes. O único voto contrário foi o meu representando o sindicato. O Sepe tem nas eleições para diretores uma bandeira de luta da qual não abre mão. Assim, providências serão tomadas para garantir o cumprimento da Lei Municipal. Não podemos permitir a continuidade do “loteamento” político por parte dos vereadores na indicação de diretores de escolas que, no momento das eleições municipais são “usados” como cabos eleitorais, já que o prazo aprovado é posterior às eleições municipais de 2012 — declarou Graciete.
      A assessoria de comunicação da Secretaria de Educação informou, através de nota, que a Portaria de nº 03 de maio deste ano de Diretrizes Norteadoras das Ações dos Gestores da rede municipal de Campos estabelece os critérios seletivos para convocar diretores que atuam nas unidades escolares da rede municipal. A secretária de Educação Joilza Rangel Abreu, esclareceu que a Câmara aprovou o Plano Municipal de Educação que prevê a organização do processo para eleições dos diretores. O Conselho Municipal de Educação possui critérios para as escolhas dos gestores em Portaria e, foi aprovada a prorrogação para a organização do processo para eleições dos diretores.















domingo, 18 de dezembro de 2011

Quem ainda escreve carta?

Por Alberto Villas
Fonte: Carta Capital


      Ninguém! Pelo menos que eu conheça, ninguém mais tem tempo de pegar um envelope verde amarelo, o bloco Aviador papel de seda e a caneta Parker 51 para escrever uma carta. Vivemos a era do skype, da msg pelo cel, do e-mail, do vaptvupt, bateu voltou. Quem hoje teria paciência de escrever uma carta e ficar dias e dias esperando a resposta? Se a resposta do e-mail não vem em um minuto já começa aquele tictic nervoso, não é mesmo?
      'Quem hoje teria paciência de escrever uma carta e ficar dias e dias esperando a resposta?'
      A primeira notícia que tivemos do Brasil foi através de uma carta, aquela de Pero Vaz de Caminha escreveu ao Rei Dom Manuel, o Venturoso: “Posto que o Capitão-mor desta Vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a notícia do achamento desta Vossa terra nova…” e por aí ia.
      Durante meu auto-exílio em Paris durante a década de 1970, escrevi e recebi centenas e centenas de cartas. Até hoje me emociono ao ver um envelope verde amarelo, daqueles bem antigos onde se lia Par Avion. Acordava cedo e a primeira coisa que fazia era descer quatro andares para buscar a correspondência. Quando tinha envelope verde amarelo era uma festa.
      Dentro deles, notícias boas, notícias ruins. Os sobrinhos que nasciam, a luta que aumentava, a censura que apertava. Recortes de jornais, fotografias. Se na primeira carta que mandei de lá reproduzi a carta de Pero Vaz de Caminha, a última começava assim: “São 11 horas da noite e cá estou eu sozinho no único cômodo da casa onde ainda resta um pouco de esperança. São nove baús de alumínio empilhados no canto, esperando o navio chegar. Dentro deles, tudo que restou da nossa vida aqui em Paris nestes anos todos. Estou voltando nas asas do tecoteco da anistia.”
      Cartas já inspiraram poetas e compositores. Quem não se lembra do rei cantando “Cartas já não adiantam mais/Quero ouvir a sua voz/Vou telefonar dizendo/Que eu estou quase morrendo/de saudade de você”? Renato Russo, que comandava a Legião cantava: “Escrevo-te estas mal traçadas linhas meu amor/Porque veio a saudade visitar meu coração”. Milionário e Zé Rico também já derramaram lágrimas em missivas: “Estou escrevendo esta cara meio aos prantos/Ando meio pelos cantos/Pois não encontrei coragem/De encarar o teu olhar”.
      Cartas não eram apenas meras cartas. Havia um ritual para escrevê-las. Muitas delas foram guardadas e acabaram virando livros da maior importância. As cartas de Vincent Van Gogh ao irmão Theo, por exemplo. Outras eram literatura pura. Sempre leio e releio as cartas que Caio Fernando de Abreu escreveu a seus amigos. Quanta ternura! Quanta literatura! Caio era daqueles que gostava de se preparar para escrever uma carta. Papel, caneta, um café, um cigarro. E derramava toda a sua dor e sua felicidade nos papéis de seda dos blocos Aviador.
      Nos últimos dias estou aqui mergulhado nas cartas que Otto Lara Resende escreveu ao amigo do peito Fernando Sabino, agora organizadas pelo jornalista e escritor Humberto Werneck. São cartas escritas nas décadas de 50,60 e 70 quando o mundo era outro. Cartas deliciosas que às vezes começavam assim: “Fernando: Tráfego engasgado, nervos à mostra, passei na Embaixada, a porta apertou meu dedo, sangrou, xinguei, me indignei, Helena desencavou a bagagem do Benedito, saí lascado pelos Champs Elysées, Concorde, Madeleine, rumo ao subúrbio (esqueci de comprar o Rinoceronte de Ionesco), estrada – na volta se anda mais depressa, num instante estávamos em Soissons, omeletes de queijo, bomba de chocolate. Café três fff, pé na estrada, tempo nublado, meio frio, mas sem chuva.” Quem hoje escreveria assim num e-mail desses tempos modernos?
      Cada carta que Otto escreveu a Fernando é uma viagem. E elas estão todas em cima da mesa num livro chamado “O Rio é tão longe”, editado pela Companhia das Letras, nas boas casas do ramo.

A era dos homo facers

Matheus Pichonelli

Fonte: Carta Capital

      Durante algum tempo, homens e animais dividiram os mesmo espaços e as mesmas angústias. Não existiam gôndulas de supermercado, mas, em compensação, não havia outras preocupações na vida a não ser “o que vou comer no almoço”, “o que devo caçar”, “como conseguir o alimento com menos tempo e menos esforço”.
      Era o tempo da racionalidade. O corpo tinha fome e o instinto nos levava à caça, à pesca, à colheita de frutos. Homens e iguanas poderiam sentar numa mesma mesa de bar, se houvesse bar naquele tempo, para compartilhar as mesmas queixas sobre um dia árduo. “Rapaz, deixei aquele mosquito escapar, mas foi por pouco. Tive que me contentar com um caqui podre que já estava no cão. Meu filho ficou puto porque não aguenta mais comer caqui”.
      O homo facer: de dia compartilha bons sentimentos, à noite, pede sangue em nome de justiça
      Ambos eram caça, ambos eram caçadores (a onça corria mais, mas os dois podiam se esconder na árvore).
      E assim não caminhava a humanidade até o dia em que o sujeito de barba, ereto, observou um osso jogado no chão e percebeu que podia fazer daquele instrumento uma arma. Foi quando resolveu domesticar os animais para a sua alimentação e companhia. De um lado, atendia aos apelos do estômago, que teimava em sentir fome; de outro, atendia ao apelo da alma, para que desse um jeito na solidão.
      Deste último grupo não havia melhor representante que os cães, que eram mais leais que o vizinho barbudo da casa ao lado. Eram tão dóceis quanto os elefantes e menos pegajosos do que as iguanas; só eles tinham porte para cuidar do nosso quintal e vigiar nossas posses sem estragos além dos inevitáveis. Criou-se o conceito de amizade.
      Passa a fita e o sujeito barbudo abandona o osso e passa a fabricar armas. Fabrica também casas, indústrias, estradas, dutos, aviões e até lâminas de barbear. Fabrica também noções de justiça e regras de convivência. Quando viu, o homem já não era o lobo do homem, mas um ser atento a um novo jogo de sobrevivência. Permanecia falso como um camaleão, mas ciente de que um passo errado o colocaria em problemas com o delegado, com o juiz e até mesmo com o advogado, que viu naquilo tudo um negócio mais rentável do que vender ossos a prestação.
      Era o tempo da evolução. Enquanto isso as iguanas e os cães seguiam lá: leais, mas à espera de que alguém os alimentasse.
      Fato é que, tanto tempo depois, o ser humano já aprendeu a lidar com quase tudo. Já foi pra Lua, começou e encerrou muitas guerras, construiu a ponte estaiada sobre a marginal, botou muito vírus e muita bactéria para correr. Só não aprendeu a lidar com o elemento humano que definitivamente o diferencia do animal que domestica. Porque o animal, quando tem fome, come; quando tem sono, dorme; mas o ser humano, desde que o mundo é mundo, tem mania de complicar tudo. Por isso, toma remédios para emagrecer quando deve comer, e bebe energético ou café com guaraná quando precisa dormir.
      É o ser humano que, movido a paixões, mata pai, mãe, tio ou irmão quando é contrariado. Só ele possui propriedades ainda inexistentes no mundo mineral e animal, como o ciúme, a ingratidão, a raiva, a vingança, a indignação. Por isso gasta-se tanto tempo para entender, em vão, atitudes impensadas (ou pensadas, mas fora do script do que se considera normal), como jogar a filha pela janela do apartamento ou invadir um haras para matar a tiros a amante.
      O cão, que assiste de camarote à involução humana
      Anos de evolução, e revoluções (da industrial à tecnológica) e páginas impressas de vã filosofia não bastaram para eliminar as barbáries do período primitivo. As barbáries, como os animais, foram apenas domesticadas. Estão sob eterna vigilância de um conjunto de regras e noções sobre ação e reação – que impedem, ou deveriam impedir, que irmãos matem irmãos impunemente. Mesmo assim, não impedem.
      E quando não impedem, quando voltamos a nos comportar como animais, tentamos entender e racionalizar o que aconteceu. Quando isso é impossível, a coisa trava. Como uma máquina. Não conseguimos emitir resposta, a cabeça começa a esquentar, a soltar fumaça, como um computador à espera do Control + Alt + Del para começar tudo de novo.
      Mergulhados numa era de competição feroz, e cansados de apertar os parafusos que nos garantem o orgulho de ser alguém na vida, entramos de cabeça num período confuso, de pura contradição. Lemos livros de auto-ajuda e falamos de bons sentimentos, mas damos cotoveladas homéricas em quem se aproximar do nosso parafuso e nossos quintais. O outro, o vizinho, o colega e até a esposa e o marido são sempre uma ameaça. Sempre podem produzir algo que não consta do script, da trairagem à traição. Porque são humanos, e não devolvem sorrisos quando fazemos cafuné neles. Alguns te engolem no dia seguinte, e ainda ameaçam colocar no YouTube aquele vídeo em que você aparece em posição constrangedora.
      Vai ver é por isso que, para compensar nossa incapacidade de se desanimalizar (tenho a impressão de que essa palavra não existe), façamos tanto esforço para humanizar aqueles que ainda têm jeito na vida. No caso, os animais – aquele parceiro de caça de outrora e que hoje nos distrai e nos faz companhia na hora da novela, da sopa, e na hora em que precisamos quebrar o gelo da casa para não lembrar que somos sozinhos, vazios e incapazes de nos relacionar com alguém da nossa espécie.
      É compreensível. Um animal bem cuidado jamais vai ser traiçoeiro. Vai, enquanto for vivo, cumprir tudo o que se espera dele. Jamais vai te contestar nem esperar seu sono para ligar para outros donos. Vai ser sempre leal, parceiro, dócil. Um ser, enfim, que devolve amor quando a ele dedicamos amor. Bem diferente dos filhos, para passam metade da vida ouvindo regras e a outra metade as descumprindo. Adão e Eva estão aí para mostrar que não existe paraíso que compense a delícia de ser oposição (com o perdão a Machado de Assis).
      Com quase 30 anos nas costas, não me lembro até hoje de ter conhecido ser humano mais leal do que o Tupi, um pastor belga parceiro de dias e noites num dos períodos mais saudosos da minha infância. E não me lembro até hoje de ter sentido uma tristeza mais aguda do que o dia em que nos despedimos dele, num centro veterinário de Jaboticabal, onde meus pais foram informados de que não havia outra cura para seus tumores a não ser sacrificá-lo. Nunca me esqueci do Tupi, que uma hora dessas deve estar roçando as pernas de São Francisco de Assis.
      Mesmo assim, acho que até ele se preocuparia se visse, do céu, a reação de bípedes conectados que, numa ação conjunta articulada pela internet, resolveram pedir o linchamento público de uma mulher filmada agredindo um cão até a morte. A cena é lamentável e a comoção, como diante de qualquer crime, parece inevitável.
      O crime é, como qualquer crime, um ponto fora da curva das regras de convivência. Racionais que somos, não estamos preparados para absorver algo que não faça sentido (um ser humano maltratar até a morte um ser indefeso). E, como uma máquina de computador que não codifica a mensagem e passa a soltar fumaça, voltamos à pré-história. O tal Control + Alt + Del.
      Em coro, juntamente até com o novelista da tevê, vamos às redes sociais com tridentes, escopetas, facas nos dentes para pedir justiça. Não a justiça resultante de anos de evolução, com processo, direito de defesa, ressocialização, espaço para o arrependimento, ação corretiva. Mas a justiça dos antepassados, que expurgavam os pontos fora da curva com apedrejamento e sangue.
      Na era virtual, não basta cobrar justiça. É preciso expor a agressora, mostrar a cara, o número do celular, o endereço e o aviso: procura-se viva ou morta. Se amanhã ela for presa, processada e punida, não sentiremos a menor saciedade. Sangue se paga com sangue, e é assim desde que homens e animais engatinhavam juntos nos tempos áureos.
      Nada mais representativo dos nossa era atual. Nos últimos anos, o Twitter e o Facebook permitiram que encontrássemos eco para nossas ideias mais pessoais, algumas inconfessáveis em períodos normais da história.
      Fosse vivo, Benito Mussolini mediria sua popularidade pelo botão de “curtir”, e não seria pouca. O usuário da internet, sabendo que é uma legião, perdeu até a vergonha de relinchar em público. Ganhou uma plateia para as causas justas (como a defesa da dignidade dos animais) e para as suas causas duvidosas (como uma certa vontade, assumida ou não, de passar o trator na cracolândia). O meio é a mensagem e a mensagem é, no mínimo, estranha: por que vemos tanto espírito no pet e nenhum no marginal?
      A verdade é que, juntos, o sentimento de revolta e o compartilhamento de simpatias pela barbárie deram outra dimensão à ideia de justiça. Em defesa dos animais, passamos a pedir a eliminação do ser humano, numa tentativa vã de extirpar do nosso convívio o elemento humano, aquele imprevisível, ingrato, incompreensível, que nos leva ao crime e à barbárie.
      A indignação e a revolta nos ajudam a lembrar que somos humanos, e não máquinas indiferentes. Mas, como humanos, nos lembram que estamos sujeitos à mesma barbárie, seja como vítimas, seja como carrascos. Contra a covardia, respondemos com mais covardia. E assim a humanidade segue, no seu inevitável caminho de volta ao tempo em que ainda rastejava.

      Comentário do Blog: Temos visto coisas verdadeiramente de arrepiar nos últimos tempos, mas a reção humana também tem sido deste gênero. Mas não só pelo fato das pessoas, em pleno século XIX desejarem a morte, e não a reeducação e/ou a cura. O triste nisto rudo é que o alívio psicológico promovido pelo desabafar nas redes sociais leva à satisfação e à inércia, desmontando qualquer possibilidade de cidadania realmente ativa. É assim que as pessoas se indignam mas não cobram efetivamente, principalmente em relação aos deveres da administração pública.
      Pena de morte isenta o poder de qualquer responsabilidade sobre o sujeito. Afinal, é melhor lavar as mãos ou jogar no presídio superlotado do que gastar em instituições que realmente promovam a mudança do indivíduo. Por isso presenciamos leis que auxiliam na liberação do criminoso, seja ele maior ou menor de idade, e não na sua retenção em instituições que realmente iriram reeducá-lo.
      Prersenciou uma falha do político? Desconfiou que há algo de podre no reino do Brasil? Viu alguém ser injustiçado. Mexa-se, mas não rumo à uma das redes sociais para tecer comentários não-producentes.
      Não é à toa que, infelizmente, o Brasil é o país que apresenta maior índice de votação no nefasto BBB. Será que as pessoas dispendem tanto tempo e energia em que realmente interessa?

sábado, 17 de dezembro de 2011

Entrega e paciência para superar a dor

Fonte: Jornal O Dia

POR CHRISTINA NASCIMENTO
      Rio - O choro sofrido de um dos alunos na sala de aula foi decisivo para a professora de Português Leila Maria D’Angelo da Costa, 48 anos. Era o momento de pedir licença da Escola Tasso da Silveira, em Realengo. As lágrimas do menino a comoviam tanto que ela mal conseguia consolá-lo. Sabia que, se desistisse do colégio, não conseguiria encarar os estudantes que dividiram com ela os momentos de terror daquele 7 de abril, quando 12 crianças foram assassinadas em salas de aula. Leila testemunhou a tragédia e foi uma das 5 professoras que pediram licença. Ela e duas colegas já voltaram para ajudar na reinvenção do colégio.


      “Ele chorando, achando que a escola poderia ser novamente invadida, me deixou arrasada. Resolvi me afastar. Minha intenção era me desligar totalmente, mas na rede social alunos não paravam de me mandar recado. Diziam que precisavam de mim. Encontrei neles um respaldo tão grande que, após dois meses em casa, decidi voltar”, contou Leila, que dava aula quando Wellington Menezes de Oliveira entrou na turma 1803 atirando. Ali, três alunos morreram.
      No mês seguinte à tragédia, cinco professoras pediram licença — duas não voltaram ainda, entre elas a que escapou da sala assim que começou o massacre. Os pais passaram a hostilizá-la por isso.
      Reinventar o processo de dar aula foi o caminho que a maioria dos educadores da Tasso da Silveira escolheu para continuar em sala. A mudança de comportamento nas turmas era um desafio: alunos ficaram tão agitados que boa parte do tempo era usada tentando fazer com que eles se concentrassem.
      Dar aula logo depois do que aconteceu foi sofrido. Durante a reforma, um vidro caiu no chão. As crianças se jogaram debaixo das cadeiras e eu surtei. Decidi tirar licença. Minha família pediu para eu largar tudo, mas há um apego ao grupo muito grande”, contou a professora de Ciências Gisele Mateus, 44, que passou a tomar antidepressivos.
      Situação semelhante à de Gisele é comum nos corredores da Tasso. “Fiquei cinco meses afastada. Comecei com meio comprimido de calmante, mas tive que aumentar. Nunca pensei em deixar a escola ou a profissão. Aquele 7 de abril, foi um dia de exceção”, ensina a professora de Português, Elaine Pais Alves, 44.
Polêmica sobre a aprovação de alunos

      Em meio ao turbilhão de emoções que os professores tentavam administrar após o massacre, um dilema tomou conta das discussões pedagógicas na escola: era justo reprovar os alunos das duas turmas invadidas pelo atirador que não conseguiram nota para passar de ano?


      A preocupação da maioria dos educadores era que no imaginário de muitos dos estudantes da Tasso da Silveira o carimbo de aprovado no boletim era a compensação que deveria vir para quem viveu um massacre sem precedentes. “Cinco dos alunos das classes onde aconteceram aquele triste episódio ficaram de recuperação. Não houve isso de coitadinho. Eles foram aprovados depois, porque conseguiram notas. Sinceramente, não acho que houve queda no rendimento. Quem estudava continuou sendo bom aluno. Quem era regular permaneceu sendo assim”, disse o professor de Matemática Carlos de Oliveira, 64.
      Alguns outros educadores admitiram que houve uma pressão para que todos os alunos fossem aprovados. “Tinha muito professor aqui que tinha receio de não aprovar e passar por mais uma situação desgastante”, contou uma educadora.
      Mas há quem acredite que a receita para superar um ano tão traumático esteja na dedicação. “Nós nos ajudamos. Esse foi o segredo para levar o restante do ano letivo. É claro que foi preciso paciência, carinho e muita dedicação. Mas no fim acredito que conseguimos vencer essa dura batalha”, disse a professora de Francês Maristela Marques Leite, 59, que deu aula para o atirador Wellington Menezes.

      COMENTÁRIO DO BLOG: Não perdendo de vista todo o sofrimento dos pais que perderam seus filhos, e dos que sobreviveram e seus familiares, cabe aqui uma observação de como a sociedade tem toda uma visão distorcida sobre o professor como sacerdote. Que ser humano, diante de tudo o que aconteceu, não teria a reação puramente instintiva de preservar sua vida? A professora que escapou da sala está sendo hostilizada pelos pais.
      Afirmar que na situação se atracaria com o atirador para defender as crianças é bravata fácil para quem não estava la´naquele momento. E aí está, uma profissional que, assim como os seus alunos, foi vítima da falta de segurança, da loucura do atirador, das circunstâncias, ou seja lá o que for. Mas não, por ser professora até o "direito ao trauma"  e à vida lhe é negado pela comunidade escolar. E fica a pergunta: algum destes pais se lembrou de procurar na justiça seus direitos frente ao verdadeiro culpado da tragédia?? Culpar o professor sempre é mais fácil, e extremamente proveitoso para a administração pública.

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Olha A Cara De Pau Aí, Gente!!!!!

Alerj aprova reajuste salarial para governador, vice e secretários do RJ


       A Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) aprovou nesta quinta-feira (15), em discussão única, reajuste salarial para o governador, vice-governador e secretários do estado a partir de janeiro 2012. Segundo informações da Alerj, o projeto ainda terá que ser sancionado pelo governador Sérgio Cabral.
      De acordo com a Alerj, o chefe do Poder Executivo, que atualmente recebe R$ 17,2 mil passará a receber R$18,3 mil. Já os secretários e o vice-governador terão seus salários reajustados de R$12,9 mil para R$16,4 mil.
      A Alerj informou ainda que o reajuste também terá efeito sobre os rendimentos de todos os servidores que estão no teto do Executivo, como coronéis da Policia Militar e delegados, entre outros. As informações são do Portal G1.

FONTE: blog do Cláudio Andrade.

quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Professores do Estado protestam por terem que trabalhar em mais de uma instituição

Fonte: Folha da Manhã

      Professores estatutários do estado protestaram na manhã desta terça-feira (13) na Coordenaria Regional de Educação contra o mau atendimento e falta de respeito com os profissionais no órgão. Segundo eles, para complementar as cargas horárias, são obrigados a trabalhar em duas ou mais instituições. Profissionais tiveram que comparecer ao local para escolher as unidades que vão atuar no próximo ano, além de receber a carteira ID Funcional, identificação obrigatória de todos profissionais, e pedido de transferência.
      Segundo o professor de Educação Física, Diego Gama, de 33 anos, falta um planejamento por parte da Coordenadoria e todo ano, os profissionais devem ser remanejados para duas ou mais unidades para complementarem a carga horária. “Tenho duas matrículas e atuo em cinco instituições, localizadas em bairros diferentes. Não temos a opção de atuar em apenas uma escola. Muitos professores trabalham em Campos e são obrigados a trabalhar em escolas de outros municípios. Há concursos públicos todo ano, e os novos concursados escolhem as melhores escolas. Somente hoje, há atendimentos na Coordenaria para escolha do local, pedido de transferência e remanejamento. Estamos sendo mal atendidos. Há pessoas que estão aqui desde às 5h, sem café da manhã e não foram atendidos”, relatou Diego Gama.
      De acordo com a coordenadora de Gestão de Pessoas Norte Fluminense, Cristina de Moraes Alvarenga, o remanejamento feito, é o trabalho de rotina, está dentro do cronograma estipulado, foi amplamente divulgado pelo órgão e há dez pessoas para atuar, somente neste setor. “Minha equipe há 18 pessoas. Há duas pessoas atuando na entrega da carteira ID Funcional, 10 pessoas no processo de remanejamento e outras pessoas envolvidas em outros setores da Coordenadoria. O remanejamento é o trabalho de rotina. Todo fim de ano é feito. Estamos tentando seguir a regra de remanejar os professores para apenas uma unidade. Há casos inevitáveis, como de professores com poucas turmas e são remanejados para atuarem, também, em outras instituições. O atendimento está sendo feito normalmente. O número de pessoas na equipe está de acordo com a necessidade de cada setor”, ressaltou Cristina de Moraes Alvarenga.



Gênero, raça e religião em Hancock

ALEXANDER MARTINS VIANNA*
Fonte: http://espacoacademico.wordpress.com/
     
      A produção do filme Hancock iniciou em 2007, mas foi concluído e lançado somente em 2008, ou seja, num ano de intensa campanha eleitoral nos EUA, em que um dos candidatos para presidente era negro e batista: o então senador Barack Obama (b. 1961), que já havia lançada, em 2006, o livro “The Audacity of Hope: Thoughts on Reclaiming the American Dream” e lançara, em 2008, o livro “Change We Can Believe In: Barack Obama’s Plan to Renew America’s Promise”.
      Então, é revestido de particular significado conjuntural o fato de a produção do filme ter interesse em um super-herói negro. O ator escolhido para protagonizar o papel não é menos significativo, pois, aos 40 anos de idade, o ator Will Smith (n.1968) já havia provado a sua capacidade de fazer performances tanto para o drama quanto para a comédia. Não por acaso, as duas chaves são intermitentes ao longo do filme, com a música sendo eficazmente editada para fazer o espectador transitar entre um pathos e outro.
      Até os 40 anos, podemos dizer que a imagem canônica de Will Smith esteve muito marcada pela tradição dramática “black face” do cinema norte-americano, ou seja, a representação de atores negros como engraçados, ingênuos, malandros, pouco letrados, irresponsáveis ou inábeis em regras de etiqueta WASP. Esta imagem canônica da carreira do ator foi um óbvio ingrediente para compor expectativa moral, religioso e racial a respeito do super-herói Hancock. Hancock não é um anti-herói, mas um herói adormecido pela ignorância de sua própria origem, mas que pode tomar consciência de seu potencial, chamado ou vocação, se for adequadamente civilizado/doutrinado ou despertado por valores morais mais “excelentes”.
      No começo do filme, a primeira aparição cênica do personagem rompe propositadamente com a expectativa de se encontrar o cânone do super-homem branco, protestante e da excelência moral de classe média: o contraste entre a música hap e o country urbano melancólico ou o blues, a condensação cênico-moral do close na garrafa vazia, o aspecto desleixado e sujo, tudo compõe uma abertura metonímica gradual para o exato antítipo de excelência moral da classe média branca protestante. Hancock não inspira as crianças, mas é detratado por elas, é um “asshole”. Para completar isso, mesmo quando se arvora em “combater o crime”, a sua ação sai mais cara para a cidade do que o próprio crime, pois, sendo um “negro grosseirão e ignorante”, é inábil para preservar a propriedade privada e o patrimônio público, ou é muito rústico ou desmedido quando age em prol de alguém.
      Até que sua história seja revelada, a expectativa causada pela presença de Will Smith, por sua performance, pela sua caracterização e figurino, assim como, pela música, sinalizam para o oposto do lugar moral, social e racial do super-homem, pois não há diferença entre o “estilo de vida” de Hancock e um pícaro ou vagabundo. Nesse sentido, o filme explora uma expectativa marcada por estereótipos da tradição “black face”, facilmente transferíveis para o personagem devido à presença cênica do ator Will Smith.
      Depois de apresentar Hancock numa chave moral-racial da tradição “black face”, cria-se a chave óbvia para o drama de redenção em torno do despertar da “verdadeira vocação” do super-herói trágico protestante: aprender a autocontenção ou o autolimite como condição de possibilidade para realizar o seu destino, qual seja, salvar e inspirar a humanidade com seu exemplo de caritas/sacrifício, pois querer fugir de tal destino apenas lhe causaria mais sofrimento. No entanto, para ter sua consciência despertada para tal missão, precisará de uma intervenção moral-missionária-educativa, que vem de uma família branca de classe média suburbana, repleta de ideias liberais (i.e., democratas no campo político norte-americano) sobre coisa pública e sobre a salvação do mundo.
      Antes de o segredo de Mary Embrey ser revelado para o público e para Ray Embrey, o que o público tem imediatamente à disposição de sua expectativa é a representação da família de classe média branca, suburbana e democrata, numa chave nostálgica de american way of life: o marido de bom coração (homem-de-bem) e caridoso trabalha fora, enquanto a esposa cuida dos afazeres da casa e da educação do filho único do casal. Na representação das relações de gênero entre os protagonistas do filme, a mulher cuida da ordem doméstica enquanto o marido atua na esfera pública.
      Depois que o segredo de Mary Embrey é revelado, nada na trama, na caracterização da personagem, nos jogos cênicos e na música convida a esperar dela um papel de super-herói, pois quem tem a missão de salvar e inspirar as pessoas na esfera pública, se devidamente civilizado nos códigos morais do protestante branco suburbano de “bom coração”, é o masculino excepcional e negro, Hancock.
      Embora Hancock e Mary sejam um casal original, tal como Adão e Eva, os seus séculos de vida revelaram a inviabilidade de se manterem juntos: a sua aproximação carnal significa vulnerabilidade física, sofrimento e risco de morte violenta. É sempre oportuno lembrar que Mary é protagonizada pela atriz sul-africana Chalize Theron (n.1975), caracterizada como branca e loura na trama, tal como o seu marido Ray Embrey.
      Num país, como os EUA, que ainda tem forte resistência em aceitar relacionamentos inter-raciais, o filme não propõe, como condição de possibilidade, um final feliz para Mary e Hancock, mas para Mary e Ray, enquanto o super-herói negro é desinvestido da possibilidade de ter felicidade conjugal somada à atuação na esfera pública – possibilidade que é somente reservada a Ray. Portanto, ser um super-herói significa ter a disposição para o auto-sacrifício e para a autocontenção. Por outro lado, mesmo depois de revelada a condição de Mary, a trama valoriza o fato de ela continuar a ser uma pacata housewife, sem maiores pretensões de usar seus poderes – maiores do que aqueles de Hancock – na esfera pública.
      Enfim, tudo na trama do filme, na caracterização de personagens, na música e na performance dos atores convida para uma expectativa conformista sobre as relações de gênero e os códigos religiosos e raciais. O ponto central é adequar o corpo e a mente do negro excepcional às expectativas morais, religiosas e raciais WASP. É inevitável chegar a esta conclusão sem pensar em como foram conduzidas a campanhas pró-Obama nos EUA. Não se trata de estabelecer um vínculo causal simples entre as campanhas e livros promocionais de Obama e o filme Hancock, mas de afirmar que este produz a presença de expectativas e ansiedades raciais, religiosas e de gênero que foram também fortemente despertadas pelos êxitos políticos e pela invenção biográfica de Barack Obama entre 2004 e 2008.


Good Job

Hancock and Mary Fight

FICHA TÉCNICA



Título Original: Hancock

Lançamento: 2008 (EUA)

Direção: Peter Berg

Duração: 92 min.

Roteiristas: Vince Gilligan; Vicent Ngo

Atores principais: Will Smith; Jason Bateman; Chalize Theron.







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* ALEXANDER MARTINS VIANNA é Professor Adjunto II de História Moderna do DHIST/UFRRJ.




terça-feira, 13 de dezembro de 2011

Siro Darlan: Os seus não a receberam

Fonte: Jornal O Dia

      Rio - Patrícia Acioli, juíza assassinada no dia 11 de agosto, recebeu uma homenagem póstuma da Nação, através da presidenta Dilma Rousseff, por haver se destacado no combate às violações dos direitos humanos, na categoria enfrentamento à violência.
      Justa homenagem, embora tardia. Há anos Patrícia lutava tenazmente no combate à violência, com dedicação e coragem, mas isso não foi reconhecido a tempo, sequer por seus companheiros de toga. Muitas vezes lutou sozinha por convicção própria e vocação. Mas, assim como tantos outros juízes de primeiro grau, não teve seus méritos reconhecidos porque não constava dos favoritos, que através de métodos como o compadrio e parentesco recebem o reconhecimento do poder.
      Ainda há muitas Patrícias e Patrícios vivos na Magistratura, mas por não participarem das procissões de louvação com beija-mão e lava-pés aos que decidem, não são contemplados em vida com um reconhecimento meritório. Apenas para citar alguns, reconhecendo estar sendo injusto com muitos, a juíza Telma Fraga faz um trabalho exemplar de resgate da cidadania recuperando presos condenados e ajudando-os na reinserção social através do trabalho e da valorização de seus talentos, sem qualquer apoio ou reconhecimento oficial.
      A juíza Adriana Ramos há anos se dedica ao combate à violência familiar, e, graças à sua tenacidade, contatos pessoais e coragem, conquistou muitos espaços e a criação das varas de violência doméstica, realizando inúmeros seminários no País sobre o tema.
      Muitos ainda são os magistrados que anonimamente constroem uma justiça social graças ao seu esforço pessoal e têm um reconhecimento externo muito maior do que o interno. Ser livre é poder olhar para nós mesmos e vermos o que podemos melhorar. Ser livre é poder doarmos de nós um pouco do que sabemos ao nosso próximo. O poder só se justifica se for para servir.



Siro Darlan é desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro
e membro da Associação Juízes para a Democracia

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

E O Uso Do Dinheiro Público???

     
Foto: blog do pudim
Há alguns dias atrás passei pela praça do Santíssimo Salvador e vi a árvore de natal sendo montada em frente ao antigo Hotel Gaspar, com direito à Papais Noéis escaladores e tudo! Muito legal, afinal a decoração natalina insere a população no clima de natal, além, é claro, de deixar a cidade mais bonita.
      Porém, qual não foi minha surpresa hoje, quando passei novamente pela referida praça e vi que a árvore já não está mais no local onde estava, dando lugar à uma big "tenda" (ou stand), cujo objetivo de instalação não sei qual é.
      Mas, fica a pergunta que não quer calar: e o dinheiro gasto para a instalação da árvore? Afinal, mesmo que ela seja reinstalada em outro lugar, havia um caminhão e funcionários empregados na instalação. Combustível custa dinheiro, salários custam dinheiro. Será que o gasto do dinheiro público não exige planejamento???

domingo, 11 de dezembro de 2011

“A morte de Deus” e o Natal sem religião

ENIO SQUEFF*

      Torna-se cada vez mais difícil associar a Natal ao nascimento de Cristo. Existe muito pouco hoje, na “maior festa da Cristandade” que conduza à conclusão de o Natal ser realmente uma festa cristã. É complicado, realmente, vender geladeiras e máquinas de lavar roupa, com as menções a Deus.

      O poema de Machado de Assis em que ele pergunta se somos nós que mudamos ou se o Natal, parece anteceder a uma questão hoje corrente: a irreligiosidade da sociedade contemporânea. Émile Zola – que foi um dos primeiros críticos a elogiar os pintores impressionistas – achou de chamá-los de “realistas”: eles, de fato, romperam uma tradição do cristianismo, de pintarem o ideal, como seriam as cenas religiosas. Mesmo quando retratavam alguém, não raro, um Rubens, um Delacroix ou mesmo um Ingres, trataram de fazê-lo, tendo como pano de fundo, digamos, uma cena idealizada, ou antes, um fundo nenhum. Foi o que fez Charles Dickens. Em seu famoso conto de Natal (“Christmas Carol”), tratou de pôr fantasmas na mente culpada do empresário que maltrata seu empregado, a partir da descrição de um literal pesadelo. O espectro, que arrasta correntes pela casa, e que o persegue no meio da noite, é claramente o demônio de sua consciência. Em seu poema, Machado de Assis não fala da questão do consumo que, em seu tempo, era muito precário em comparação com o que se vê hoje em dia. Mas ao detectar uma transformação (“Mudaria o Natal ou mudei eu”?), o escritor projeta a resposta que o mundo deu no futuro: o Natal, em si, já não é uma festa religiosa. Tudo indica que o que mudou foi o Natal.
      Talvez a questão resida, de novo, no Papai Noel, um ícone de mentira, que sabemos ser de mentira, e que, por isso mesmo, não passa de um ícore. Na verdade, o personagem não tem nada de religioso: ele atravessa os ares com seu trenó, deixa presentes às crianças, mas não reivindica qualquer ligação com o além. Não é o Cristo da Manjedoura que o envia. Quando muito, talvez, sugira, pelas cores, a Coca-Cola: foi com o refrigerante que o Papai Noel apareceu na forma que tem hoje. O mais é a mistura: os sinos tocam em Belém “para o nosso bem”, etc e tal – mas os personagens da Manjedoura parecem resolutamente secundários, coadjuvantes quase. E para os chamados “crentes” – que na atualidade constituem mais de um terço dos religiosos do país- o Presépio sequer existe. Assim também nas representações públicas. No máximo, temos a parafernália das luzes que se enrolam nas árvores, ou que despencam dos edifícios como um espetáculo feérico – mas que parece ter mais a ver com o neon da publicidade do que com as cenas consagradas pela tradição – aquela que se estreita numa gruta, com o Menino, a Virgem, os pastores vindos ao longe – anjos luminosos, uma estrela guia, e as músicas ressoando desde a estratosfera.
      Quando Nietszche disse que Deus estava morto, a reação alcançou todos os setores das religiões; a grita geral atingiu vários níveis e o próprio Nietszche foi anatemizado. Sua constatação, de que as religiões perdiam seus elos com a totalidade dos homens, a começar pela sua posição no Estado, nunca foi contestada pelos fatos. E o alarido que se seguiu a sua conclusão, fez muita gente contabilizar, não só os milagre – como os de Fátima, de Lourdes e outros -, mas todo um elenco de fatos extraordinários, os quais, entretanto, nem de longe parece terem tido o condão de ressuscitar Deus.
      Evidentemente, existem os religiosos: o Papa ainda reza a Missa do Galo, os crentes em suas denominação cada vez mais numerosas (a contar pelo número de pastores “empreendedoristas”), continuam a erguer seus braços na saudação a Cristo Jesus e em seus “aleluias”. Algumas igrejas católicas esplendem em cores e luzes. Além do mais, há o islamismo. Dizer que Maomé já não tem Deus para ser seu último profeta, parece desconsiderar uma religião que cresceu desmesuradamente nos últimos anos, a ponto de os islâmicos serem, no mundo atual, em números, uma comunidade muito maior que a cristã. De fato, há aspectos de guerra religiosa na resposta que muitos muçulmanos dão às bombas dos EUA e da Otan, que negam, em princípio, a morte de Deus. No entanto, pode-se objetar que, ainda assim, soa inclusive para muitos seguidores do Profeta, quase uma regressão conceber a organização das sociedades em Estados Religiosos. No próprio Irã, aliás, há quem dê como em dias contados, a manutenção da predominância dos clérigos na condução do Estado. Lá, também Alá estaria morto.
      A questão, contudo, não parece simples; e não é. Há anos, um religioso escreveu um livro sobre a arte sacra do nosso tempo. Defendia que ela existiria, a despeito da irreligiosidade desenfreada que paradoxalmente se seguiu à Segunda Guerra. Referia-se ao catolicismo e nomeava alguns artistas contemporâneos. Olivier Messiaen que morreu não faz muito, foi, realmente, um compositor que sempre se postou como católico. Escreveu obras textualmente, “para Jesus” e guardou-se de que sua fé era inquebrantável, o que não deixou de ser reafirmado até sua morte. Georges Rouault, pintor, um pouco mais velho que Messiaen, francês como ele, fez uma obra quase que inteiramente religiosa. Françoise Gilot, ex-mulher de Picasso, autora de um livro sobre o pintor, refere-se a Rouault como um artista, eminentemente, religioso. O próprio escritor inglês Graham Greene, morto há uns vintes anos, expôs o problema religioso no âmbito das questões existenciais prioritárias do nosso tempo. Mas, pelo fato de ter colocado a questão, justamente como “um problema”, não parece ter esmorecido a questão concreta de que, com ou sem “o problema”, Deus estaria, de fato, morto.
     Pode-se, certamente, ler de muitas maneiras a afirmação (“aforismo”) de Nietzsche. A um homem convicto de sua fé – e há um sem número deles, inclusive entre grandes intelectuais e cientistas – a consideração seria ociosa, até contraditória. Teria de se a avaliar a questão com as devidas reservas: José Saramago, um decidido agnóstico, não imputou a Deus o “grande mal do mundo”? Como considerá-lo morto, se a cada homem-bomba no Iraque ou no Afeganistão, reacende-se a questão do martírio, que só se concebe na crença de uma fé inquebrantável? Realmente, é assim. Mas se torna cada vez mais difícil associar a Natal ao nascimento de Cristo. Ou melhor: existe muito pouco, na “maior festa da Cristandade” que conduza à conclusão de o Natal ser realmente uma festa cristã.
      Claro, alguém dirá que é próprio do capitalismo não estreitar comemorações na religião. Complicado, realmente, vender certos produtos com as menções a Deus. Geladeiras e máquinas de lavar roupa, com as bênçãos do Manjedoura, são difíceis de engolir. Os religiosos que o digam.
      Há as medalhinhas católicas e os dízimos protestantes, sem dúvida: todos são produtos vendidos ou comprados “em nome de Deus”. Os pagadores de promessa, que se reúnem em Aparecida, aumentam sempre, talvez não na mesma proporção de tempos atrás, mas são numeroso; só que, em todas as manifestações, o que nos identifica já não é a totalidade do ser religioso socialmente, senão a especificidade de o sermos, no âmbito de nossas respectivas igrejas e templos.
      Parece ser, enfim, inelutável entre os homens, a existência de um sentimento religioso difuso. Mas já Deus é um traço subjetivo, que não se expõe na última análise das músicas, cantadas nos templos, que só têm de verdadeiramente religioso a invocação direta a Deus. Canta-se Deus em forma de rock, de música de alto consumo, mas justamente por ser também Deus um objeto de consumo. Ou seja, parece que Deus prescinde de uma música especial, de comportamentos que distingam os religiosos dos consumidores. Somos crentes para invocarmos Deus, mas não para nos alijarmos dos outros como uma característica especial.
      Durante as perseguições religiosas na Roma antiga, a marca do cristão era uma espécie de divisor de águas: não havia a “mercadoria Deus”. Deve ser por Papai Noel mostrar-se tão importante, que se prescindem as ginásticas para não ofendermos ninguém, ao não invocarmos Deus justamente naquela que seria a marca da “maior festa da Cristandade”?
      A pensar, certamente.





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* ENIO SQUEFF é artista plástico e jornalista. Publicado em Carta Maior, 09.12.2011, disponível em http://www.cartamaior.com.br/templates/colunaMostrar.cfm?coluna_id=5347&boletim_id=1071&componente_id=17159