segunda-feira, 29 de agosto de 2011

Resiliência: Você é esponja ou lata?

Leda Nagle, Jornal O Dia


      Rio - Você sabe o que é resiliência? Não? Então precisa aprender. Resiliência é um termo da física, que trata da capacidade elástica de um corpo. Eu aprendi muito com a Claudia Riecken, uma psicóloga paulista, que criou um método de análise da personalidade chamado método Quantum. Cláudia explica a resiliência de uma maneira muito simples. Segundo ela, “uma pessoa resiliente é como uma esponja que você espreme e quando solta, volta à forma original, respira que é grátis e procura outros caminhos na vida.E tem gente que é que nem lata, a vida espreme e a pessoa fica assim, amassada”. E todos nós conhecemos gente tipo esponja e tipo lata.A propósito,qual é o seu tipo?
      Claro que, para conviver com as dificuldades da vida, o ideal é nascer resiliente. Mas e se a pessoa não nasceu assim? O jeito, diz Claudia, é enfrentar ou aguentar a situação quando não dá para mudar. É aprender a entender as dificuldades da vida como um convite ao desenvolvimento, ao crescimento e não uma desculpa para estancar, ficar na dor e no silêncio. Gosto muito da expressão e da simbologia da frase “respira que é grátis” e a Claudia também. Ela defende que respirar e enfrentar e nunca desistir são as chaves do sucesso contra as dificuldades cotidianas.É claro que não é uma coisa assim tão fácil.As porradas chegam mesmo e as adversidades também. Mas o enfrentamento é possível e, desde sempre, a gente ouve o dito popular “fazer do limão a limonada”. Por que não experimentar? Porque é que tem gente que consegue e gente que não consegue? Porque, segundo ela, é também uma questão de postura e de atitude. “Se você olhar para o abismo, o abismo vai olhar para dentro de você. Se você olhar para o horizonte, o horizonte vai olhar pra dentro de você”. Na verdade, a resiliência é do humano, não escolhe classe social , gênero, nacionalidade ou cor. Basta recordar as grandes tragédias, do furacão Katrina às chuvas da serra fluminense.
      Pessoas tão diferentes se reinventam e se reconstroem. De onde será que tiram esta força? De si mesmos com certeza, mas também do jeito de ver a vida,da capacidade de persistir, de querer e de sonhar. Aliás, sonhar é fundamental. Sem sonhos a vida não vale a pena.E sonhar é totalmente diferente de se iludir. Não é negar a dor nem a dificuldade. É chorar o que tem que chorar, fazer o luto que tiver que fazer, “ respirar porque é grátis” e seguir em frente. Também é preciso ter adaptabilidade, cooperação, pedir e aceitar ajuda de amigos , da família ou dos dois.E principalmente se reinventar. Aí você vai dizer: mas isto é lição de autoajuda. Pode ser. Mas se a gente não ajudar a gente mesmo, quem é que vai ajudar?

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Sinceramente...

      Sinceramente, larguemos de lado a balela de que nosso país tem conserto. Basta uma leve olhada, de relance mesmo, nos jornais televisivos para constatar o fato. Porém, vamos apenas à um deles: meninos foram detidos em SP por assaltarem um hotel. Malandros em lei (muito mais que muito estudante de direito por aí), afirmavam que tinham menos de 12 anos de idade. Até aí tudo bem.
      Encaminhados para o conselho tutelar, promoveram verdadeiro quebra-quebra, resistiram, agrediram. São crianças vítimas da falta de oportunidades? Sem dúvida que sim. São vítimas de uma família omissa e incapaz? Óbvio.
      Apuradas as idades, constatou-se que duas destas crianças já eram maiores de 12 anos, procedendo-se ao encaminhamento de ambas aos órgãos competentes. MAS, E AS MENORES DE 12 ANOS, QUAL FOI O SEU DESTINO?
      Nós, profissionais da educação ouvimos falar, e muito, do famoso ECA- Estatuto da Criança e do Adolescente. Graças à ele (segundo alguns, mais à uma interpretação equivocada do texto da lei, e não à lei em si) muitos desmandos são permitidos, pois o menor de idade (mesmo que seja um "adulto" de 17 anos) está protegido pela lei. Tudo para que ao menor seja garantido o melhor, e ao menor excluído socialmente a sua inclusão e proteção. Belo discurso.
    Mas, voltemos à pergunta que ficou no ar: E AS MENORES DE 12 ANOS, QUAL FOI O SEU DESTINO?  Rua, isto mesmo, foi permitido àquelas crianças seu retorno às ruas de São Paulo. Que proteção é esta? Que inclusão social é esta?
      O governo brasileiro é mestre ágil em cobrar, principalmente impostos. Mas na hora de cumprir suas obrigações torna-se mais lento que carro 1.0 na subida. Crianças abandonadas moralmente precisam de CASA E DISCIPLINA. Não cabe como justificativa para este ato insano de abandono oficial que a lei não permite forçar estas crianças a ficarem internas em uma instituição. PRECISAM, mas em uma instituição que lhes forneça uma rotina, estudo, lazer, comida e disciplina.
      Todos sabem quem é que estará sempre de braços abertos na rua para "acolher" estes pequenos infelizes duplamente abandonados.


domingo, 21 de agosto de 2011

‘Não há modelo que torne o Brasil equivalente aos desenvolvidos’

Revista Carta Capital
 Paulo Daniel, 21 de agosto de 2011 às 9:54h

      Paulo Nakatani é economista, com pós-doutorado pela Université Paris XIII (Paris Nord), professor associado da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e Presidente da SEP – Sociedade Brasileira de Economia Política.

      Para o professor da UFES, atualmente não existe nenhum modelo que venha a produzir um desenvolvimento econômico e social brasileiro, dentro dos marcos do capitalismo, que torne o nosso país independente e equivalente aos chamados desenvolvidos.
      Confira abaixo a entrevista:

      Além de Economia/CartaCapital: Qual a leitura que o Sr. faz da crise?
      Paulo Nakatani: Costuma-se considerar que a crise é financeira, eu a interpreto como o resultado das contradições internas à acumulação do capital. Ela faz parte intrínseca dessa dinâmica e se manifesta periodicamente. A dinâmica da acumulação exige a ocorrência de crises periódicas, como meio de regenerar o capital em geral através da supressão dos capitais menos produtivos ou supérfluos. No momento da crise, eles são desvalorizados e incorporados pelas unidades de capital mais avançados e mais poderosos. Assim, não estou de acordo com as opiniões que consideram a crise como acidente de percurso, seja devido ao governo ou qualquer tipo de interferência “externa” à economia.
      A crise mais recente apresentou como particularidade o gigantesco volume de capital acumulado na esfera financeira, sob a forma de capital fictício, que pressionou fortemente a esfera produtiva extraindo volumes crescentes de excedente. A necessidade de desvalorização desse capital vem se manifestando desde a chamada crise financeira do México, em 1994, e continuou com as crises desencadeadas na Rússia, Malásia, Tailândia, Indonésia, Brasil e, em 2002, nos Estados Unidos. Todas elas produziram uma desvalorização de parte do capital fictício, mas a superação dessas crises foi obtida exatamente com a recomposição dessa forma de capital.
      Da mesma forma, as medidas anti-crise tomadas em 2008 e 2009, pelos governos dos EUA, da Europa e Japão, também foram para recompor o capital fictício. Mais ainda, as medidas atuais, nas crises da Irlanda, Grécia, Portugal e Espanha, o Banco Central Europeu está exatamente criando mais capital fictício, comprando títulos da dívida pública desses países.

      AE/CC: Geralmente a grande mídia tenta colocar a culpa da crise na má condução das políticas fiscais dos Estados, este é o verdadeiro problema?
      PN: É verdade que a política fiscal pode ser mal conduzida, pode ser equivocada, sofrer de corrupção e desvios de recursos ou apresentar déficits fiscais que aumentam a dívida pública e os serviços dessa dívida. Mas, este não é o problema, a crise decorre da dinâmica própria do capital, ou seja o problema está no capital. A oposição entre Estado [capitalista] e Mercado [capitalista] é falsa, ambos são elementos integrantes da sociedade capitalista e foram constituídos na mesma gênese.
      As políticas fiscal e monetária são instrumentos e mecanismos através do qual o Estado capitalista procura gerenciar a dinâmica e os rumos da acumulação do capital em geral e alterar a dinâmica da crise, mas não pode suprimi-la. Elas aparecem como se fossem problema quando a crise do capital aparece como, ou acaba sendo confundida com, crise do Estado, e a grande mídia tem um papel fundamental na construção e difusão dessas ideias falsas e equivocadas.

      AE/CC: É evidente, que o governo da Presidenta Dilma Rousseff é uma continuidade do governo do ex-Presidente Lula. A estrutura econômica que aí está deriva dos pilares da formação do Plano Real, neste sentido, é possível comparar os governos de Lula e FHC? Há mais semelhanças ou diferenças?
      PN: A estrutura econômica brasileira não deriva diretamente do Plano Real, mas da dinâmica da acumulação mundial e da histórica inserção subordinada do Brasil a essa dinâmica. A política macroeconômica implementada após o colapso do Plano Real, em 1998, é que continua a mesma, com a política de metas de inflação, metas de superavit primário e taxa de câmbio flutuante. O governo Lula até avançou mais na abertura do país ao capital especulativo e parasitário, mas teve que recuar parcialmente após a crise de 2008. Durante os oito anos do seu governo, as despesas na conta chamada de investimento em carteira totalizaram 108,6 bilhões de dólares e o movimento médio mensal de entrada e saída desses capitais especulativos, no segundo governo, foram de 32,1 bilhões de dólares, mais de um bilhão por dia.
      Mas, por outro lado, melhorou os programas focalizados de assistência social e um pouco a distribuição de renda, assim como adotou uma política anti-cíclica, em 2008, mais heterodoxa.

      AE/CC: A Presidenta Dilma em conjunto com o Ministro Mantega afirmaram que o Brasil não está imune a crise mundial, mas temos instrumentos para enfrentá-la. Seria possível o nosso país crescer mesmo com a crise econômica e financeira que assola o mundo? Os instrumentos para enfrentar a crise de 2008 não estão esgotados?
      PN: O Brasil não está imune aos impactos da crise mundial e nem de suas próprias crises internas. As políticas anti-crise, através dos instrumentos de política econômica e dos recursos disponíveis podem, no máximo, amenizar os seus efeitos mais perversos sobre os trabalhadores assalariados ou por conta própria. O resultado das medidas de 2008 foi uma queda pequena do PIB, que teria sido muito maior sem aquelas medidas. Mesmo que esses instrumentos não estejam esgotados, o efeito da crise pode ser grave.
      Se os impactos da crise sobre a balança comercial forem muito elevados com redução da quantidade exportada e dos preços das commodities, o efeito sobre o emprego e a renda dos trabalhadores serão grandes, mas não é possível dizer o quanto.
      Se somarmos os impactos da esfera financeira, o problema poderá ser muito maior. Segundo os dados do Banco Central, o passivo externo chegou a quase 1,4 trilhão de dólares, em março de 2011, com cerca de 50% em capitais especulativos, ações e títulos de renda fixa. Uma fuga maciça desses capitais poderia colocar o país em situação de insolvência, dado que as reservas cobrem apenas a metade desse montante. Mas, as políticas anti-crise dos EUA e da União Européia podem estimular ainda mais o ingresso dos capitais especulativos devido à elevadissima taxa de juros, como aconteceu em 2008, e o resultado será um crescimento das despesas com a remessa de rendas e ganhos de capital.

      AE/CC: Muitos economistas, políticos, sociólogos afirmam que o neoliberalismo acabou, mas ao mesmo tempo não surgiu uma alternativa concreta para enfrentá-lo. Por quê?
       PN: O neoliberalismo não acabou, como instrumento de intervenção estatal ele fundamenta e justifica as linhas gerais das políticas econômicas de quase todos os países capitalistas do mundo. Nenhum país que adotou a livre mobilidade de capitais, que liberalizou o comércio internacional e que privatizou as empresas e atividades estatais voltou atrás nessas medidas, salvo em alguma medida pontual tomada como resposta aos impactos da crise de 2008. O neoliberalismo também não acabou como ideologia, continua sendo o principal argumento para justificar o desmonte dos mecanismos e instituições voltados ao bem-estar da população, em particular a previdência, a assistência social, a saúde e a educação. Essa ideologia foi usada para avançar contra estas políticas nos países europeus em crise, como a Grécia, Irlanda e Portugal.
      A alternativa para enfrentá-lo existe, mas encontra-se debilitada pelas derrotas políticas e ideológicas sofridas nas últimas décadas decorrente, entre outros, da dissolução da União Soviética e da abertura da China ao mercado capitalista. O avanço da ideologia neoliberal acabou com a maior parte dos partidos, e muitos intelectuais, que reivindicavam o socialismo ou o comunismo e converteram-se à ideologia neoliberal. Além disso, a luta de classes concreta, hoje, costuma aparecer como manifestação contra algum aspecto parcial do desenvolvimento capitalista e não contra o neoliberalismo.

      AE/CC: Em meio a esta tormenta é possível pensar e realizar uma nova forma de desenvolvimento econômico e social brasileiro? Há algum modelo?
      PN: Não há nenhum modelo que produza um desenvolvimento econômico e social brasileiro, dentro dos marcos do capitalismo, que o torne independente e equivalente aos chamados desenvolvidos. As perspectivas no momento são de uma reprimarização da economia, já presente na balança comercial, de aumento da dependência e subordinação ao capital internacional, com uma elevada sangria na conta de remessas de lucros e ganhos de capital, e de continuidade dos movimentos cíclicos de crescimento e queda, seja devido às crises internacionais ou às próprias contradições da acumulação interna de capital.

quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Homenagem aos 24 anos da morte de Carlos Drummond de Andrade

JOSÉ

E agora, José?
A festa acabou,
a luz apagou,
o povo sumiu,
a noite esfriou,
e agora, José?
e agora, Você?
Você que é sem nome,
que zomba dos outros,
Você que faz versos,
que ama, protesta?
e agora, José?

Está sem mulher,
está sem discurso,
está sem carinho,
já não pode beber,
já não pode fumar,
cuspir já não pode,
a noite esfriou,
o dia não veio,
o bonde não veio,
o riso não veio,
não veio a utopia
e tudo acabou
e tudo fugiu
e tudo mofou,
e agora, José?

E agora, José?
sua doce palavra,
seu instante de febre,
sua gula e jejum,
sua biblioteca,
sua lavra de ouro,
seu terno de vidro,
sua incoerência,
seu ódio, - e agora?

Com a chave na mão
quer abrir a porta,
não existe porta;
quer morrer no mar,
mas o mar secou;
quer ir para Minas,
Minas não há mais.
José, e agora?

Se você gritasse,
se você gemesse,
se você tocasse,
a valsa vienense,
se você dormisse,
se você cansasse,
se você morresse...
Mas você não morre,
você é duro, José!

Sozinho no escuro
qual bicho-do-mato,
sem teogonia,
sem parede nua
para se encostar,
sem cavalo preto
que fuja do galope,
você marcha, José!
José, para onde?
Carlos Drummond de Andrade

I close my eyes...

sexta-feira, 12 de agosto de 2011

Nunca antes na história deste país...

Edmundo Machado, Jornal Mania de Saúde




      Depois de uma noite bem dormida, você acorda tranquilo, escova os dentes, toma seu banho matinal e vai à mesa do café da manhã, onde abre o jornal para saber das notícias e, logo na primeira página, em letras garrafais, está a informação que 70% de toda a verba da saúde e da educação é descaradamente roubada por nossos governantes. Daí o café entala na garganta, o pão quentinho vira uma pedra gelada e, por já estar chegando o fim do mês, você pensa automaticamente no DARF referente a mais uma parcela do Imposto de Rendas que você irá pagar em poucos dias e se sente o perfeito palhaço, com narizinho de bolota vermelha e tudo mais.
      A notícia indicada acima, que é verdadeira e foi primeira página do jornal "O Globo", não só nos faz de perfeitos palhaços, como também mostra no que está se tornando a nossa nação. Difícil o dia em que a imprensa não nos apresenta um novo escândalo envolvendo desvio de verbas públicas e, o que é pior, a denúncia não inibe os assaltantes e nem tem o condão de interromper a escalada do "mete a mão" generalizado que assola o país. Não dá mais para continuar assim. A sociedade organizada tem que sair da omissão e tomar atitudes mais drásticas e mais imperativas, visando encerrar com a institucionalização da roubalheira total que estamos presenciando inertes, pois o que está sendo roubado é o nosso dinheiro, é o nosso imposto, é uma parte do seu suor.
       Enquanto alguns ficam milionários, nossa juventude está sem escola decente e, muito provavelmente, não terá um futuro digno. Enquanto alguns amealham milhões, outros tantos milhões não conseguem um atendimento médico ou hospitalar no momento em que precisam. Estamos formando uma nação doente, não só no aspecto físico, como também no moral, vez que a sociedade não lança toda sua fúria contra estes políticos. Roubar no Brasil está se tornando algo natural e não tem consequência alguma. A sociedade organizada é silente. A massa não tem cultura suficiente nem mesmo para entender que estão lhe roubando a dignidade e o futuro. E os impostos aí estão, cada dia mais vorazes e em percentuais maiores.
      Nunca antes na história deste país tantos escândalos se amontoaram como agora. Na época do Collor, por muito e muito menos, a nação foi às ruas na famosa "marcha dos caras pintadas". No que estamos presenciando, a dose precisa ser repetida e com muita urgência, pois o Brasil não vai aguentar muito tempo.






Comentário do blog: estes vídeos foram postados por entendermos que complementam perfeitamente a explanação do Dr. Edmundo em seu texto.


quarta-feira, 10 de agosto de 2011

Entrevista com um escravo

Felipe Milanez (Carta Capital)

O maranhense João resolveu buscar trabalho no Pará, onde homens valem menos que bois. Por Felipe Milanez. Foto: Bernardo Loyol


      Marabá, sexta-feira. O sol da manhã confirma a época da seca e anuncia o calor que virá durante a tarde. Atrás do muro alto em uma rua de terra à margem de um córrego, fica o abrigo da Comissão Pastoral da Terra chamado “cabanagem”. Trata-se de um espaço feito para receber trabalhadores em situação de risco. O nome faz referência à revolta de negros e índios ocorrida na Amazônia no período regencial. João me aguarda para a conversa. Ele saiu do Maranhão em novembro para procurar emprego no Pará. Deixou para trás a mulher e um casal de filhos. Acabou aliciado por um “gato”. Trabalhou seis meses praticamente sem receber, por causa da dívida na cantina. Um dia sofreu um acidente. Pediu as contas, a dona da fazenda, de nome Clara, disse que não tinha o que lhe pagar. Ele amea-çou ir à Justiça. Ela retrucou: “Rapaz, se tu quiser ir, tu pode ir. Porque na minha fazenda quem manda é eu, não é a polícia-”. Fugiu com 200 reais no bolso.
      Pergunto qual era o trabalho dele na fazenda.“Era cortando juquira (erva daninha que atrapalha o pasto) e ajudante de fazer cerca na fazenda.”
      Fazia isso no Maranhão?“Não, vim fazer aqui.”
      O que é a cantina?“É onde vende bota, foice, arroz, feijão, óleo, essas coisas assim de fazenda, sabe? Café, açúcar, sabão.”
      Eles cobravam?“Cobravam. Olha, lá no barraco que eu tava, nem energia não tem. O litro de óleo que a gente compra lá, tudo vai pra nota, pro caderno. A água lá onde os meninos estão é água de rio. E lá onde eu tava é um córrego, desse córrego ela botou um cano e encostou uma mangueira da grossura de um dedo nesse cano para puxar água pro pneu. Nesse pneu, o gado bebe, a gente toma banho, bebe e também tira para fazer comida.”
      Quantas pessoas estão trabalhando?“Nós tem cinco pessoas lá cortando juquira, tem dois vaqueiros e o rapaz encarregado do serviço.”
      O que a fazenda produz?“Só gado mesmo. É uma fazenda de gado.”
      É grande?“É. Praticamente só de juquira que ela queria fazer esse ano é 100 alqueires.”
      O que ela tinha prometido pagar?“Ela pagava 25 reais a diária. E pra mim, nesses oito meses, ela me pagou 500 reais: 300 pelo trabalho e 200 pela indenização da minha mão, para eu poder ir embora. Foi a primeira vez que eu vim fazer a denúncia aqui. Porque isso não é correto. Eu vim do Maranhão para trabalhar, sem carteira assinada, trabalho seis meses, o cara me aleija, por culpa dela, aí ela não me paga direito, e ainda fala que é muito caro. Ela falou pra mim que eu tô caro pra ela, ó.”
      Como saiu da fazenda?“Saí escondido.”
      Como?“Eu só falei pro seu Ronaldo (o aliciador): ó seu Ronaldo, eu vou denunciar a fazenda, porque a gente não tá recebendo nada. Ele não queria que eu viesse porque ele ficou com medo de pegar para ele, porque ele que tava devendo. Eu expliquei: olha, senhor, eu não tô indo denunciar você, eu tô indo denunciar a fazenda. Porque é a fazenda que tá devendo nós todos.”
      Ele ficou com medo de quê?“Ele ficou com medo, assim, porque ele não tinha costume. Como eu também não tenho. Mas eu sei que é errado e eu vim procurar o direito.”
      Como era a cantina?“A cantina é dentro da sede mesmo. Um dia morreu uma vaca, às 8 horas da manhã, engatada no arame. Quando o vaqueiro achou, era 6 horas da tarde, e urubu já tinha furado a vaca. Aí ela (a dona da fazenda) mandou limpar e vender a carne toda para os que pegaram serviço. A vaca tava empazinada já. Uns 15 ou 20 dias, foram pegar um gado, e aí quebrou um boi. Quebrou um boi e passaram três dias lá dentro do pasto com o boi quebrado. Com três dias o boi morreu. Ela fez o mesmo, mandou limpar e vender de novo.”
      Ela vendeu por quanto?“Cinco reais o quilo.”
      Como se paga?“Na conta. Trabalhou um rapaz lá, que ele pegou um quarto de um boi, e não teve com o que pagar. Pois ela botou na conta do seu Ronaldo para ele pagar. Sendo que não tinha nada a ver, e ela passou para ele pagar.”
      Vocês pagavam?“Não, a gente não pagava. A gente só trabalha mesmo para comer. Lá -realmente é uma escravidão muito séria, igual aquelas das antigas. Sabe como é? A gente trabalha para pagar o que come lá.”
      Você não conseguia juntar dinheiro?“Não, nunca consegui nada. Tá fazendo cinco meses que eu não boto nenhum centavo para a minha família. Seis meses que eu trabalhei e dois meses que eu fiquei parado sem poder trabalhar, até agora. Para você ver, a diferença desse braço aqui, que ele tá secando, comparando com esse aqui.”
      O que aconteceu?“É por causa do indivíduo que torou o tendão e os ossos aqui. Eu não tenho esse nervo aqui não. Foi o rapaz que torou, por causa da minha foice. Quando eu cheguei pro serviço, disse: ‘Seu Zé, me dá a minha foice, que tu pegou’. Ele disse: ‘Não, essa foice é minha. Rapaz, essa é minha, tu não conhece o que é teu?’ Aí ele, louco, né, fez ar de rir e disse: ‘Então pega a tua foice’. Na hora que eu levei a mão para pegar a foice, ele levou a foice de força assim. Até acredito que ele botou para torar foi o meu braço. Mas eu puxei, pegou esses três dedos aqui, mas só aleijou esses dois. Esses dois dedos aqui praticamente estão mortos, não tem como movimentar eles.”
      A foice era de alguém ou da fazenda?“Era minha, porque a fazenda não dá nada. Tudo é a gente que compra.”
      Quanto pagou?“Quinze reais.”
      O saldo seria como?“A gente trabalha numa diária, descontando 15, ai fica 10, né, porque é 25 a diária. Mas aí ficou por isso mesmo, porque nunca peguei dinheiro.”
      E o resto dos 10 ia pra você ou tinha de pagar alguma coisa a mais?“Qualquer coisa que pegava era descontado na diária, o gato acertava se a gente tivesse saldo. Como a gente nunca teve, ficou assim mesmo.”
      E depois?“Fui ao hospital. A dona da fazenda disse que pagava o que tinha de ser pagado. E se os dedos não voltassem ao normal, ela pagava os dedos. Mas ela não pagou nem os dias que eu tinha trabalho nem os que eu fiquei parado. A indenização dos dedos foi 200 reais. E ainda falou que era muito, que tava caro pra ela.”




quarta-feira, 3 de agosto de 2011

Uma questão de prática (Rogério Tuma, Carta Capital)

      Um estudo do Hospital Beth Israel de Boston, feito pelos doutores Edwin Robertson e Daniel Cohen, esclarece por que é tão difícil aprendermos diversas matérias diferentes ao mesmo tempo.
Usando 120 voluntários, que precisaram aprender dois tipos de atividade em sequência, uma com exercícios com os dedos da mão e a outra uma lista de palavras para decorar, os cientistas perceberam que aprender uma atividade atrás da outra prejudicava o aprendizado da primeira. A conclusão é que, ao aprender algo diferente, sem tempo de reter o primeiro assunto, podemos nos decepcionar.
      Na segunda metade do estudo, os pesquisadores utilizaram um recurso que pode “desligar” algumas partes do cérebro, a eletroestimulação magnética transcraniana (TMS), que cria um campo magnético no cérebro tão forte que impede a conexão normal entre os neurônios de uma mesma região, interrompendo seu funcionamento. Os pesquisadores utilizaram a TMS nas áreas acessórias ao aprendizado motor, se o exercício com a mão era o primeiro executado, e na área de aprendizado verbal, se a primeira tarefa era decorar a lista de palavras.
      Os cientistas descobriram que fazer o estímulo elétrico com TMS, depois de aprendida a tarefa, não interferia no aprendizado desta, além de impedir a competição e interferência entre os dois exercícios, melhorando a performance de ambas atividades ao ponto de o resultado ser igual ao aprendizado de uma só tarefa.
      O TMS não e o único jeito de impedir a interferência de um aprendizado sobre o outro. O sono é a forma natural de desligar as áreas acessórias aos diversos aprendizados, por isso cochilar um pouco nos intervalos de treinamentos parece ser benéfico e melhorar a aquisição de conhecimento.
      Outro estudo feito por Edwin Morris, da Universidade de Edimburgo, e associados da Universidade de Tóquio e publicado na revista Science, explica que é mais fácil para o cérebro aprender mais sobre assuntos que já conhecemos. Para aprendermos um conceito novo existe um envolvimento mais amplo do córtex cerebral, mas adicionar conhecimento é muito mais simples. Os cientistas descobriram um grupo de genes ativados somente para adicionar memória ao que já foi aprendido.
      Esses genes não funcionam tão bem quando o assunto é novo, e os pesquisadores argumentam que o conhecimento dos indivíduos especialistas é construído desta maneira. O volume de conhecimento vai sendo adicionado em blocos, e quanto mais sabemos sobre um assunto mais fácil fica aprender algo novo sobre ele.
      Em outra pesquisa, cientistas do Instituto Max Planck, da Alemanha, e da Escola Superior de Física e Química Industriais, de Paris, puderam confirmar, usando o cérebro da drosófila, a mosca da fruta, que existem neurônios especializados apenas em ler memórias gravadas.
      Já conhecemos muito dos circuitos cerebrais da drosófila, que possui apenas 100 mil neurônios. O cérebro humano possui 100 bilhões de células empacotadas em um quilo e meio, mas tem mecanismos operacionais iguais. Os cientistas descobriram que, ao bloquear um grupo específico de células, as MB-V2, as moscas não conseguiam lembrar-se de um cheiro.
      No estudo, os neurocientistas aplicavam um choque elétrico nas moscas, após liberarem um determinado cheiro. Os pesquisadores conseguiam desligar os neurônios MB-V2 e, ao fazer isso, as moscas não fugiam do cheiro associado ao choque. Mas ainda podiam aprender que o cheiro estava associado a um evento ruim, pois quando os cientistas religavam a célula MB-V2 as moscas fugiam do cheiro. Isso os fez concluir que a MB-V2 não era importante- para o aprendizado, mas fundamental para- lembrar-se do que foi aprendido.
      Esses estudos, publicados em um intervalo de duas semanas, são avanços na busca da cura para a doença de Alzheimer, e para a reabilitação em acidentes vasculares cerebrais. Ao mesmo tempo, nos impulsionam a outro nível, no qual poderemos manipular nossa capacidade de aprender e de lembrar as lições.